Síndrome

Text neck: a dor causada pela má postura ligada ao uso incorreto do celular

Sobrecarga de peso sobre a coluna tem levado cada vez mais jovens a serem diagnosticados com a “síndrome do pescoço de texto


Publicado em 02 de junho de 2019 | 03:00
 
 
 
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Incomodado com as dores cada vez mais frequentes que o acometiam na região do pescoço, o estudante de educação física Bernardo Jaques, 22, resolveu relatar o problema a um fisioterapeuta. “Acabei descobrindo que (as dores) eram decorrentes de tanto eu ficar com a minha (coluna) cervical flexionada, olhando para a tela do celular, o que chegou até a alterar a minha postura”, rememora ele, que, com a ajuda do profissional, acabou se submetendo a algumas sessões de exercícios monitorados com o intuito de acabar com o problema.

Se a dor sumiu? “Sim! E a minha postura voltou ao ideal. Mas, ao mesmo tempo, também procurei me reeducar para, sempre que possível, deixar minha cervical em uma posição neutra ao lidar com o smartphone. Hoje em dia, esse esforço já se tornou algo natural para mim”, conta ele, bem mais aliviado.

Bernardo Jaques é uma das vítimas de um mal que vem afetando sobretudo os mais jovens: a síndrome do pescoço de texto, ou, do original inglês, “text neck”. Na verdade, no Brasil é também conhecida como “síndrome do smartphone” ou “pescoço tecnológico”. É um problema que vem a rebote do uso excessivo dos smartphones. 

Recente pesquisa empreendida pela Universidade de Notthingham, na Inglaterra, tendo como foco pessoas entre 18 e 33 anos, apontou que esse público costuma pegar o celular mais de 85 vezes por dia, o que corresponderia a um total de mais de cinco horas com os olhos fixados a uma tela. Como todo excesso traz consequências, com o celular não seria diferente. 

E a síndrome do pescoço de texto entra justamente no rol dos males provocados pelo excesso do uso desses aparelhos portáveis, tendo como desencadeador a adoção de uma postura errada do usuário no manejo dos aparelhos. No geral, em vez de elevar o aparelho no nível dos olhos, o usuário inclina a cabeça para conferir o que está na tela. Esse movimento aparentemente inocente acaba por elevar consideravelmente o peso projetado sobre a coluna cervical – estima-se que de 5 a 6 kg (peso estimado da cabeça de um adulto) para até – acredite – 30 kg, de acordo com o grau de inclinação. 

Com formação no método Busquet, em quiropraxia e em pilates, o fisioterapeuta Vitor Alvarenga, que tratou o caso de Bernardo, diz que, apesar de ainda não existirem números precisos sobre a síndrome – “só vamos saber mais pra frente, pois estudos em relação a isso ainda estão em curso” –, pode-se dizer que, sem dúvida, a procura por alívio a essas dores no pescoço está em reta ascendente. 

O médico Guilherme Moreira de Abreu Silva, do departamento do Aparelho Locomotor da Universidade Federal de Minas Gerais, corrobora: “As queixas têm sido cada vez mais frequentes e aparecem não só nos consultórios, mas também nos serviços de pronto-atendimento”.</CW>

Especificidades. Guilherme explica que, nos episódios de crise, na maioria dos casos, a dor costuma aumentar ao final do dia, “podendo, inclusive, se refletir na qualidade do sono”. Não bastasse, a dor pode irradiar para a região dos ombros e para outros membros. Embora felizmente seja mais raro, se não cuidada, a text neck pode ocasionar problemas mais sérios, como a compressão do nervo cervical. 

É a avaliação médica que vai direcionar o início ao tratamento, que, claro, pode ter o suporte de medicamentos para aliviar a dor – anti-inflamatórios, analgésicos ou relaxantes musculares. “Há pacientes com restrições a algumas classes de medicamentos”, lembra Guilherme, que também enfatiza: “Se não houver uma mudança de hábito por parte do usuário, há uma forte probabilidade de que o quadro de dor retorne em pouco tempo”. 

Não ao excesso. A fisioterapia, segundo Vitor Alvarenga, tanto pode atuar de modo preventivo à síndrome, com alertas e orientações à população (posto que muitos ainda desconhecem a patologia); ou como parte do tratamento, associada a remédios ou não. “E aí o profissional vai avaliar a conduta correta a ser adotada. Mas o mais importante é justamente que o usuário, mediante o diagnóstico, procure adequar um pouco mais a sua postura, que passe a tomar mais cuidado, e, claro, a não ficar utilizando a tecnologia de modo excessivo em seu dia a dia”, aconselha. 

Para Vitor, em alguns casos, o simples fato de reduzir o tempo de uso do aparelho, passando a ter mais atenção ao dia a dia, “faz com que a dor vá automaticamente diminuindo”.

Posicionar aparelho na altura dos olhos é fundamental 

O ortopedista Guilherme Moreira de Abreu Silva adverte que, apesar de os jovens serem apontados como os que mais exageram no uso do celular, há abusos em todas as faixas etárias. “De fato, é mais frequente na primeira, segunda e terceira década de vida, mas há casos em faixas mais avançadas”, diz.

Para se ter uma ideia das consequências, recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alerta para o aumento de casos de miopia atrelado ao uso excessivo de telas, denominação que inclui smartphones, tablets e TV. Segundo a OMS, até 2020, 35% da população mundial terá miopia. Não por outro motivo, a organização recomenda que crianças entre 2 e 5 anos passem no máximo uma hora por dia em frente às telas. 

Mas não só. “O uso de dispositivos móveis em locais públicos aumenta consideravelmente o risco de quedas do usuário, principalmente considerando-se a quantidade excessiva de calçadas irregulares nas grandes cidades do país. Ou até mesmo o risco de atropelamentos”, adverte Guilherme. No entanto, se o mau uso traz consequências nefastas, ressalte-se que, por outro lado, a tecnologia oferece ferramentas interessantes para ajudar o usuário a não cometer exageros. 

O ortopedista da UFMG cita, por exemplo, os vários aplicativos criados para alertar o usuário que excede o limite do razoável no uso das telas. Entre eles, estão o Flipd, o Moment, o Forest, o Siempo ou o Dinner Mode.

Postura. Mas, sim, é a adoção da postura adequada a grande chave para evitar a síndrome do pescoço de texto – ou um novo episódio. “A gente sempre indica uma boa postura relacionada ao uso de tecnologia. É importante posicionar o aparelho na altura dos olhos, pois, quando você o posiciona para baixo, a tendência é aumentar o peso da cervical, gerando essa síndrome. Então, é subir a tela para a linha do pescoço, a linha dos olhos, para que o usuário tenha uma melhor visibilidade sem prejudicar o ângulo da cervical”, diz o fisioterapeuta Vitor Alvarenga.

Guilherme também sugere que o usuário faça, no curso do dia, intervalos no uso do celular ou no tempo passado frente à tela do computador. “Aliás, no caso do computador, deve-se observar a melhor forma de sentar na cadeira”, acrescenta. Vale dizer que essa deve ser ergonômica, com selo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Outras causas

Outros casos. Embora a síndrome do pescoço de texto, com esse nome, esteja relacionada ao uso de celulares e computadores, existem profissões em que a adoção de uma postura correta para seu exercício é necessária para evitar a sobrecarga na coluna cervical.

Exemplo. Caso, por exemplo, de quem trabalha em laboratórios químicos, analisando amostras em microscópios, ou mesmo avaliadores de penhor.

Text neck. Credita-se ao médico Kenneth K. Hansraj, chefe do setor de cirurgia de coluna do Centro Médico e de Reabilitação de Cirurgia de Coluna em Nova York, o nome pelo qual hoje a síndrome é 
mais conhecida.

‘Eu ficava muito tempo encurvado’

O engenheiro civil André Pessoa Drummond de Almeida, 24, outro jovem acometido pela síndrome do pescoço de texto, reconhece que a dor que o acometeu na região se deu, inicialmente, em decorrência do uso excessivo do aparelho celular. Mas o detonador foi a má postura, que sobrecarregou toda a coluna cervical. “A verdade é que eu costumava ficar muito tempo sentado e, muitas vezes, bastante encurvado”, assume ele, que, como o estudante Bernardo Jacques, também foi procurar ajuda na fisioterapia.

Embora o quadro de dor aguda não tenha chegado a impedir André de prosseguir com a maioria das atividades que compõem a sua rotina diária, ele relata que o episódio atrapalhou, por exemplo, a prática de esportes. “No meu caso, o tênis”, especifica.

Mas o engenheiro civil teve sorte: ele não precisou da ajuda de fármacos e conseguiu solucionar seu problema em apenas dez sessões de fisioterapia. De fato, nos casos mais simples, os resultados costuma ser rápidos. “No geral, são bastante satisfatórios. Quando tratado no início, é bem tranquilo, fácil. Não temos nenhum caso de insucesso”, diz Vitor Alvarenga, ressaltando, como já frisado também pelo ortopedista Guilherme Moreira de Abreu Silva, a necessidade de engajamento do paciente na mudança de hábitos, imprescindível para a prevenção de outros episódios da síndrome.

Saiba mais

Denominação. A síndrome do pescoço de texto também é conhecida como “pescoço tecnológico”.

Sintomas. Além da dor na região do pescoço, pode ocasionar cefaleia, rigidez muscular, dor nas costas e formigamento ou dormência dos membros inferiores (em casos mais graves).

Cuidado. Vale ressaltar que toda dor no pescoço deve ser investigada por um profissional, pois nem sempre ela está atrelada ao mau uso do celular.

Recurso. Exercícios de alongamento prescritos por um profissional e feitos corretamente devem ser praticados durante o dia. 

E mais. Ioga e pilates também fornecem instrumentalização para uma correção postural.

 

 

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