Os pulmões de um bebê se formam por completo por volta da 34ª semana da gestação. Mas é só no fim do período normal de uma gravidez (após 37 semanas) que ele começa a produzir a substância necessária para respirar fora do útero. “Essa substância se chama ‘surfactante’, que é o que mantém os pulmões abertos quando a gente nasce. Então, como o prematuro nasce antes, ele não tem ainda. Por isso, nós o colocamos num aparelho para manter os alvéolos abertos”, explica a pediatra neonatologista e diretora administrativa na Neocenter Maternidade, Tilza Tavares.
A questão respiratória é apenas uma das que podem deixar sequelas. “Uma das mais comuns é a displasia broncopulmonar, que acontece quando o bebê fica muito tempo no respirador. Então, ele fica dependente e, em alguns casos, precisa ir para casa usando o oxigênio”, explica Tilza.
Foi o que aconteceu com Ronan, que nasceu com 26 semanas, pesando 867 g. “Ele veio para casa ainda com o oxigênio para usar à noite para dormir. Então, a gente fica bem apreensiva. Tem que acordar várias vezes, ou às vezes nem dorme mesmo, para ficar olhando ele”, relata a mãe do bebê, Gleiziane Messias, 36.
Hoje, Ronan está em casa, em Catas Altas, na região Central de Minas Gerais. Mas precisou ficar oito meses internado em Belo Horizonte, chegou a ter alta, só que, depois de uma crise convulsiva, teve que voltar para o hospital, onde ficou internado por mais quatro dias. Foi aí que os médicos descobriram que ele tem síndrome de West, um tipo raro de epilepsia. “Ele tem convulsão, porém não apresenta febre. Se não tratar, pode dar sequelas no cérebro, mas a médica entrou com medicação, e deu tudo certo”, conta Gleiziane.
Para o controle da síndrome, ele tem que tomar um remédio que custa cerca de R$ 400 cada caixa. Ronan precisa de três caixas por mês e, até o momento, a família não conseguiu o remédio pelo SUS. “Ainda não sabemos por quanto tempo ele vai precisar”, relata a mãe.
A jornada de Ronan é parecida com a de 4,5% dos prematuros que, assim como ele, chegaram ao mundo com menos de 28 semanas, classificados como prematuros ou pré-termos extremos. “A gente fala que a história deles não termina na alta da UTI. E eu acredito que ela acompanha para a vida toda”, reflete Tilza, que é autora do livro “Pequenos Guerreiros: A Força de Vida do Bebê Prematuro”.
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Segundo Tilza, além do desconforto respiratório, as sequelas mais comuns são retinopatia da prematuridade, que afeta a visão; paralisia cerebral, com comprometimento motor; hemorragia peri-intraventricular, com rompimento de vasos em algumas áreas de cérebro; deficiência auditiva; entre outros.
Infecções na internação podem deixar sequelas
“Quando eu peguei a Maria Alice para levar para casa, a médica falou para eu não colocar muita esperança de ela andar, falar e ser uma criança como as outras, porque ela estava muito debilitada”, conta a mãe, Tatiele dos Santos Moura, 24, que deu à luz um casal de gêmeos, na 27ª semana de gestação. Os irmãos, que nasceram com cerca de 700 g, ficaram internados por 75 dias. Nesse período, a menina teve meningite e, como sequela, desenvolveu hidrocefalia.
Hoje com 2 anos e 3 meses, Maria Alice já passou por duas cirurgias na cabeça, para colocar uma válvula para drenar o líquido que, acumulado no cérebro, provoca pressão que causa o inchaço e pode levar a danos cerebrais. A primeira aconteceu dez dias depois da alta, quando ela e o irmão tiveram que voltar para o hospital por causa de uma gripe. A segunda cirurgia foi cinco meses depois.
“Maria teve muito atraso para andar, para falar. Fez fisioterapia até 1 ano e 9 meses. Ela demorou a se desenvolver e até hoje anda bem devagar e manca um pouco”, explica Tatiele. Daniel também carrega no corpo algumas marcas. Um de seus braços é maior que o outro e, segundo a mãe, o médico explicou que isso aconteceu devido à prematuridade.
Depois de tudo que Tatiele e seus filhos passaram, a sensação é de alívio. “É gratificante! Só a gente que vive sabe como é. Cada coisinha boba que passa é uma vitória. Eu sinto como se tivesse vencido na vida”, destaca. Mas, quando pensa no futuro dos filhos, ainda fica apreensiva. “Meu medo é de as pessoas zoarem eles, coisas assim. Especialmente a Maria, que tem a cabecinha ainda um pouco maior”.
Para a pediatra neonatologista Tilza Tavares, com todas as dificuldades, inclusive as que podem vir no futuro, os bebês prematuros são pequenos guerreiros. “Como uma pessoa tão frágil, tão indefesa pode ter uma força tão grande para viver? Um adulto não dá conta de passar pelo que o prematuro passa. E a gente vê ali, nos plantões, a força que esses bebês têm”, destaca.