O professor José Martins de Godoy, presidente do Conselho Curador da Fundação da Gide (FDG), é o entrevistado da temporada Minas S/A Governança em todas as plataformas de O TEMPO.
A Fundação da Gide, em Nova Lima (MG), faz a gestão integrada da educação e foi criada em 1997 atuando ao longo desses anos na educação básica de 12 Estados brasileiros com mais de 1 milhão de professores capacitados e mais de 10 milhões de alunos beneficiados.
Membro da Academia Nacional de Engenharia, José Martins avalia que aprendemos o modelo de gestão japonês, aplicado com sucesso na indústria nacional, mas faltou o pacto nacional pela educação básica.
José Martins conta que em outubro, nos dias 5, 6 e 7, acontece o Festival de Educação Liga da Gide, no Expominas, em Belo Horizonte. Ministério da Educação, 26 secretarias estaduais de educação mais o Distrito Federal e 1.100 redes municipais de educação foram convidadas.
A seguir, a entrevista na íntegra com José Martins de Godoy:
HL: Professor, muito obrigada por nos receber aqui na sua casa, em Belo Horizonte. Essa jornada que começou lá em 1997, da Fundação da GIDe, mas eu queria falar primeiro sobre a sua jornada, a sua vida até chegar ao que a gente tem hoje, essa função tão importante da Fundação na Educação Básica. Como foi? Você hoje também é da Academia Nacional de Engenharia, mas eu queria que você falasse um pouco sobre o início da sua vida.
JM: É um prazer recebê-la. Vamos começar pela parte do período da universidade. Eu sou engenheiro metalurgista, fiz pós-graduação na Noruega, em Físico-química das Altas Temperaturas, com enfoque em termodinâmica, e venho trabalhando. Eu fui, como aluno da UFMG, do curso de Engenharia Metalúrgica, junto com muitos colegas, nós fomos críticos da formação, era um curso muito informativo e com pouca ciência. Então, depois de formar, nós fomos fazer pós-graduação, muitos de nós, mas alguns professores do departamento com outra visão, nós tivemos como enfoque trazer um curso mais avançado em que tivesse mais fundamentação científica. Então, em vez de transformar um professor e aceitar o status quo, vamos fazer as mudanças. Então, de fato, nós fizemos uma revolução no ensino da Engenharia Metalúrgica, não só em graduação, como em pós-graduação, tanto assim que num determinado momento, tanto a graduação como a pós-graduação foram consideradas nível de excelência pela variação da CAPES como A, A é o nível de excelência, de um curso que não tinha essa classificação. Foi uma revolução não só de conteúdo, mas também de condições de laboratórios para pesquisa, quer dizer, o que um departamento mais capaz de realizar.
HL: E essa adaptação ao mercado também, não é, professor? Não ficar só na academia…
JM: É, para ter a mínima condição de ensino e pesquisa. Bom, o outro ponto que nós tínhamos em mente era não ficar restrito ao trabalho acadêmico, nós optamos por uma forte interação com a Indústria. Muitas vezes, falar de interação com a Indústria, era fazer visitas de estudantes à indústria, pedir algumas amostras para analisar no laboratório, coisas assim, mas o nosso propósito não foi esse, nós ministramos cursos, fizemos pesquisas e tivemos a iniciativa de oferecer a pós-graduação para um empresário, no caso, na época, o Doutor Amaro da Argote Bocin, ex-Acesita, e dissemos para ele que a Acesita estava recebendo tecnologia avançada e precisava de técnicos capazes de absorver a tecnologia, de dialogar com os fornecedores, e ele aceitou a ideia. Então, foi um programa, também, que os cursos, os créditos eram obtidos na Universidade e as teses feitas nas usinas, principalmente, porque nesta época não tínhamos laboratórios, nós fomos arrojados de fazer pós-graduação sem ter laboratório de pesquisa, porque a pesquisa ia ser em escala industrial. Então, as primeiras teses foram produzidas dentro das usinas.
HL: No chão de fábrica mesmo, nas empresas.
JM: E esse programa de mestrado, e depois até doutorado, se alastrou para o Brasil afora, Usiminas, Usimec, CSN, Cosipa, Eletro-Metal que existia na época, Belgo Mineira, então foi um programa extremamente bem-sucedido. A UFMG já deve ter produzido, já estou fora há um tempo, já deve ter produzido 1.500 teses de mestrado-doutorado. Eu chego a dizer que metade dessas teses foi feita dentro das usinas. Um trabalho inédito, arrojado, porque você sai do comodismo de trabalhar entre muros e tem que demonstrar sua capacidade trabalhando, inclusive, em escala industrial.
HL: E levar esse conhecimento do academicismo para o mercado de trabalho mesmo.
JM: Essa é uma primeira parte da minha atuação.
HL: Visionário desde o início, não é, professor?
JM: Eu fiz a pós-graduação, mas atuei como professor, orientei algumas teses, mas descobri com o andamento das coisas que eu tinha uma propensão para administração. Tanto assim que eu fui coordenador da pós-graduação, depois fui chefe do departamento... foram sete vezes. (risos) Fui diretor da Escola de Engenharia, fui coordenador dos projetos da qualidade da Fundação Christiano Ottoni, depois sou diretor até a minha saída da universidade, então, vamos dizer assim, liderei esses projetos na indústria. Acontece que a gente descobriu com a tentativa de implementar os resultados de pesquisa das teses, descobriu que não tinha muita condição de fazer isso por falta de controle de processos. A gente, para implantar algum resultado, tem que controlar as variáveis, tem que medir para saber se deu resultado, você faz alguma coisa e quer saber, então precisa ter análise química, controle de temperatura, pressão, tudo isso. Então, descobrimos, foi uma evidência de que a indústria, na época, ainda tinha controles bastante rudimentares. Muito bem, observando engenheiros japoneses trabalhando lá na Acesita, que estava cedendo tecnologia para a empresa, observamos que eles tinham uma maneira bastante peculiar de trabalhar, medindo, controlando, fazendo gráficos, e isso chamou a nossa atenção. Dois professores, então, nós estamos falando agora de 1984, foram ao Japão, aos Estados Unidos, para dar uma observada nessas peculiaridades.
HL: Aí vocês foram juntos?
JM: Não, aí ainda eu não fui. Então, o professor Vargas, na época da Secretaria de Tecnologia Industrial, lançou um programa de desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, e dentro desse planejamento, tinha um capítulo dedicado à gestão. Então, nós concorremos, fizemos uma proposta numa concorrência para montar um curso sobre o assunto, um curso avançado sobre o assunto que juntasse todo o conhecimento rudimentar que existia no Brasil e o conhecimento internacional. O governo aprovou esse projeto, então com recursos nós pesquisamos o que havia de mais importante no mundo. Os Estados Unidos, claro, gerou praticamente todo o conhecimento, a Europa, Alemanha, Inglaterra, e finalmente fomos ao Japão.
HL: Isso foi em 1986.
JM: Em 86. Fomos ao Japão…
HL: E tem uma história aí bem interessante, vocês chegaram lá na mesma época que a Coreia do Sul.
JM: Exatamente. Os japoneses eram excelentes alunos, porque eles usavam os conhecimentos que vieram dos Estados Unidos, os conhecimentos, claro, de estatística, de controle de processos. Os gurus americanos, como o professor Deming, passaram um tempo lá no Japão ensinando essas técnicas. O professor Deming era uma pessoa admiradíssima lá, muito respeitável na época que ainda estava vivo, em 1986, então era uma pessoa muito reconhecida pelos japoneses. Bons alunos, eles não inventaram nada, mas inventaram a maneira mais apropriada de implementar o assunto, mais fácil, mais palatável, de uma forma muito participativa, dando a possibilidade de todos os funcionários entenderem o assunto e praticarem.
HL: E por que deu certo na indústria? Vocês conseguiram implementar esse modelo japonês na indústria, e na educação, na época a Coreia do Sul estava lá também, implementou, é o que é hoje, a gente nem precisa de apresentação, e o Brasil ficou parado na educação, professor?
JM: Pois é, isso é uma coisa que me entristece. Do Japão, nós também fomos à Coreia. Inclusive, nós tivemos a oportunidade de ir a um instituto que estava sendo inaugurado para implementar esse assunto na Coreia. Pois bem, então eu pensei fazendo lá as minhas conjecturas, comparando o Brasil com a Coreia, a Coreia com área pequena, população muito grande pela área...
HL: Economia que não é diversificada como a do Brasil.
JM: Recursos naturais escassos, então eu falei “nós estamos no mesmo estágio, o Brasil vai dar de goleada”. Então, você, hoje, sabe que isso não aconteceu. Agora, já transportando para a nossa situação, felizmente nós trouxemos esse conhecimento, montamos o curso e o Governo até nos encarregou de difundir. Escolhemos 12 instituições para receber esse conhecimento. Aí eu falo para você que a única que prosperou mesmo foi a UFMG, através da Fundação Christiano Ottoni, enquanto eu estive lá em 1998. As outras instituições receberam o conhecimento, mas não realizaram trabalhos de grande expressão, mas o Brasil, quando começamos, em 1989, a difundir para o maior número de empresas, houve um movimento avassalador. O Brasil encampou esse assunto de forma que teve uma época em a gente estava trabalhando, eu fiz um cálculo lá, com 50% do PIB brasileiro, as grandes empresas, foi contabilizado. Atualmente aqui, lá por 92, 93... treinamos 650 executivos, foi um movimento avassalador. Não adianta falar em número, mas a gente pode dizer que várias dessas organizações hoje são multinacionais.
HL: Estão com operações fora do Brasil, como Gerdau, Ambev... Aplicaram e foram em frente.
JM: Desenvolveram e foram em frente. Muito bem, nós tentamos ainda, nessa época, aplicar na escola. Na década de 1990, tentamos aplicar nas escolas, escolas de ensino básico ou no ensino elementar, na educação básica, mas não fomos bem sucedidos. Depois a gente descobriu que a linguagem era muito linguagem da indústria.
HL: Não tinha aderência, não chegava do jeito que deveria chegar.
JM: Bom, aí aconteceu que nós terminamos a nossa missão, o Falconi aposentou em 1991 e eu aposentei em 1998, mas ainda nesse período que lá estava mantivemos o projeto até 1998. Quando eu saí, nós fundamos a FDG, a fundação que funcionou de 1998 a 2003, como fundação, e continuamos o mesmo trabalho atendendo o mesmo número de empresas. Sucedeu que houve a mudança do Código Civil e transformou-se as fundações em assistenciais. Então, eu falei, “bom, e agora, como fazer?” Para trabalhar para as empresas, faturar como se fosse uma organização que pudesse captar recursos, essa coisa toda. Eu sou legalista, talvez seja o único que tenha mudado, porque eu vejo que várias fundações continuaram do mesmo jeito, não obedeceram a legislação e continuaram, mas nós, então, eu falei “vamos mudar”, aí fundamos o INDG, com o cacoete de administrador. Então, fui o presidente da FDG, depois fundamos o INDG, que só muda aí a letra, um é fundação e outro instituto, Instituto de Desenvolvimento Gerencial, fui presidente até a saída, em 2010, quando saí da organização.
HL: Professor, como foi esse trabalho na educação? Porque a Fundação da Gide, a FDG… o Rodrigo Godoy, seu filho, que é o presidente hoje da Fundação da Gide, estava me contando a experiência que foi em regiões, por exemplo, no Nordeste, no Ceará, que a fundação, com um método todo baseado na educação básica, conseguiu colocar o Ceará como o melhor índice do IDEB, nem existe IDEB ainda, como o melhor índice do Nordeste, virou até Marco Legal no Estado e eles levaram adiante isso. O que consiste esse método?
JM: Tem uma história. Como eu já disse, a linguagem mais adaptável à indústria não pegou, mas nós tínhamos certeza de que o método de gestão era aplicável em qualquer atividade, não tem como. Então, já na FDG, nós adotamos uma escola, a Escola Estadual Maestro Villa Lobos, que fica ali ao lado daquele grande prédio da Cemig, que tinha resultados muito indesejáveis, então vamos adotar essa escola. Então, Maria Helena Godoy quis fazer essa experiência de fazer a adaptação à linguagem escolar. Ela ficou três anos nessa escola. Só para você ter uma ideia, no ano que começou, essa escola aprovou três alunos em vestibular. Três anos depois, ela aprovou cento e tantos, mais cento e tantos, cento trinta e sete, me parece, ou cento cinquenta e sete, já não estou me lembrando, num vestibular que na época era muito difícil, eram poucas universidades.
HL: Todo mundo tinha que fazer cursinho, não é? Quem tinha condição de ganhar, que entrava.
JM: Então, o que se falava na escola pública era assim “os alunos aqui não tem interesse em universidade, não estão muito interessados, estão interessados em ter o diploma e sair”, aí nós provamos o contrário, porque os alunos da escola pública também tinham interesse em entrar na universidade. Então, fizemos a preparação, aplicamos bem o método, e o certo é que lá pelo terceiro ano cento e tantos alunos foram aprovados na universidade. Em seguida, nós adotamos a Escola Leopoldo Miranda, que também teve resultados excepcionais. Então, com essa experiência apareceu a GIDE, Gestão Integrada da Educação. Teve um empresário que quis investir em educação, e era amigo lá do Governador do Ceará, ofereceu a nossa participação lá no Ceará, e lá nós ficamos 5 anos. Como resultado, foi transformado em lei e até hoje, nós deixamos lá, quando mudou o governador, em 2006, deixamos esse método fazendo parte do dia a dia das escolas, tanto assim que o Ceará ainda tem hoje a melhor classificação no Nordeste. Diríamos que, se tivesse continuado trabalhando dessa mesma forma, talvez os resultados do Ceará pudessem ombrear até com esses resultados internacionais do PISA. O interessante, aqui eu quero fazer um parêntese, quais são as razões da Coreia do Sul de ter esse avanço? Um dos itens responsáveis por esse avanço é a educação. Lá. Houve um pacto entre família, Governo e empresas e todo mundo resolveu investir pesado.
HL: Houve a participação de todos os agentes.
JM: Então, muita gente vai daqui, visita a Coreia, diz que sabe o que é, mas não tem jeito de implementar.
HL: Faltou isso no Brasil? Um pacto federativo.
JM: Eu vou te provar que são situações bem diferentes no Brasil. Bom, nós trabalhamos no Ceará financiados por um empresário. Depois, nós fomos para Sergipe, financiados por outro empresário. Nós fomos para Pernambuco, financiados por outro empresário. Na Bahia, pelo mesmo empresário de Pernambuco. Alagoas também. Então, existe um esforço, naquele momento, de empresários para melhorar a educação.
HL: Da iniciativa privada.
JM: Ofereciam e a gente trabalhava. O Rio Janeiro tinha uma situação, assim, deplorável, era o 26º do IDEB. O Governador foi reeleito, mas notou-se que na campanha de reeleição ele levou muito questionamento na área educacional. Então, um empresário, acho que botou ele contra a parede e falou “você não pode fazer isso”, então é o único Estado que pagou pelo trabalho, mas veja que foi pressionado por um empresário amigo do Governador. Então, só para você ter ideia, o nosso trabalho lá foi em 2011. No primeiro IDEB de 2013, o Rio saltou para o 15º lugar, e no IDEB de 2015, já estava em quarto lugar. Aí o governo se desfez, eu disse lá para o governador, na época em nós aprovamos o projeto, “se o senhor perseverar, o senhor vai ser o primeiro lugar, disparado”, mas, infelizmente, a gente conhece a história do Rio, e se desfez.
HL: Foi um voo de galinha, digamos assim.
JM: Pois é, mas veja só, tem mérito.
HL: Mesmo assim tem, mesmo que tenha sido durante um curto período.
JM: Algum Governo pagou por esse trabalho? Não. Minas Gerais, essa fundação é de 1997,
HL: Nasceu em Minas Gerais.
JM: E trabalhou. Aí eu pergunto: “trabalhamos em Minas Gerais nos governos anteriores?” Não.
HL: E a escola pública, 80% dos alunos estão nas escolas públicas, precisam ter uma educação.
JM: Mas é, casa de ferreiro o quê?
HL: Casa de ferreiro, espeto de pau, que é o ditado que a gente ouve.
JM: Acontece que no novo governo, o Governo Zema, nós tivemos… nos anos anteriores, que nós oferecemos para os governos anteriores, secretárias, ex-reitoras não aceitaram o trabalho. Então, nesse novo governo, veio para cá a secretária Júlia Santana. Bom, eu falei “é uma oportunidade aqui em Minas”, porque a Júlia Santana participou do nosso projeto no Rio, conhecia a gente, conhecia o potencial do método.
HL: Sim, dispensava apresentações, né?
JM: E ela aceitou, mas como o Governo não tinha recursos, nós financiamos o trabalho.
HL: São 25% das escolas que tem, em Minas Gerais.
JM: Nós começamos com 200 e poucas escolas, mas depois que começou o trabalho, outras escolas começaram a exigir, tanto assim que nós fomos, então, solicitados a trabalhar com esses 25% de escolas do Ensino Básico, do Ensino Fundamental.
HL: Professor, o que acontece? O custo é alto? É mais ou menos R$ 2 mil o custo por escola, para implantar esse método da Fundação Gide.
JM: Você vê que o interesse brasileiro pela educação é deplorável, porque eu contatei 50 indústrias, 50 organizações para ajudar Minas Gerais a melhorar a educação, porque o Estado não...
HL: É 14º lugar no IDEB e onde vocês têm o trabalho é 7º lugar, numa avaliação que vocês fazem da FDG.
JM: Pois é, mas a situação é que o Estado estando sem condições, nós saímos a campo financiando e fomos buscar patrocínios com empresários. Você vê que 50, 6 toparam. O que você acha dessa porcentagem do interesse do empresariado? Porque o empresário devia ter interesse.
HL: Ele vai precisar de uma mão de obra boa, capacitada.
JM: Hoje ele recebe, a estatística é de que 60% que saem do ensino são analfabetos funcionais. Se ele ajudar a melhorar a educação, ele não está queimando a etapa ao receber esse pessoal para trabalhar?
HL: É. E vai ter uma produtividade melhor, porque a nossa produtividade é muito baixa, a gente trabalha muito, são muitas horas trabalhadas, mas a produtividade é baixa, que é uma reclamação constante dos setores da economia brasileira, mas sem educação não vai.
JM: Agora, nós estamos nessa cruzada, vamos chamar assim, é por propósito, é por religião, é por missão continuar batalhando.
HL: Tem que ter essa persistência, não é?
JM: Você vê, de 1998, quando nós fizemos a adaptação, depois saímos, em todos os locais que nós passamos apareceram os resultados, bons resultados.
HL: São 12 estados brasileiros, mais de 10 milhões de alunos impactados.
JM: Agora, tem uma particularidade brasileiro, o Estado melhora, acontecem dois fenômenos: muda o Governo, muda a orientação, regride. Outro fenômeno que eu não esperava, é que quando melhora, o Governador fica satisfeito “então já está bom”. Teve um Governo aí que melhorou, serviu até para campanha de reeleição, foi reeleito. “Não, pode deixar que nós continuamos aqui”. É lamentável que o poder público não tenha sensibilidade, uma atitude política de reconhecer que a educação é o motor, é capaz de desenvolver e não dão essa...
HL: É, porque no agronegócio a gente já tem, já estamos avançados…
JM: E foi ciência, a gente já sabe quem foi responsável por isso. Seria o mesmo.
HL: A Embrapa, né, que Alysson Paolinelli fundou, criou, bancou isso, a pesquisa.
JM: Pode ser feito a mesma coisa, mas acontece o seguinte, pessoal não tem a percepção do que uma boa gestão pode fazer, muitas vezes, também, não sabem nem o que é gestão. Gestão é fazer as continhas lá, anotar as notas lá na secretaria, controlar a frequência de alunos e tal, para muita gente isso é gestão.
HL: É cortar recursos, né?
JM: Pois é. Gestão é bater metas, é resolver problemas. Você pode definir gestão como resolver problemas. O que é problema? O que você chama de problema? Portão ali quebrou, é um problema? Isso não é problema. “A escola não tem quadra coberta, é um problema aqui para nós”. Não é problema. Os problemas são os maus resultados. Qual é um mau resultado? Aprovação com resultado ali no limite.
HL: O Rodrigo me passou um dado, são perdas de 30 bilhões de reais por ano com a ineficiência do aluno, reprovação, o que o Governo tem que gastar depois.
JM: Esse ainda é trágico, mas mesmo os que são aprovados, o rendimento é baixo, é ali na tabela. Tem a reprovação, que gera custos, porque tem que repetir, tem a evasão, e esses são os problemas. Você tem que chegar numa escola e perguntar assim: “Senhora diretora, quais os problemas que só tem aqui na escola?”. Ela vai falar que está faltando gente, são as carteiras quebradas…
HL: É o computador, é o tablet, não é? Mas vai ter tablet para quê? Para joguinho? Se ele não souber mexer com tablet, o que o aluno vai fazer com o tablet?
JM: Aí eu pergunto: “Senhora, qual o nível de abstenção de professores, e de alunos? Qual a taxa de aprovação? Ah, é muito, é alta.
HL: Qual é a pós-graduação? Os professores têm uma pós-graduação? Eles têm capacitação? Aliás, vocês estão fazendo isso, né? O trabalho de ter um curso de pós-graduação na fundação da GIDe, na FDG.
JM: Então, essa abordagem, esse conhecimento. Agora, os dirigentes gostam muito, têm preferência, e eu acho importante, por melhorar o ambiente, consertar a escola e tal.
HL: É o que dá voto, né? Deixar a bonita a escola. (risos)
JM: (risos) Eu não vou me...
HL: Não, claro, não vamos entrar nessa seara, não é, professor?
JM: Mas isso aí é visível. Nós tivemos um caso aqui que foi interessante, uma empresa ofereceu para um município ali o programa, aí o secretário disse “não, já estou aqui construindo uma escola, melhorando o telhado de outra, estou cheio de obras aqui, então não posso ter mais esse gasto”. Com o financiamento da empresa, ele não aceitou.
HL: Professor, quero falar sobre essa liga da Gide, que vai acontecer aqui em Belo Horizonte, em outubro, vai reunir mais de 4 mil educadores, é um grande mutirão para transformar a educação, a gente vai ter aqui esse evento que vai ser até no Expominas.
JM: É mais um esforço para difundir, mostrar resultados, ver se sensibiliza os dirigentes de aplicar de forma conveniente os recursos. Eu vejo que a questão, muitas vezes, não é a exiguidade de recursos. Não vou citar o nome, mas tem parentes meus aí lidando em municípios, e o dinheiro não falta, mas a aplicação...
HL: É, o recurso para a Educação é suficiente.
JM: Mas a aplicação…
HL: O gerenciamento dele, o que é realmente necessário, não só aplicar em universidade, mas na Educação Básica, que vai ser a base de todo mundo, não existe da maneira que deveria ser.
JM: Toda despesinha que acontece de transporte joga lá na educação, depois o dinheiro acaba e não cumpre a finalidade. Recursos são importantes, mas devem ser mais bem aplicados, não adianta ser mais e continuar com a aplicação inadequada, não falta tanto, a aplicação é que tem que ser correta. Então, esse mutirão, os Associados à Liga da GIDe, aí tem milhares de pessoas se candidatando. Nós fizemos um evento dos 25 anos da Fundação, foi um evento grande, agora a proporção desse aí é dez vezes mais, chamando pessoas importantes...
HL: Será nos dias 5, 6 e 7 de outubro, no Expominas, em Belo Horizonte, e tem muita discussão, estou vendo aqui que tem uma agenda incrível.
JM: São pessoas importantes para discutir o assunto para ver se sensibiliza. Eu, de fato, não sei se deu para perceber, que tudo o que foi feito foi esforço nosso e de empresários para chegar aonde chegou.
HL: Agora, precisa ter uma capilaridade bem maior para o Brasil avançar em todas essas questões de produtividade, de industrialização, de valor agregado para o salário, os salários são maiores, mas se a pessoa tiver mais capacitação, e o professor também. E eu estou vendo, também, que teve um convênio que vocês fizeram com a Fecomércio-MG, com o Nadim Donato, presidente, de ter esse método da GIDe também na Fecomércio, nas escolas do Sesc, do Senac. É a formação da mão de obra?
JM: O método gerencial é aplicável em qualquer setor. Qual é o problema que você tem aqui em determinado setor? É um mau resultado, então vamos aplicar o método. Aplicar o método é você detectar o mau resultado, quantificar… vamos supor, o mau resultado é 10%, está qualificado em 10%, vamos reduzir, na primeira etapa, para 5? Coloca essa meta. Vamos ver as causas, uma pesquisa das causas…
HL: O que vocês encontram de problemas quando vão aplicar o método da Gide?
JM: Já está até catalogado, 90% das causas já são conhecidas. Varia de uma escola para outra, mas 90% são iguais.
HL: Mas o quê? Quais são os problemas comuns que permeiam a Educação Básica no Brasil?
JM: Na Educação Básica, o que a gente detecta é a ausência de alunos, a ausência de professores, a ausência da família, não cumprimento do currículo entre outras coisas. Então, o nosso método trata tudo isso, trata das causas, a gente pesquisa as causas. Agora, o importante, no método de gestão, que se o dirigente tivesse uma luzinha, é que saber o seguinte, tem um princípio, que você já deve conhecer, o princípio de Pareto, que diz o seguinte: “são poucos importantes e muitos triviais”. Se você chegar na escola, medir o resultado, colocar na meta e pesquisar as causas, você pode encontrar lá, vamos dizer, 60 causas, mas você pode ter certeza que 3 ou 4 são importantes, se você atacar 3 ou 4, muitas daquelas pequenas são resolvidas. Então, aplicar o método, conhecer o método, é fácil, mas exige persistência, fazer a coisa com método. Não adianta, por exemplo, eu chegar lá e colocar a meta, descobrir as causas, fazer um plano e depois não administrar, aí é que entra o administrador. Aqui no Brasil faz o plano e tal, começa, aí depois só esquece. É como se fizesse assim, “missão cumprida”, mas no caso aí não é, você tem que ficar em cima, cobrar, cobrar, cobrar, cobrar. E depois no segundo giro, você já bota uma meta mais apertada, faz o segundo giro e assim por diante. Quer dizer, a nossa luta é por reconhecer que a Educação Básica no país é fundamental para o desenvolvimento, mas não vai ter desenvolvimento nessa situação.
HL: É, do jeito que está, não vai, a gente está jogando dinheiro no ralo.
JM: A gente está esses anos todos fazendo a experiência, vendo que dá resultados, embora em muitos lugares não persista, por aquilo que eu já te falei, mudança política, contentamento com resultados ainda iniciais, já ficam satisfeito com uma melhoriazinha, quer dizer, é impossível, a menos que a política seja manter uma grande massa na ignorância, porque facilita umas coisas. Mas hoje eu estou vendo aí que apesar de algumas dificuldades políticas, existe uma procura por pessoas para trabalhar.
HL: Tem uma falta de mão de obra terrível, mão de obra capacitada.
JM: Estava vendo que num supermercado “precisamos de 100 pessoas”.
HL: Estão fazendo um mutirão de empregabilidade e não encontram.
JM: Mas para trabalho simples, de conhecer números, fazer continhas.
HL: 1 salário-mínimo e meio, coisas que a pessoa vai, fica um tempo e aí o turnover é imenso.
JM: Pois é, você está dizendo que mesmo encontrando a pessoa, você tem que reter a pessoa.
HL: É uma dificuldade enorme de conseguir isso. Tem um assunto que eu ainda quero falar com você, professor, que a gente já vai caminhando para o final, a conversa é densa, tem vários desafios que só uma conversa dessa não dá, depois volto para falar mais, mas eu queria falar sobre um desafio novo que você tem agora de ter assumido também a Academia Nacional de Engenharia. O que é isso para você, dar essa continuidade do trabalho, mas numa entidade que é também referência?
JM: Pois é, eu fui eleito, a metodologia lá é você ter dois acadêmicos que te apresentam, pega os seus dados, o seu currículo, o que você já fez na vida e apresenta. Então, eu fui aprovado em fevereiro do ano passado, mas como eu estive praticamente ausente do cenário em 2024.
HL: Quer dizer, agora você já está retomando tudo, são as coisas que acontecem na vida da gente. A saúde está boa agora, está tudo bem.
JM: A academia cuida das Ciências de Engenharia, então tem vários comitês de ensino, infraestrutura, a parte de energia elétrica, cobre todos os setores mais importantes da engenharia. Tem vários comitês e eu sou, na época em houve a posse, eu falei “não posso mais retardar mais a posse”, e o Rodrigo tomou posse por mim e eu estou participando online, porque eles fazem as reuniões online, e eu devo participar mais daqui a pouco da comissão de ensino.
HL: Você tem algum projeto, algum plano que você queira instituir?
JM: Eu acho que a minha experiência no ensino, que nós conseguimos, principalmente no Ensino Superior, é válida. Claro que fazendo atualizações, mas o projeto que fizemos na universidade é um projeto…
HL: Ele é histórico, não é? Ele é referência até hoje.
JM: Ele não está existindo hoje, foi um movimento, não está tão intenso, mas eu penso que quando está na universidade, tem debates. Tem muita gente que diz que a Universidade, tem que cuidar da academia, pesquisa básica, tem a básica aplicada, então eu sempre fui apartidário de ter algum conhecimento, algum estudo, transferir logo e ter um contato intenso com a Indústria. Então, vamos dizer, na análise do meu currículo lá pela comissão, acho que esta experiência ficou evidenciada, e trabalhando nesse comitê de ensino, vamos ver se essa experiência tem algum mérito de ser transmitida, de ser sugerida para continuidade. Foi um projeto assim que, mesmo no exterior, na universidade em que eu estive, tinha uma interação muito grande com a indústria. Tem laboratórios, interage muito, mas não tem um programa como esse.
HL: Tem muita coisa ainda para fazer, não é?
JM: Isso porque, vamos dizer, a universidade forma muita gente competente, então não é preciso que a indústria faça um investimento. No caso nosso, na época, precisava de gente, como a indústria estava em expansão e com tecnologias, precisava de gente competente para interagir com esses fornecedores. Bom, a situação hoje é bem diferente, mas eu vou participar dessa comissão de ensino e, no que puder contribuir.
HL: Valiosa a contribuição.
JM: Outra coisa que eu enfatizei muito nessa apresentação das pessoas que me apresentaram, foi essa luta insana pela melhoria da Educação Básica no país. Então, você pensa bem, em um período da vida, eu trabalhei intensamente para melhorar o ensino superior, melhorar a graduação, mestrado, doutorado, conteúdo, laboratórios, a ponto de ter qualificação máxima no país. Depois de um tempo eu falei: “gente, vamos trabalhar lá na ponta, né? Vamos trabalhar na base?” Então, é claro que esse assunto de gestão, em 1998 nós começamos essa vertente da educação, aplicação da educação, embora continuássemos pelo instituto a trabalhar com as indústrias todas. Agora, a Fundação, a partir de 2001, ficou vocacionada só para a educação, Educação básica. Então, é isso que a gente está tentando, esse encontro de outubro vai ser mais uma tentativa de mobilizar dirigentes para o benefício de ter uma educação de melhor nível.
HL: Esse despertar mesmo, que ainda falta para muitos, muitos setores aqui da nossa economia do Brasil. Professor, quero te agradecer demais a entrevista, foi ótimo, é sempre uma delícia te ouvir, seus ensinamentos todos, ver que você está ainda com vários sonhos para o nosso país e que eu tenho certeza de que a gente vai chegar lá.
JM: Pois é, eu agradeço essa oportunidade de expor essas ideias. Você faz uma depuração das inconsistências aí, está bom? (risos)
HL: (risos) O Rodrigo (Godoy presidente da Fundação da Gide) está aqui assistindo, está acompanhando aqui a gente, não é, Rodrigo? Está bom, está lá, está fazendo ‘tinindo’ aí para você, viu?
JM: O meu árbitro aqui é o Rodrigo.
HL: Muito obrigada mais uma vez, que Deus ilumine muito seus caminhos, vem mais desafios aí pela frente, que você continue sendo essa referência para a aqui no Brasil.
JM: Você falou que Deus ilumina. Sempre iluminou, sempre fui carregado. Eu já recebi críticas de envolver administração com religião. Teve gente que falou assim “ah, ele diz que conversa com o Espírito Santo”. Eu te pergunto, quem não conversa com o Espírito Santo? É ignorante. Já deve ter acontecido alguma situação com você também, que chega no fim do dia, você está com uma situação difícil e tal, aí você dorme. No dia seguinte você está leve. O Espírito Santo já comunicou, você já está com a situação.
HL: É só pedir ao Espírito Santo que ele ilumina a gente.
JM: Eu já fui acusado de introduzir religião na administração, o cara falou “ele é tão pretensioso que ele conversa com o Espírito Santo”. Nós todos conversamos com o Espírito Santo, ele está aqui conosco, está aqui dentro, sempre com a gente, é só consultar.
HL: É só ouvir seu coração que tudo dá certo. Bom, que venham aí vários outros projetos, vários outros desafios. É muito bom fazer esse evento aqui em Belo Horizonte, porque a gente precisa mesmo dessa guinada na educação para a continuar a melhorar esse país, esse país tem jeito.
JM: Se Deus quiser. Agora, eu sempre falava lá nas palestras, nos encontros com empresários, eu falava assim “sem gestão não dá”. Gestão no sentido de resolver problemas, não gestão para fazer continhas, estoque de material, passar as notas, computar assim “a professora Mariazinha hoje não veio. Ah, então qual vai dar aula?”. Resolvi um problema, segundo a diretora, resolvi esse problema. Cuidando do dia a dia ali bem e se acha...
HL: A gestão é bem mais uma situação macro, né?
JM: E na visão dela, ela está fazendo um ótimo trabalho. Está fazendo um trabalho excelente.
HL: Mas precisa muito mais, não é?
JM: Substitui quem está faltando, cuida da disciplina, chama o pai de aluno, não sei o quê, isso tem que existir, mas muito acima disso é preciso avançar.