Em 1991, o bombeiro civil Saulo Lotti Vieira Pimentel caminhava pelas ruas de Vila Velha, no Espírito Santo, com o pai, que trabalhava como recenseador para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ele lembra que se sentava na casa de entrevistados, tomava café e sempre acompanhava o vai e vem dos papéis carbono que o homem carregava, que funcionavam como suporte para as questões apuradas pelo Censo do ano. Em 2022, agora com 36 anos, vivendo em Belo Horizonte, Saulo assumirá a função que fora do pai.

O profissional faz coro aos 18,9 mil recenseadores que participarão da pesquisa do IBGE em Minas Gerais a partir de 1º de agosto. No Brasil, serão 183 mil. O Censo vai detalhar quem é a população brasileira, dois anos após a previsão inicial e uma batalha pelo orçamento necessário para ocorrer.

“A região que ele fazia era próxima da casa onde a gente morava. Conhecíamos muita gente. Entrávamos na casa, às vezes tomávamos café, sempre tínhamos chocolate, era bem receptivo. Entrávamos nas residências, conversávamos com os moradores. Não tinha problemas de insegurança tão fortes como hoje, nem sempre ficavam em dúvida [sobre quem era o recenseador]”, conta.

Se as memórias do pai transitando marcaram o início da década de 1991, a expectativa atual é conviver com certa desconfiança do público, mas buscar na tecnologia e a importância do trabalho os próximos passos. “Estou esperançoso de fazer o meu papel”, relata.

“Conhecer um pedacinho do Brasil”

A jornalista Vanessa Gonçalves, que participou do Censo de 2000, conta que o trabalho como recenseadora foi essencial para ter uma renda durante a faculdade, no campus de Bauru da Universidade de São Paulo (Unesp). Dentre as várias experiências, ela lembra que chegou a precisar “correr de vaca” quando cobria o perímetro rural da cidade.

“Eu fui destacada para entrevistar perímetro urbano e uma pequena parte rural. Tive de correr de uma vaca para não levar uma trombada, fui bem recebida pela maioria das pessoas, que não só ofereciam um copo de água, como já nos esperavam com bolo ou algum lanche. Mas também teve quem não abrisse a porta, como medo de que fosse um golpe”, narra. 

“A experiência durante o trabalho como recenseadora me deu a oportunidade de conhecer um pedacinho do Brasil de uma forma muito particular: entendendo como as pessoas se definem. Nem todos sabem, mas no Censo, por exemplo, não é o entrevistador quem marca a raça de uma pessoa. Ela se auto-declara. Numa das oportunidades, entrevistei uma família de pessoas pretas que se declarava branca. Até então, eu não tinha a dimensão da questão racial no cotidiano das pessoas”, completa.

Trabalho é essencial

“O trabalho do recenseador é fundamental. É ele que vai bater na porta das pessoas. Para isso, recebem um treinamento muito aprimorado, que passa pela ética de como entrevistar a população, até os aspectos técnicos da pesquisa e conhecimento dos critérios. Exige muita responsabilidade, e os profissionais estão sendo preparados para isso”, explica a coordenadora de Divulgação do Censo, Luciene Longo.

As principais dificuldades para os trabalhadores são fruto do que é o país. Em comunidades rurais, pode ser a extensão do território. Em comunidades que convivem com o crime organizado, a restrição de entrada – que costuma ser contornada, inclusive, com apoio de lideranças locais ou agentes de saúde. Do outro lado, em condomínios habitados por pessoas muito ricas, os recenseadores podem ser barrados antes de chegarem à portaria. Em certos espaços, só é possível chegar de barco ou de avião. Tudo é possível com “desafios de um país continental”, completa Luciene.

O trabalho dos recenseadores é acompanhado por supervisores e tecnologia. Há vários mecanismos de validação das pesquisas. Dentre eles, supervisores fazem a conferêndia das informações in loco. Neste ano, haverá coleta de dados de georeferenciamento a partir dos aparelhos usados pelos profissionais, que serão usados para conduzir o processo. Os dados coletados também devem ser computados com maior velocidade. Os avanços também permitem que as entrevistas, em alguns casos, sejam feitas de forma digital, desde que haja contato inicial com os profissionais do IBGE.

“Não é que ele tem que entrar na casa da pessoa, pode ser recebido no portão, na porta, eventualmente pode marcar em outro lugar, como o trabalho, pode responder por telefone, marcar um horário, pode haver resposta pela internet a partir de agendamento prévio”, pontua a coordenadora.

Censo 2022 contribuirá, dentre outras coisas, para:

  • acompanhar o crescimento, a distribuição geográfica e a evolução das características da população ao longo do tempo;
  • identificar áreas de investimentos prioritários em saúde, educação, habitação, transportes, energia e programas de assistência a crianças, jovens e idosos;
  • selecionar locais que necessitam de programas de estímulo ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social;
  • fornecer referências para as projeções populacionais com base nas quais é definida a representação política no País, indicando o número de deputados federais, deputados estaduais e vereadores de cada estado e município; e
  • fornecer subsídios ao Tribunal de Contas da União para o estabelecimento das cotas do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios.

As informações não são restritas a decisões governamentais. Os cenários listados pelo IBGE são:

  • seleção de locais para a instalação de fábricas, supermercados, shopping centers, escolas, creches, cinemas, restaurantes, lojas;
  • análise do perfil da mão-de-obra brasileira, instrumento fundamental para sindicatos, associações profissionais e entidades de classe;
  • na análise acadêmica do perfil sociodemográfico e econômico da população e sua evolução entre 2010 e 2022; e
  • reivindicação dos cidadãos por maior atenção do governo municipal ou estadual para problemas específicos, expansão da rede de água e esgoto, expansão da rede telefônica, acesso à internet etc.

Como reconhecer um recenseador

A primeira característica são as roupas e o equipamento usado pelos recenseadores: colete e boné azul-marinho que têm a sigla do IBGE e “Censo 2020”. O ano grafado corresponde à previsão inicial para que a pesquisa fosse realizada. Haverá ainda um crachá com identificação do profissional, com nome completo, número da matrícula no instituto, número da carteira de identidade ou CPF e um QR code.

Para garantir que o recenseador é credenciado, basta escanear com o celular o código ou buscar os dados dele neste link, do portal do IBGE. Informações também podem ser conferidas pelo telefone 0800-721-8181.