Produtores rurais de municípios afetados pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, região Central de Minas Gerais, denunciam que os animais da fazenda onde eles vivem estão adoecendo e até morrendo por falta de alimentação, que deixou de ser fornecida com regularidade pela Fundação Renova.
O acordo para que o alimento fosse entregue havia sido acertado no dia 24 de setembro, após uma reunião re conciliação. De acordo com a Fundação Cáritas, que presta assessoria técnica para os atingidos pela tragédia, a Renova (representante da mineradora Samarco e suas controladoras, Vale e BHP) se comprometeu diante da Justiça a arcar com o dinheiro ou com a comida até que as famílias atingidas retornem a normalidade. No entanto, o fornecimento do alimento foi cortado para algumas pessoas, enquanto outras passaram a receber a comida em quantidade insuficiente e qualidade inadequada.
O produtor rural Marino D’Angelo, 52, da cidade de Paracatu de Cima, conta que a situação chegou ao extremo na fazenda onde vive. “Para os meu animais, nunca deram alimentação de qualidade e nem em quantidade suficiente. Em menos de 50 dias, perdi sete animais por falta de condições de alimentação que a Renova tem se negado a oferecer”, desabafa.
Segundo ele, a Renova tem entregue, por mês, cerca de 1.600 kg de feno, o que daria para alimentar os sete cavalos da fazenda por apenas cinco dias. Além da quantidade de feno fornecida ser insuficiente, o atingido não recebe alimentação em quantidade suficiente para as outras espécies de animais de sua propriedade, que possui bois, galinhas e outros bichos.
“Agiram na calada”
Conhecido como Zé Russo, o produtor rural José da Conceição de Assis, 49, recebeu em abril deste ano uma notificação extrajudicial informando que o auxílio emergencial para alimentação animal estaria cortado porque as atividades produtivas no terreno onde eles vivem foi retomado.
“Eles pararam de entregar a silagem em abril na calada”, conta.”Eles poderiam ter pelo menos avisado a gente para tomarmos uma providência. Ficamos na mão. Estamos passando aperto com a alimentação. Eles queriam tirar a silagem e nos entregar um cartão para a gente mesmo comprar, nós não aceitamos”, explica Zé Russo.
Segundo o relato do produtor rural, a atividade principal antes do rompimento da barragem, em 2015, era a produção de carvão e criação de gado leiteiro. Até hoje, passados seis anos desde a tragédia, os fornos para produção de carvão continuam desativados e o pasto não foi recuperado. “Seis anos passaram e tá tudo do mesmo jeito”, diz Zé Russo, que vive às margens do rio Gualaxo do Norte, atingido pela lama da barragem da Samarco.
Outro lado
Procurada, a Fundação Renova alegou que os critérios para o fornecimento de alimento continuam sendo seguidos, e que o controle do quantitativo de alimentação fornecida diariamente para cada animal é de responsabilidade de cada família.
Além disso, a Renova ainda disse que os animais adquiridos após o rompimento - o que não inclui animais descendentes ou que foram substituídos - não são abarcados pelo fornecimento de alimentação animal, porém podem receber assistência veterinária básica (consultas clínicas, curativos ambulatoriais, receituário e orientações para casos não emergenciais e atendimento de emergência em caso de risco de vida).
Confira a nota na integra:
A Fundação Renova informa que, desde novembro de 2015, vem sendo fornecida alimentação animal para os produtores impactados diretamente pelo rejeito decorrente do rompimento da barragem de Fundão. Até o momento, já foram entregues mais de 51 mil toneladas de alimentos.
A Fundação tem como compromisso manter esse atendimento até que a retomada das atividades produtivas seja realizada e os reassentamentos sejam entregues, conforme cláusula 125 do Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC). A Fundação esclarece que, para esse fornecimento, existem critérios para o cálculo das quantidades que levam em consideração a área de origem impactada da família, seja ela proveniente de propriedades rurais ou de propriedades urbanizadas.
Após cada família ter o seu critério definido, a quantidade de alimentação animal a ser fornecida é avaliada por profissionais especializados. O manejo dessa alimentação após o fornecimento, bem como o controle do quantitativo de alimentação fornecida diariamente para cada animal, é de responsabilidade de cada família. Além disso, os animais também são assistidos pelo Programa de Assistência aos Animais. Eles recebem atendimento de veterinários, conforme a necessidade demonstrada pelas famílias.
A Fundação ressalta que os animais adquiridos após o rompimento não são abarcados pelo fornecimento de alimentação animal, porém podem receber assistência veterinária básica (consultas clínicas, curativos ambulatoriais, receituário e orientações para casos não emergenciais e atendimento de emergência em caso de risco de vida).
A Fundação reitera que, nos termos do acordo firmado perante o juízo da 2ª Vara da Comarca de Mariana no dia 24/09/2021, no âmbito da Ação Civil Pública nº 5001730-53.2021.8.13.0400, mantém regularmente o fornecimento de alimentação para os animais dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, inclusive aqueles que são descendentes dos animais atingidos e nasceram após o evento, bem como dos substituídos a partir da data da assinatura do acordo.
A Fundação esclarece, ainda, que há famílias que têm se mostrado insatisfeitas com o fornecimento da alimentação sob o argumento de não concordarem com o critério de fornecimento. Tal fato será demonstrado ao Ministério Público para investigação e esclarecimentos. A Fundação Renova reitera que todos os produtores têm canal aberto através dos canais de atendimento com as equipes da Renova para demais esclarecimentos que se fizerem necessários em relação às quantidades de insumos que estão recebendo e aos critérios estabelecidos, sempre guardando a isonomia do processo.
Adesão ao Pasea e reassentamento
A Fundação Renova esclarece que não há processo de exclusão de famílias no universo dos reassentamentos. As famílias que são elegíveis ao Programa de Reassentamento, considerando-se os critérios estabelecidos na Ação Civil Pública proposta na Comarca de Mariana, serão atendidas nas modalidades de reparação de moradia disponíveis, até que se conclua o processo de restituição de direito à moradia.
O PASEA é um Plano de Adequação Socioeconômico e Ambiental, oferecido aos produtores rurais impactados pelo rejeito. É de acesso voluntário, não havendo pressão sobre os atingidos para o aceite ao programa. O PASEA é apresentado ao produtor e seus familiares, por meio de reuniões e visitas, nas quais são indicadas as possibilidades de melhoria e de implantação do plano na propriedade.
O reassentamento coletivo é um programa em que os atingidos que moravam nos distritos afetados pelo rompimento da barragem de Fundão são realocados para as novas áreas de moradia, que estão sendo construídas, uma vez que nas áreas de origem, dos distritos de origem, não se pode retomar as construções.
Logo, as propriedades que se localizam dentro dos distritos não podem ser inseridas no PASEA. Sendo assim, não há conflitos entre os programas PASEA e reassentamento coletivo, já que o primeiro está vinculado à realização de atividades no local de origem.
Ações
A Fundação Renova também apoia os produtores rurais que foram impactados pela passagem do rejeito por meio da implantação de um modelo de produção econômica sustentável adequado à realidade local.
Entre as ações têm destaque o fomento e o apoio à readequação ambiental dessas propriedades conforme preconizam as normativas da legislação brasileira.
Nas propriedades na região do Alto Rio Doce, localizadas em um trecho de 100 quilômetros entre a barragem de Fundão e a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, nos municípios de Mariana, Barra Longa, Ponte Nova, Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado:
Zoneamento Ambiental Produtivo (ZAP) da bacia do rio Gualaxo do Norte e da microbacia do rio do Carmo concluído.
Aproximadamente 200 propriedades foram diagnosticadas e monitoradas por meio do Indicador de Sustentabilidade em Agrossistemas (ISA) – mais de 4.000 índices avaliados.
Mais de 180 propriedades rurais estão recebendo ações para promover a retomada de suas atividades agropecuárias.
Todas essas propriedades são elegíveis ao Plano de Adequação Socioeconômica e Ambiental (PASEA), que tem como objetivo promover a adequação ambiental, melhoria de estruturas rurais, entre outras medidas.
Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER): mais de 9.000 horas realizadas até o momento.
Cerca de 160 hectares impactados pelo rompimento da barragem de Fundão são passíveis de plantio de cultura agrícola e serão recuperados.
Mais de 2.800 hectares de áreas foram planejados para plantio e recuperação de culturas agrícolas, sendo 1.965 hectares já executados, ampliando-se a cadeia de sustentabilidade econômica e ambiental da região.