FUNK

Baile pra ninguém botar defeito em BH 

Quadra do Vilarinho atrai multidões aos domingos e ainda paga a volta de metrô de quem curtiu a festa

Ter, 26/01/16 - 18h25
DJ Henrique Quebra Tudo ‘mandou ver’ no baile de domingo, quando a equipe do Super Notícia esteve presente | Foto: MOISES SILVA

Usada para a prática de esportes durante a semana, a Quadra do Vilarinho, em Venda Nova, na capital, se transforma no baile funk mais famoso da cidade aos domingos. O local recebe, das 17h às 22h, jovens de comunidades e aglomerados da região e também da Grande Belo Horizonte em busca de diversão. Ali, o termo “favelado” não é pejorativo, é afirmativo. É onde essa moçada se sente em casa, faz amigos, paquera, escuta o funk do momento e pode dançar até o chão sem nenhum tipo de julgamento.

Eles têm em média entre 14 e 22 anos, usam roupas descoladas – bonés para os meninos, shorts e saias curtas para as meninas, e muitos acessórios para todos. A equipe do Super Notícia esteve no baile do último domingo e pôde constatar como tudo funciona. O acesso ao evento passa por uma revista rigorosa na entrada, e todos os frequentadores são submetidos a ela. 

Segundo o dono do local, Francisco Filizzola, o baile é 100% legalizado e ainda tem funcionários de plantão o tempo todo nos dois banheiros (um masculino e outro feminino) para mantê-los limpos e organizados.

Para controlar a venda de bebidas, os frequentadores recebem na porta uma pulseirinha que identifica a idade de cada um. O público em um “dia fraco”, segundo Filizzola, é de 1.500 pessoas. Mas quando há algum evento especial, como o show de um MC de renome, a casa chega facilmente a 4.000 espectadores.

História

Filizzola contou que mantém o baile há 34 anos. “Existe muito preconceito com esse público, que se autodenomina ‘favelado’, e com o próprio funk, que sempre foi hostilizado. Mas eu estava reparando, quando fui em um aniversário da minha filha em um salão chique na zona Sul, as pessoas só começaram a se animar realmente quando o DJ começou a tocar funk”, disse.

Foi também por causa da discriminação que ele determinou que as passagens de volta da festa fossem pagas pela Quadra. “Os ônibus não paravam aqui, e o pessoal, revoltado, começou a quebrar os ônibus, Aí virou um círculo vicioso. Por isso que, depois do baile, que termina às 22h, um funcionário fica na roleta do metrô, que é meio de transporte da maioria, passando o cartão para o público. São pelo menos 800 passagens por domingo”, revelou.

Mesmo cobrando pelo aluguel das quadras durante o dia, Filizzola costuma liberar o uso gratuito para a comunidade.

Público aprova, volta e recomenda

O cadeirante Marcos Antônio Pereira Rocha, de 18 anos, frequenta o baile há pelo menos quatro anos. Com os olhos vidrados nas princesas do funk, as meninas que dão um show na coreografia, ele não esconde a animação. "Venho sempre aqui, e vou continuar vindo. É muito bom", disse. 

A adolescente Roberta Batista, de 16 anos, estrou na Quadra no último domingo a convite do namorado. "Ele sempre vinha aqui, aí a gente começou a namorar e ele parou. Mas, depois de um tempo, me convidou para vir. Eu curti bastante, quero voltar mais, amo funk", contou. 

Um dos DJs residentes da casa, Mairon Tamborzão, explicou que o som varia conforme o momento. Já teve o funk ostentação, mas, agora, está no funk "putaria". O outro DJ residente, Henrique Quebra Tudo, complementou: esse funk de afirmação também está e alta - esse é o funk que voltou a ouvir a favela, e o pessoal anda ouvindo muito". 

Talvez seja por isso que o funk faça tanta sentido para as comunidades e aglomerados, seu local de origem. Como cantaram Cidinho e Doca na década de 90 - duas das celebridades do funk que já passaram pela Quadra e fizeram o ritmo ganhar visibilidade-, o funk "é ter a consciência que o pobre tem seu lugar". 

"Capeta"

Muita gente não sabe, mas o mistério do "capeta da Vilarinho" que ronda os bailes da Quadra desde o final da década de 80 não passou de uma estratégia de marketing muito bem pensada e sucedida. Foi do proprietário do local, Francisco Filizzola, a ideia: "Por volta de 1989 estávamos passando por dificuldades financeiras, precisávamos de uma história que nos daria mídia espontânea. Criamos então o capeta da Vilarinho, ligamos para um jornalista e deu certo, depois que o boato se espalhou, vários jornais e rádios nos procuraram", ri, ao se lembrar.

Reza a lenda que durante um concurso de dança no local, onde o rei era o célebre dançarino Ricardo Malta, um homem desconhecido e de chapéu decidiu participar. No final, só restaram Malta e o forasteiro, que acabou ganhando o campeonato. Só que quando ele tirou o chapéu para comemorar a vitória, os dois chifres que haviam em sua cabeça ficaram descobertos, e um alvoroço tomou conta do local, até que ele conseguiu fugir e desaparecer, em seguida. Como toda boa lenda que se preze, essa também ganhou pinceladas a mais do dito popular, como a descrição de um homem loiro e de olhos azuis como sendo o capeta da Vilarinho e a sua habilidade incrível de sedução e também de dançar com maestria todos os ritmos musicais.

Serviço

A matinê na Quadra do Vilarinho, na rua Cascalheira, 138, em Venda Nova, acontece aos domingos, de 17h às 22h. A entrada varia de R$ 5 a R$ 10 e é permitida para maiores de 14 anos.  

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