Só com a roupa do corpo, os documentos e os filhos, Rosemara Alves de Almeida Pena, 43, chegou à Casa de Referência Tina Martins, no bairro Santa Efigênia, na região Centro-Sul da capital, em uma madrugada de 2017. Horas antes da fuga da mulher, o então marido dela havia tentado matá-la com um facão.
“Eu estava com a medida protetiva nas mãos e avisei que ele precisava ir embora senão seria preso. Nessa hora, ele foi até a garagem, pegou o facão e tentou matar meus filhos e eu. Nós ficamos horas acuados e, em um momento de distração dele, fugimos”, lembra.
Muito antes do dia em que saiu de casa, ela já tinha passado por uma série de agressões. “Além do meu ex-marido, meus sogros também me agrediam. Eles envenenaram a comida na minha casa com chumbinho. Nós não comemos porque eu achei estranho o alimento revirado. Nosso cachorro comeu, passou mal, e o veterinário afirmou que era chumbinho”, conta ela.
Já havia algum tempo que ela tinha percebido que precisava se afastar do agressor, mas não sabia como fazer isso. A casa de acolhimento foi a saída. “Eu ficava me perguntando para onde eu iria com meus filhos. Eu não tinha forças para pagar aluguel e cuidar de três crianças sozinha. Foi quando eu comecei a pesquisar na internet lugares que ajudassem as mulheres e conheci a Tina Martins. Eu recebi atendimento e fiquei com meus filhos até conseguir me reerguer e seguir minha vida sem violência”, ressalta. Ela agora é assistente social e ajuda outras mulheres agredidas por companheiros.
A casa surgiu em 2016 e atualmente é uma das três que atendem às mulheres em situação de violência em Belo Horizonte. “Quando as vítimas chegam, a gente avalia o caso e vê a necessidade de abrigamento. Além do abrigamento, nós também fazemos atendimento psicológico, de assistência social e jurídico. A ideia é que a mulher reconstrua a vida dela longe do agressor”, explica a assistente social da casa, Pedrina Gomes Olegário.
Falta coerência no registro de dados
Ao fazer um levantamento da violência doméstica nos Estados brasileiros, a reportagem verificou que em cada um deles os registros são feitos de modo diferente, o que torna os números discrepantes. Enquanto em algumas localidades são computados todos os tipos de violência contemplados pela Lei Maria da Penha – psicológica, física, moral ou patrimonial –, em outros constam apenas alguns.
“A última Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres teve o sonho de construir uma política para que tivéssemos os dados separados. Atualmente, não podemos compará-los do ponto de vista metodológico porque eles não têm a mesma base”, lamenta a professora da UFMG Marlize Matos.
Segundo levantamento da reportagem, Minas, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Pernambuco, por exemplo, têm informações mais completas. Já no Espírito Santo, os dados são deficientes. Por lá, a contabilização da violência doméstica teve início só neste ano. “As estatísticas são muito importantes para a prevenção. Com uma tipificação divergente, é impossível unificar uma política. Tem também a questão da conscientização das mulheres. Estados que oferecem políticas que ajudam as vítimas vão ter mais denúncias”, conclui Marlize.
Sistema integrado vai unir dados
Minas Gerais terá um Sistema Integrado Estadual de Direitos Humanos, que vai formar uma base de dados de violência doméstica com casos de todo o Estado. Segundo a coordenadora do Núcleo de Monitoramento e Avaliação em Direitos Humanos do Estado, Bárbara Amelize, o sistema vai garantir uma equipe de psicólogos, assistentes sociais e advogados para prestar teleconsultorias para municípios que não tenham essa equipe multidisciplinar.