PROJETO SEM FIM

Detran-MG garante terceirização de vistorias, mas, sem prazo, empresas desanimam

Evento que reuniu empresários e autoridades nessa quinta (25) terminou sem prazo e com desculpas do Governo; terceirização perde perspectiva

Por Isabela Abalen
Publicado em 26 de maio de 2023 | 16:04
 
 
Evento que reuniu empresários e autoridades ocorreu nesta quinta (25) Foto: Terceirizando já / Divulgação

A terceirização da vistoria de veículos em Minas Gerais recebeu mais um golpe de desesperança. O evento que reuniu mais de 800 empresários e autoridades do Governo de Minas nessa quinta-feira (25) terminou sem prazo para início do serviço e com suposta dificuldade de verba para conclusão do processo.

O diretor do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-MG) afirmou que não vê o projeto travando (abaixo). Mas, há mais de um ano investindo e já no fim do credenciamento, muitos empresários ou desistem ou se endividam enquanto assistem o sonho da terceirização perder a perspectiva. 

Em um grupo do whatsapp dos proprietários de empresas de vistorias, mensagens de revolta e desânimo passaram a ser compartilhadas após o III Encontro das Empresas de Vistoria. “A gente só está se endividando! Arcamos com o próprio bolso e não temos nenhuma resposta concreta”, reclamou um. “Estou com quatro vistoriadores com carteira assinada, sentados o dia todo, e o salário e os impostos vencendo. Não sei de onde tirar dinheiro para conseguir pagar”, desabafou outro. 

O processo de credenciamento das empresas teve início no ano passado para que a avaliação de veículos no Estado saia da responsabilidade do Detran-MG e passe a ser realizada pelas empresas. Além de tornar o serviço mais ágil, com menos burocracias e sem onerar o bolso do cidadão – os valores foram tabelados pelo governo de Minas –, o objetivo é que os policiais civis que hoje estão atuando nas vistorias sejam remanejados para a investigação criminal. 

Mas o projeto travou no momento em que chegou às últimas etapas. O prazo, que era para abril, foi perdido; as agendas dos próximos estágios, desmarcadas; e, durante o evento, a sensação foi de descrédito. “O representante do Governo literalmente pediu desculpas. Desculpas? Desculpa eu por ter acreditado no projeto. A fala dele foi a que mais me preocupou. Ele olhou para 80% dos empresários das empresas de vistoria e admitiu que [o Executivo] está com problemas de recurso para manter o projeto”, relata Natália Cazarini, presidente do Sindicato das Empresas de Vistorias de Identificação Veicular e Motores (Sindev-MG).

Quem esteve no evento pelo Governo de Minas foi o secretário executivo de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, Guilherme da Cunha, que também é co-autor do projeto que serviu de base para a iniciativa. Em um áudio gravado no evento, o secretário admite trava no financiamento. “Ainda não conseguimos resolver plenamente isso. Se por um lado é maravilhoso que a gente libere 100 policiais para atuarem de volta na investigação criminal, esses policiais que estão no Detran não saem da folha de pagamento”, disse. 

“Então, a gente tem um acréscimo de despesa para o Estado que não queremos que vire acréscimo na despesa do cidadão. Estamos trabalhando para resolver o problema tecnológico e esse de financiamento”, reconhece. Para Cazarini, a questão não deveria ter se tornado entrave e nem é justificável. “Você via a frustração nos olhos dos empresários. Eu mesma chorei, porque não estava acreditando no que estava ouvindo”, continua Cazarini. 

A presidente do Sindicato avalia que o projeto teve base em um portaria detalhada, com preço do serviço tabelado, e que, por isso, não caberia problema de folha de pagamento. “O processo de pagamento de tributo vai seguir o mesmo, e só para aqueles que têm veículo. O cidadão vai pagar o mesmo valor. O serviço só vai passar a ser feito pelas empresas, única diferença. Então, a verba deveria estar garantida”, reclama. 

Empresários ou desistem ou se endividam 

Sem perspectiva de quando poderão colocar o negócio para rodar e com acúmulo de contas, alguns negócios foram abandonados no meio do caminho. É o caso de um empresário que abriu um galpão em Belo Horizonte e decidiu desistir da empresa em abril, quando venceu o prazo do Governo. "Perdi a esperança”, admite ele que preferiu não ser identificado. 

“Quando chegou abril, já havíamos investido cerca de R$ 470 mil. Tínhamos aberto um galpão e reformado ele inteiro, estávamos arcando com aluguel de portas fechadas. Os vistoriadores foram contratados, treinados, e não tinham trabalho. Vimos que o prazo foi perdido, que o processo estava muito lento, e resolvemos sair fora”, conta.

O empresário lamenta pelos colegas que continuam a se endividar com a promessa de um negócio rentável. “Antes de acumular mais dinheiro, eu e meu sócio abdicamos. Sei que teve quem investiu tudo o que tinha. É preocupante, porque não é um processo novo e não é justificável tanta demora”, continua. “Deveriam, então, só ter publicado decreto depois de resolver o básico para o projeto rodar”. 

Do lado dos que ainda não desistiram, resta acumular prejuízos. Alexandre Martins, diretor da empresa de vistorias veiculares Tech Vistorias & Franchising, que possui uma loja de vistoria instalada na Savassi, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, descreveu a situação como “desumana”. “Não só eu, como todos os empresários, sem exceção, estamos tendo prejuízos enormes. O que mais me chateia são as pessoas extremamente humildes que investiram tudo, acreditaram por mais de ano, e vão sair completamente derrotadas. Isso é desumano”, desabafa. 

Alexandre já estava com o estabelecimento montado e seguindo todos os requisitos exigidos antes mesmo da publicação do decreto de junho de 2022. Ele contratou 12 funcionários que passaram por treinamento de vistoria e recebem salário normalmente. “O Governo disse que está do lado dos empresários, mas sem apresentar prazo para o nosso trabalho e sem justificar o atraso, caiu em descrédito. Estão somando desculpas”, diz. 

Para ele, sem um prazo, falta o compromisso com quem investiu. “Não tem como mais segurar. Quando você tem uma data, você consegue minimamente se programar. Agora, ninguém sabe se vai demorar mais cinco dias, cinco meses, um ano ou dois. Tenho colegas que estão pegando empréstimo, vendendo itens pessoais, se endividando para não abandonar o projeto. Mas até quando?”, questiona.

Processo lento

Três tipos de empresas passam pelo processo de credenciamento: de vistoria de veículos, de cursos de formação de vistoriadores e de tecnologias de informação (TI), que vão oferecer as ferramentas digitais do serviço. De acordo com monitoramento do Detran, as escolas de formação já estão com processo finalizado, e três funcionam no Estado, o que permitiu o treinamento de quase mil vistoriadores.

Já as empresas de vistorias e de TI estão em processo de análise de documentação, o qual, na verdade, é uma etapa perene que não trava o credenciamento. O próximo passo depende somente da integração dos sistemas de TI. Esse que aconteceria nos dias 23, 24 e 25 de maio, mas foi cancelado sem marcação de nova data. 

Diretor do Detran-MG diz que o órgão está em dia com sua parte 

“Não depende só do Detran, mas, ao meu ver, não há sinais que indiquem o credenciamento travando”, diz o diretor do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-MG), delegado Eurico da Cunha Neto. Segundo ele, o governo depende das empresas de vistorias funcionando para dar continuidade ao processo de transferência dos policiais civis para a área criminal. “Se o projeto não vai para frente, os policiais ficam no Detran, o que já está definido que não vai acontecer”, afirma. 

Cunha Neto assegura que o que está travando o processo não é da parte do Detran. “A questão do prazo não tem relação com o Detran-MG. São vários órgãos que trabalham em conjunto, e nós só podemos fazer a nossa parte. Mas o que eu posso dizer do Detran é que está rigorosamente em dia”, afirma. Em um portal de monitoramento do órgão, é possível acompanhar a situação de cada empresa. Na verdade, o credenciamento é perene e não trava o processo. 

Os outros órgãos envolvidos são, na parte técnica, a Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais (Prodemge), e, na parte de pagamento e projeto, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG). “O Detran está em força tarefa para avançar com a análise dos documentos o quanto pode. Enquanto isso, esperamos as outras partes caminharem. Por isso, não consigo dar um prazo, não depende só de mim”, admite.  

O delegado Eurico da Cunha reforça a importância de liberar os policiais civis do Detran. “É um dos principais alicerces do projeto. Só no Detran de BH são mais de 40 policiais civis, então é muito relevante, faz diferença. No Estado todo, são 300, 400”, pontua. Isso, mesmo com a atual trava na folha de pagamento citada pelo secretário Guilherme da Cunha. 

O que diz o Detran-MG

"A prestação do serviço de vistoria de identificação veicular por empresas credenciadas ao Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) ocorrerá após o credenciamento das Empresas de Tecnologia da Informação de Vistoria (ETIV) e das Empresas de Formação de Vistoriadores (EFV). As ETIVs serão as empresas responsáveis pelo provimento de tecnologia com vistas ao gerenciamento, à conferência e à integração da vistoria de identificação veicular. Já as EFVs serão responsáveis pela formação inicial teórica e prática dos vistoriadores que integram o corpo técnico das Empresas Credenciadas de Vistoria (ECV).

Os processos necessários para os credenciamentos das empresas foram iniciados e no momento as documentações protocoladas estão em fase de análise. Outros detalhes serão publicizados em momento oportuno, após o término da análise das documentações enviadas pelas empresas interessadas no processo de credenciamento e finalização do desenvolvimento de soluções tecnológicas."