A descoberta de que a contaminação do petisco, que supostamente teria levado à morte de 40 cães, pode estar relacionada à adulteração de uma matéria-prima acende mais um alerta: a de que produtos alimentícios para humanos tenham sido elaborados com o mesmo composto. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o propilenoglicol usado na fabricação de alimentos estaria contaminado com monoetilenoglicol (substância tóxica similar a que matou pessoas que beberam a cerveja belo-horizontina, da Backer).
O MAPA ainda não detalhou quais empresas teriam adquirido o composto da empresa distribuidora, mas especialistas alertam que, como a substância é muito usada pela indústria alimentícia, o caso precisa ser apurado, com possível recolhimento de produtos usados na dieta cotidiana humana.
Conforme afirma o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o propilenoglicol é um produto permitido para uso na alimentação humana e animal. O que aconteceu no caso dos petiscos contaminados é que o propilenoglicol estaria contaminado com monoetilenoglicol. A matéria-prima utilizada nos produtos para cães comercializados pela Bassar teria sido comprada da Tecnoclean, que, por sua vez, alega tê-la adquirido de outra empresa.
Professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec BH), Paulo Henrique Tavares afirma que o propilenoglicol é amplamente usado na alimentação humana. Segundo ele, a intenção é deixar as comidas “mais fresquinhas”.
“Ele evita que o alimento perca água ou a umidade que tem naturalmente. Um exemplo disso é o coco ralado. Quando se abre e usa metade do saquinho, o propilenoglicol ajuda a mantê-lo fresquinho por mais tempo. Outros produtos que também o utilizam muito são o panetone, massa para bolo e sucos com corantes”, diz ele.
O professor Ildefonso Binatti, do Departamento de Química do Cefet-MG, diz que “o propilenoglicol é usado na indústria de alimentos, mas para isso tem uma condição. A substância precisa ter elevado grau de pureza. O composto tem várias funções. Ele é anticongelante, que pode ser usado em bebidas e na panificação”. No caso das bebidas, o propilenoglicol pode ser usado, por exemplo, “para manter a cerveja bem gelada sem congelar”.
Sobre o risco de contaminação do propilenoglicol com monoetilenoglicol, o especialista diz que “são substâncias que partem de matérias-primas distintas, então não há como haver essa contaminação”, afirma. Com isso, a contaminação pode ter ocorrido após falha durante o processo de produção.
Paulo Henrique Tavares afirma que não é de praxe que as empresas que compram matérias-primas as testem ou façam algum teste no produto final antes de comercializá-lo. Ele cita como exemplo as padarias. “Uma padaria, por exemplo, compra farinha, açúcar, entre outros ingredientes para fazer pães, bolos. Imagina se tivesse que testar todas essas matérias-primas”, destaca.
A reportagem procurou a empresa que teria vendido a matéria-prima para a Tecnoclean, mas não obteve retorno.
Perguntas e respostas
As mortes de cães intoxicados após consumirem petiscos deixam tutores em alerta. A situação é investigada pela Polícia Civil de Minas Gerais e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Conforme as autoridades, os alimentos estavam contaminados com etilenoglicol, composto químico altamente tóxico quando ingerido.
Pelo menos 40 cães morreram após consumirem os petiscos em Minas Gerais e outros oito estados, além do Distrito Federal, detalhou a delegada Danúbia Quadros, da Delegacia Especializada em Defesa do Consumidor de Minas Gerais. Apenas em Belo Horizonte foram oito óbitos.
O que causou a morte dos animais?
Exames de necropsia realizado pela Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apontaram existência de etilenoglicol no organismo de cães mortos. Perícia da Polícia Civil feita em petiscos também atestou a presença da substância no alimento.
O composto é da mesma família do dietilenoglicol, substância apontada como a causa da morte de dez consumidores da cerveja Backer em Minas Gerais em 2019 e 2020. Ambas provocam danos severos aos rins.
Por que os petiscos estavam contaminados?
Esta é uma das principais perguntas que as investigações tentam responder. Conforme o Ministério da Agricultura, o problema teria sido causado pela contaminação do aditivo propilenoglicol, substância usada para produção de alimentos para animais e humanos, com etilenoglicol.
A investigação identificou a contaminação em dois lotes de propilenoglicol — AD5053C22 e AD4055C21, ambos vendidos por uma fornecedora de matéria-prima, a Tecnoclean Industrial, com sede em Contagem, na região metopolitana de Belo Horizonte. A empresa alega atuar apenas como revendedora da substância.
O Mapa determinou, nessa terça-feira (7), que todas empresas do setor de alimentações que adquiriram a matéria-prima do fornecedor retirem produtos fabricados e distribuídos ao mercado.
Quais marcas estão envolvidas?
Os petiscos envolvidos são das marcas Dental Care, Every Day e Petz Sanack Cuidado Oral, todos fabricados pela Bassar.
O que a substância tóxica causa?
Vômitos, convulsões e diarreias são alguns dos sintomas apresentados por cães supostamente intoxicados por etilenoglicol. A substância também está relacionada a problemas renais.
O que fazer em caso de suspeita de contaminação?
Os tutores devem procurar imediatamente um veterinário após verificarem os sintomas. Além disso, a Polícia Civil também pode ser comunicada, pro meio da Delegacia Especializada de Defesa do Consumidor (rua Martim de Carvalho, 94, Santo Agostinho, Belo Horizonte).
O que dizem as empresas?
Responsável pela fabricação dos petiscos contaminados, a Basser, que interrompeu a produção desde a semana passada, diz que “está realizando um recall de todos os seus produtos junto a seus consumidores, solicitando que entreguem no local de venda os itens que já tenham adquirido anteriormente”.
A empresa também diz ser a “maior interessada no esclarecimento dos fatos” e que “apoia as investigações do Mapa e das autoridades policiais”. Além disso, a Bassar diz que todo processo de produção e maquinários da produção de alimentos para animais passa por perícia.
“A empresa reforça que o etilenoglicol não faz parte de nenhuma etapa da sua cadeia de produção. A Bassar Pet Food se solidariza com todos os tutores de pets – a razão de nossa empresa existir. Os consumidores podem tirar dúvidas pelo e-mail sac@bassarpetfood.com.br”, finaliza a nota.
A Tecnoclean Industrial, fornecedora da matéria-prima que estaria contaminada, em comunicado na sede da empresa nesta quinta-feira, informou que atua apenas como revendedora e que, por esse motivo, não possui regulamentação junto ao Mapa.