A situação dos usuários do transporte público em Belo Horizonte vai ficar ainda mais dramática a partir desta sexta-feira (29). Por meio de nota enviada à imprensa, os consórcios operacionais do serviço de transporte público da capital mineira afirmaram que o número de viagens ofertadas será proporcional “aos recursos financeiros gerados pelo sistema e que sejam suficientes para cobrir seus custos”.

Ou seja, as viagens realizadas pelas empresas vão depender do montante levantado pelas passagens pagas pelos usuários do sistema.

Atualmente, os empresários do setor afirmam que é preciso aumentar o valor da passagem de ônibus - hoje de R$ 4,50 - para cobrir os custos com operação e especialmente com combustível. Eles querem que a passagem passe a custar R$ 5,85 para compensar os custos, que cresceram nos últimos quatro anos. O último reajuste na cidade foi feito em 2018. 

Os consórcios alegam ainda que houve queda da demanda ao longo da pandemia, que o diesel dobrou de preço desde 2018 e que existe um descontrole inflacionário desde 2019. Também lembram do mandado de segurança concedido pela Justiça para que a passagem pudesse ser reajustada em BH, mas que ainda não foi cumprido. 

A nota informa ainda que o número de viagens ofertadas nos horários de pico dos dias úteis não será afetado, pelo menos neste momento. “Os ajustes se iniciarão nos horários de fora do pico dos dias-úteis, em todos os horários noturnos e, ainda, nos sábados, nos domingos e nos feriados”.

Dessa forma, ficam mais prejudicados os trabalhadores do setor de serviços. Matheus Daniel, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) em Minas Gerais, explica que a situação impacta o setor de forma profunda, já que os clientes e os funcionários acabam não contando com o transporte nos horários noturnos ou nos fins de semana. 

"Mais uma vez a gente percebe a falta do poder público em resolver a situação e mais uma vez é o cidadão belo-horizontino que fica prejudicado. As empresas que realmente mandam no transporte público, as multas nunca são pagas, e o cidadão fica prejudicado", afirma o empresário. "As pessoas precisam de trabalho e ficam sem transporte". 

A mudança foi anunciada para a data em que a greve dos metroviários completa 40 dias e não tem previsão para ser encerrada. O metrô de Belo Horizonte só está funcionando das 10h às 17h. 

População critica posicionamento das empresas

Nos pontos de ônibus, a medida foi recebida com críticas. Ana Freitas trabalha no Centro de BH com direito autoral de músicos. Ela mora no Bairro Califórnia, no Noroeste da capital mineira, e sofre diariamente na hora de ir e vir.

"Os ônibus estão muito cheios e não estão cumprindo horário. Antes, eu saía de casa às 7h40 para pegar serviço na Praça Sete às 9h. Hoje, tenho que sair às 7h. Sem contar a quantidade de engarrafamento. Está tudo péssimo: o serviço e o trânsito. A gente chega muito estressada em casa", diz.

A situação de Ruben Filho não é diferente. Ele trabalha no Bairro Coração Eucarístico, na mesma regional da cidade, e demora cerca de duas horas para chegar em casa.

"Saio do serviço às 18h e chego quase às 20h. O ônibus fica muito cheio. Para pegar vazio, ou você espera outro ou espera ficar mais tarde", afirma. 

O vendedor Vilmar Santos Silva também sofre no caminho entre o Coração Eucarístico e o Alto dos Pinheiros, ainda no Noroeste de BH. Ele conta com uma carona para cortar caminho e ganhar tempo.

"Essa diminuição da frota é triste. Fica ainda mais caótico, mesmo com essa passagem de R$ 4,50. Pra mim, não se justifica (a diminuição de coletivos). Todos os dias, levo 1h30 para chegar em casa", afirma.

Integrante do movimento Tarifa Zero, André Veloso afirma que a Prefeitura de Belo Horizonte precisa agir para impedir que as empresas atuem conforme os seus interesses. 

"As empresas estão decretando que elas é que mandam no sistema, vão operar só quando tiverem lucro e o resto é perfumaria. Se a PBH acatar isso, pode fechar a BHTrans de uma vez, pode fechar a Superintendência de Mobilidade Urbana de uma vez, porque quem manda são as empresas", diz. 

A assessoria de imprensa dos consórcios afirmou que, assim que os novos quadros de horários forem elaborados, eles vão ficar disponíveis no site do Transfácil, no aplicativo BHBus+, nas Estações BHBus e dentro dos coletivos.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Belo Horizonte e aguarda posicionamento. 

Quem paga a conta: usuário ou sociedade?

Engenheiro civil e consultor da área de transporte da empresa Infraplan, Silvestre de Andrade explica que a situação é complexa e que a aprovação de um subsídio para o sistema seria importante para resolver o impasse em um curto prazo. Essa possibilidade vem sendo debatida na Câmara Municipal, mas a tramitação foi suspensa nesta semana. 

“Temos um modelo que vem vigorando há muitos anos no Brasil em que os custos do serviço de transporte são pagos pelo usuário. Ele funcionou razoavelmente por muito tempo, passou por momentos de crise, mas a pandemia foi como um tiro de misericórdia nesse modelo”, explica o especialista. 

Segundo Andrade, esse modelo prevê aumentos nas tarifas para que os custos do setor possam ser cobertos. Mas em um momento de recessão e inflação, um reajuste para R$ 5,85 pode impactar negativamente a economia da cidade - o que faz com que o subsídio se torne a opção mais viável no momento. O consultor explica que este é o momento em que é preciso decidir quem deve pagar pelo transporte: o usuário ou a sociedade como um todo, por meio de impostos. 

Para ele, é importante considerar nessa conta política e econômica a realidade vivenciada pelas empresas. “Se você tem uma empresa e vê sua demanda despencar, mas não pode aumentar o preço, faz o que? Você quebra ou vai tentando conciliar as coisas. Esses são empresários que estão no setor há muitos anos, não vão jogar fora o investimento que fizeram”, explica o especialista.

“Na tentativa de sobrevivência de um grupo empresarial que passa por uma terrível pressão de aumento de custos, mais uma vez quem paga o pato é o usuário, porque o poder público não conseguiu equacionar essa questão”, completa. 

 

Confira a nota na íntegra:

“NOTA CONSÓRCIO TRANSFÁCIL – OPERAÇÃO DO SISTEMA A PARTIR DE 29 DE ABRIL DE 2022

•    CONSIDERANDO o notório desequilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão;

•    CONSIDERANDO o congelamento das tarifas públicas desde 2018, em desacordo com as disposições legais e do Contrato de Concessão;

•    CONSIDERANDO o descontrole inflacionário de 2019 até hoje;

•    CONSIDERANDO os aumentos extraordinários em todos os custos que afetam a prestação do serviço desde 2018;

•    CONSIDERANDO os aumentos estratosféricos do nosso principal insumo diário de trabalho, qual seja o DIESEL, que desde 2018 até hoje já aumentou mais de 100%;

•    CONSIDERANDO a decisão liminar concedida, em sede de Mandado de Segurança pela Vara de Feitos da Fazenda do Município de Belo Horizonte do TJMG, no início do mês de abril e que até o presente momento ainda não foi cumprida;

•    CONSIDERANDO que 03 Projetos de Lei encaminhados pela PBH à CMBH que tratam da criação de subsídio para auxiliar os passageiros com o custo do pagamento de suas viagens no serviço de transporte urbano sequer foram analisados e tiveram suas tramitações interrompidas;

•    CONSIDERANDO o exaurimento do modelo jurídico contratual que coloca o ônus do serviço público integralmente sobre os ombros apenas e tão somente do usuário que é o único que arca com o seu custo integral;

•    CONSIDERANDO a queda no número de passageiros em comparação ao período pré-pandemia;

•    CONSIDERANDO que o sistema não gera receitas financeiras suficientes para a manutenção do mesmo nível de viagens hoje existente;

•    CONSIDERANDO o total e completo exaurimento das forças financeiras das empresas que formam os quatro consórcios que operam o sistema da Capital Mineira;

OS CONSÓRCIOS OPERACIONAIS DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE PÚBLICO DA CAPITAL MINEIRA se viram obrigados, para evitar o colapso total do serviço por falta de recursos financeiros, a decidir que, A PARTIR DO DIA 29/04/2022, o número de viagens ofertadas diariamente será proporcional aos recursos financeiros gerados pelo sistema e que sejam suficientes para cobrir seus custos.

Em respeito aos usuários do sistema público de transporte da Capital Mineira, o número de viagens ofertadas nos HORÁRIOS DE PICO DOS DIAS-ÚTEIS não será, inicialmente, afetado, sendo certo que os ajustes se iniciarão nos horários FORA PICO dos dias-úteis, em todos os horários noturnos e, ainda, nos sábados, nos domingos e nos feriados.

Em tempo, continuamos trabalhando para que a solução do desequilíbrio do sistema possa rapidamente ser resolvido pelas Autoridades competentes e o serviço público possa voltar à sua normalidade”.