Medicina

Fraudes no sistema de cotas da UFMG começaram em 2009

Primeira aprovada pelo sistema de bônus, há oito anos, é loira, tem a pele clara e já se formou

Por Joana Suarez
Publicado em 26 de setembro de 2017 | 03:00
 
 
Universidade criou uma comissão para investigar fraudes, mas ainda não há resultados Foto: Leo Fontes - 22.5.17

As fraudes no sistema de cotas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ocorrem desde 2009, primeiro ano de implantação da política. Naquele ano, a aluna aprovada em primeiro lugar para o curso de medicina foi beneficiada com 15% de bônus – 10% por ter estudado em escola pública e 5% por ter se autodeclarado negra. Ela tem a pele clara e cabelos loiros.

Na época, ainda não existia a Lei de Cotas, que é de 2012, mas a UFMG implantou seu próprio programa de bonificação. A palavra do estudante sempre valeu, e a legislação não exige que a autodeclaração seja comprovada.

Há oito anos, Roberta Tameirão Matos Dayrell foi destaque, inclusive, no site da instituição, por ter saído na frente de todos os candidatos da UFMG, tendo estudado no Colégio Militar e passado na concorrida disputa para o curso de medicina. Na época, não foi questionada sua autoidentificação como negra. Hoje, ela é médica residente da rede pública. A reportagem tentou contato com Roberta, mas não obteve retorno.

No último domingo, o jornal “Folha de S.Paulo” publicou uma reportagem mostrando três estudantes brancos que ingressaram na UFMG por meio de cotas raciais. Bárbara Facchini, 19, Rhuanna Laurent, 20, e Vinícius Loures, 23, eram alunos cotistas e foram denunciados por outros estudantes.

Arrependimento. A equipe de O TEMPO conseguiu conversar com Loures, que reconhece o erro, afirma estar arrependido e diz que vai cancelar a matrícula. “Foi uma decisão equivocada, não sei explicar. Toda essa exposição afetou a mim e aos meus familiares. Vou tentar reparar o erro na medida do que posso fazer, que é cancelar minha matrícula”, disse ele, que já vinha se sentindo incomodado com os comentários na universidade sobre ele ser cotista tendo cabelos loiros e pele e olhos claros.

A reportagem apurou que em uma turma de medicina há sete alunos da categoria de cotas raciais, mas apenas dois seriam visivelmente negros. As primeiras denúncias formais desses casos chegaram somente neste ano, informou a UFMG, que criou uma comissão de sindicância investigatória, ainda sem resultados. A universidade não indicou uma fonte para falar sobre o assunto.


MPF vai investigar os casos

A exposição dos alunos brancos da UFMG que usaram o sistema de cotas pode servir para que mudanças ocorram na instituição a fim de evitar esse tipo de fraude. É o que também disse esperar o aluno Vinícius Loures, que tem sentido na pele (branca) as consequências de ter se autodeclarado negro.

O Ministério Público Federal (MPF) também entrou no caso e informou nessa segunda-feira (25) que instaurou procedimento para verificar as denúncias na UFMG.

Além da possibilidade de ser expulso da instituição, quem fraudar o sistema pode responder criminalmente por falsidade ideológica, que prevê pena de até cinco anos de reclusão, como explicou o advogado Daniel Dias de Moura.

Ele, que é presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra e de Combate ao Trabalho Escravo, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), acredita que as investigações têm que se dar após ingresso na instituição e denúncia. “Tem que punir, mas não pode fazer investigação a priori, para inibir o direito à cota. A medida tem que ser posterior, denunciar e combater, sem deslegitimar as cotas, que geram uma garantia de acesso”, disse.

A UFMG sinalizou que a partir de 2018 vai adotar uma carta “consubstanciada” que o candidato terá que entregar explicando sua relação com a raça, uma justificativa para pleitear a cota.


Saiba mais

Resposta. Circula nas redes sociais uma resposta que seria da estudante Rhuana Laurent, 20, citada como uma das alunas cotistas. “Fiz tudo dentro da lei... e me autodeclarei parda, o que realmente sou, e não negra, dada a origem da minha família, não burlando e muito menos fraudando o sistema de cotas. Em nenhum momento a instituição questionou a minha autodeclaração”.

Lei. O objetivo da lei de cotas é amenizar desigualdades sociais, econômicas e educacionais entre raças.