Desastre em Brumadinho

Jefferson Passos, o super-herói da lama, relembra dia da tragédia

Homem, que resgatou uma adolescente, se diz orgulhoso, mas não quer levar a fama de herói

Por Pedro Ferreira
Publicado em 28 de janeiro de 2019 | 22:13
 
 
Jefferson Ferreira dos Passos resgatou uma adolescente no mar de lama Foto: RecordTV/Reprodução

O "super-herói" da lama, como Jefferson Ferreira dos Passos, de 33 anos, vem sendo chamado depois de aparecer nas imagens de uma emissora de TV salvando a vida de uma  adolescente do mar de lama provocado pelo desastre da mineradora Vale, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, não quer a fama de herói. 

"Estou muito orgulhoso, mas não quero levar essa fama de herói.  Não quero ser motivado por ninguém que eu sou isso, que eu sou aquilo. O que eu fiz, qualquer ser humano faria. Você se depara com aquele monte de lama, sabendo que tem parentes, colegas e amigos ali, qualquer um tomaria essa atitude", reagiu o bombeiro hidráulico desempregado. 

Passos mora em Brumadinho e estava indo com a mulher para a casa de uma irmã, na localidade do Córrego do Feijão, de carona em um caminhão de mineradora, quando, segundo ele, um caminhão que seguia à frente parou bruscamente. "O motorista da frente falou que a barragem da Vale tinha estourado e que a lama ia lamber tudo pela frente", contou.

O homem disse que desceu do caminhão e correu desesperado em direção a Pousada Nova Estância, onde a irmã dele, a camareira Jussara Ferreira, de 35 anos, trabalhava e está desaparecida.  "Saí correndo na direção de pousada na esperança de salvar minha irmã.  Cheguei lá e me deparei com aquele monte de lama. Pelo estrago que fez, pensei logo que tinha acontecido o pior com a minha irmã. Travei ali, na hora. Foi quando meu amigo Michel apareceu e me chamou para ir beirando a lama, porque ele tinha um irmão que trabalhava na pousada também, o Reinaldo. Andamos uns 300 m e escutamos uma mulher gritando. Era a Alessandra, mulher do José Antônio, motorista da pousada. Pegamos essa mulher e levamos para um lugar mais firme, distante da lama", conta.

Segundo ele, Alessandra pedia o tempo todo que procurassem pelas filhas dela, Lays, de 14, e Talita, 15, que é irmã de Alessandra, mas ela considera filha também.  "De repente, uma moça gritou lá no meio do lamaçal, tipo uma ilha de pedaços de pau e lama.  Tentamos chegar lá, mas quando pisei, afundei na lama até o pescoço", conta.

Os dois amigos decidiram nadar na lama. "Vamos dar braçadas nessa lama. Mas que nós vamos lá, nós vamos!", decidiu Passos. "Foi difícil o acesso, mas conseguimos chegar lá.  Eu fui para o lado de menina e Michel para o lado onde o mato estava maior, para gritar se tinha mais alguém. Gritava, gritava. Cheguei nessa menina e perguntei o nome dela. Fiquei com ela, acalmando, e perguntei se eu podia ficar ali com ela. O tempo todo eu falava: 'Ô, moça, acorda, acorda. Não dorme, não. O helicóptero vai chegar e pegar a gente aqui'", relatou. 

Os dois pensaram em carregá-la nas contas, mas Talita estava muito ferida e a lama mais parecia areia movediça, segundo ele.
"Os helicópteros passavam para lá e para cá, pertinho da gente, olhavam, mas iam embora. E a gente cada vez mais aflito, balançando os braços e gritando.  Demorou uns 40 minutos e uma mulher que pilotava o helicóptero conseguiu abaixar bem perto de gente, sem encostar na lama, e resgatou a menina. Só essa piloto conseguiu se aproximar da gente. Ela conseguiu parar o helicóptero no ar com o se tivesse parado em cima de um concreto", comparou.

Dores

Talita, segundo Jefferson Passos, reclamava o tempo todo de dores. "A perna esquerda dela estava muito inchada, dobrada porque quebrou. Cheguei lá e tentei consertar um pouquinho a perna dela, mas ela não aguentou. Se eu fizesse isso, ele não iria resistir de dor. A perna direita dela tinha um buraco enorme, sangrando", conta.

Ele comentou  que não consegue dormir, pensando no que aconteceu. " Desde sexta-feira, se eu dormi três horas, é muito. A cena triste está na minha cabeça até agora", disse.

Ele conta que quer uma resposta das autoridades.  "Tem o meu cunhado que perdeu a esposa, minha irmã, e ele perdeu a mãe também" lamentou.