Transgênero

Menor ganha direito a remédio

Adolescente consegue na Justiça tratamento para bloquear puberdade mesmo sem aval do pai

Por Letícia Fontes
Publicado em 03 de agosto de 2017 | 03:00
 
 

Sem reconhecer-se como um homem, apesar da genética masculina, um adolescente transgênero, de 12 anos, ganhou na Justiça a autorização para se submeter ao tratamento de interrupção da puberdade – fase em que o corpo humano começa a desenvolver características sexuais –, independentemente da vontade paterna. O caso aconteceu em Uberlândia e é a primeira decisão favorável da justiça da cidade para que um adolescente seja submetido aos tratamentos e acompanhamentos médicos, psicológicos e psiquiátricos para bloqueio da puberdade.

O pedido foi feito pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), no final do mês passado, depois que o adolescente, com trajes femininos, acompanhado da mãe, foi até a Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade e relatou que, embora seja registrado como do gênero masculino, comporta-se como uma pessoa do gênero feminino. Em seu relato, o jovem informou que gostaria de fazer uso contínuo da medicação prescrita para retardar a definição sexual, mas encontrou resistência paterna para levar adiante o tratamento.

O adolescente explicou ainda que ama o pai, que, no entanto, por preconceito e desconhecimento dos seus problemas, negava-se a autorizar os tratamentos.

Em sua ação, o MPMG se baseou no relatório apresentado pela equipe multidisciplinar do Centro de Referência em Atenção Integral à Saúde de Travestis e Transexuais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A equipe, formada por enfermeira, médica, psicóloga e psiquiatra, confirmou que o adolescente apresenta quadro clínico de transtorno de identidade sexual, comportando-se como do gênero feminino, enquanto o sexo genético é masculino. De acordo com o promotor Jadir Cirqueira de Souza, o tratamento garante a proteção da saúde física e mental do adolescente.

Em sua decisão, o juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro concedeu a liminar autorizando o início dos tratamentos, independentemente da autorização do pai, justificando que “não se pode conceber que o pai, de forma discriminatória, impeça ou prejudique os tratamentos e os acompanhamentos psicossociais indicados, com clara violação da dignidade humana e do livre desenvolvimento da saúde mental do adolescente defendido pelo Ministério Público”.

 

Especialização

UFU. Único no Estado especializado em procedimento transexualizador, o centro da UFU irá realizar a terapia hormonal e o acompanhamento psicológico do adolescente, seu agora mais jovem paciente.

 

Saiba mais

Brasil. Nove centros no país são habilitados a oferecer procedimento transexualizador. Deles, cinco oferecem a cirurgia de redesignação sexual.

SUS. Desde 2008, o SUS oferece serviços para pacientes que querem fazer a redesignação sexual. Entre 2008 e 2016, segundo o Ministério da Saúde, foram feitos 349 procedimentos hospitalares e 13.863 atendimentos ambulatoriais relacionados ao processo transexualizador.

 

Acompanhamento de perto para evitar angústia e agonia

De acordo com a médica do Centro de Referência em Atenção Integral à Saúde de Travestis e Transexuais da Universidade Federal de Uberlândia, Taciana Maia, o medicamento, junto ao acompanhamento psicossocial, respeita os direitos do adolescente, que, aos 16 anos, pode rever e decidir seu gênero.

Segundo Taciana, o urgente bloqueio da puberdade, em seus primeiros sinais, impede que qualquer característica, feminina ou masculina, se desenvolva em definitivo, e, assim, mais tarde o jovem pode confirmar seu gênero. “Nosso cuidado é acompanhar a criança. Quando começam os primeiros sinais de puberdade, 80% das crianças deixam de ter a ideia de ser transgêneros, mas, em 20%, o sentimento pode persistir, até piora. O medicamento se inicia neste momento. Esse desenvolvimento causa angústias e uma agonia muito grande”, explica.

 

Minientrevista - Júnia Araújo, Psicóloga do Centro de referência da ufu

Quais são os sinais que essas crianças apresentam? Os sinais são muito claros. Desde muito cedo, crianças apresentam preferências, seja por um determinado tipo de cabelo, por roupas ou por brinquedos. Alguns transgêneros e seus familiares relatam que, desde os 3 anos, alguns sinais já são perceptíveis. Porém, algumas crianças crescem em ambientes repressores e precisam esconder seu jeito. O apoio da família é fundamental.

Qual a melhor solução a ser buscada? O acompanhamento é muito importante, tanto para o próprio usuário quanto para a família. Esse processo traz muito sofrimento, principalmente porque há preconceito. Por isso, o bloqueio é importante. Não é uma decisão definitiva, é um tempo para pensar e amadurecer a decisão.