A tragédia começou a ser traçada há um ano. Uma separação conturbada, muitas brigas e pelo menos oito pedidos de socorro registrados por uma mulher cansada das ameaças do ex-marido, com quem foi casada por cinco anos. Ontem, o anunciado durante meses aconteceu em apenas 11 segundos. Armado, o borracheiro Fábio Willian da Silva Soares, 30, invadiu o salão de beleza da ex-mulher e disparou nove tiros contra ela. A cabeleireira Maria Islaine de Morais, 31, morreu na hora.

Crimes passionais são rotina no país. Mas a morte de Islaine ontem, às 8h30, no bairro Santa Mônica, em Venda Nova, na capital, ganhou relevância justamente por revelar a imagem da covardia. O crime foi gravado pelo circuito interno de TV do salão, implantado pela vítima como medida de segurança contra o ex-marido, que chegou a colocar uma bomba no portão do salão da ex-mulher há cerca de quatro meses.

Após oito denúncias feitas por Islaine na Delegaica de Mulheres, a Justiça determinou que Souza deveria ficar a mais de 300 m da ex, mas ele morava e trabalhava a 50 m do salão e da casa dela. Segundo a delegada Silvana de Fiorilo Rocha, o borracheiro foi enquadrado na Lei Maria da Penha por agressão e ameaça. Ainda de acordo com a delegada, foram solicitadas cinco medidas protetivas contra o borracheiro e instaurados três inquéritos. "Foi pedido, inclusive, que a polícia retirasse uma arma que ele mantinha em casa".

Falha. A grande pergunta que fica é por que o autor dos disparos ainda estava em liberdade? Para a defensora pública Júnia Ronan Carvalho, houve uma falha no processo que pode ter sido das polícias Civil e Militar, do Ministério Público ou da própria Justiça. "Se uma mulher pediu ajuda por oito vezes à polícia, alguém deveria ter tomado a providência de decretar essa prisão. Não consigo entender como as medidas protetivas pedidas pela vítima não estavam sendo cumpridas", alertou.

Para Júnia, o julgamento desses processos ainda é muito lento, já que em Belo Horizonte tem apenas dois juízes que cuidam de cerca de 30 mil processos relacionados à violência contra a mulher.

Segundo a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nenhum juiz poderia comentar o assunto, pois o processo corre em segredo de Justiça. O delegado da 23ª Vara Criminal, local em que foi feita a última queixa da vítima, Felipe Cordeiro, disse que, se houve omissão, ela ocorreu entre todos os envolvidos: polícia, Justiça e juiz responsável pelo caso, que também poderia ter pedido a prisão de Soares por um decreto de ofício.

De acordo com dados da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em 2008, 269 mil mulheres relataram as agressões sofridas no número 180, disponível para denúncias. Isso significa que, diariamente, só por telefone, mais de 700 mulheres queixaram-se contra agressões.

O número representa um aumento de 32% em relação a 2007. Em 2008, do total de denúncias, 6.499 foram de ameaças de morte. Outras 13.785 ligações foram para contar agressões leves ou graves. Muitas mulheres revelam ser agredidas diariamente.

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