Morte de Lorenza

MP não pode proibir pai de Lorenza de falar sobre caso, afirma doutor em Direito

Marco Aurélio Silva disse ter sido proibido 'de tecer qualquer comentário', e professor José Luiz Quadros de Magalhães, da UFMG, esclarece que, respeitados limites da liberdade de expressão, 'o MP não pode proibir que as pessoas expressem seus pensamentos'

Por Lara Alves
Publicado em 07 de abril de 2021 | 03:00
 
 
Pai de Lorenza, Marco Aurélio Silva, 72, depôs na sede da Procuradoria-Geral de Justiça nessa segunda-feira (5) Foto: Ramon Bittencourt

Depois de depor na sede da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, à região Centro-Sul de Belo Horizonte, Marco Aurélio Silva, 72, declarou não poder mais manifestar-se sobre a investigação da morte da filha, Lorenza Maria Silva Pinho, 41, mulher do promotor André Luis Garcia de Pinho, 51, suspeito de matá-la.

À reportagem na noite de segunda-feira (5) e na manhã de terça-feira (6), ele reiterou que a corregedoria do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) o proibiu de tecer comentários e completou em mensagem enviada por aplicativo: “Assim que estiver desimpedido, entro em contato. Agradeço o trabalho de vocês”. Questionado à tarde de terça-feira por ligação telefônica e e-mail, o órgão público não respondeu às solicitações feitas – não negou a proibição, como também não atestou sua existência, e igualmente não esclareceu sob quais argumentos poderia estruturar tal impedimento. Posicionamento do Ministério Público será acrescentado à matéria tão logo houver retorno.

Frente a ausência de esclarecimentos por parte da instituição, na qual estão concentradas informações referentes à investigação sobre a suspeita que recai em face do promotor André de Pinho – detido no domingo (4), o doutor em Direito e membro do corpo docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), José Luiz Quadros de Magalhães, detalhou à reportagem que não cabe a quaisquer órgãos públicos proibir a liberdade de expressão do pensamento. Segundo ele reforça a Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade de expressão desde que respeitados seus limites – como não usá-la para calúnias ou injúrias – e, portanto, sem que o Ministério Público argumente o porquê da proibição, não há como entendê-la legítima.

“É necessário que seja exposto o processo e uma fundamentação, mas, não pode o Ministério Público de Minas Gerais ou qualquer outro órgão proibir que as pessoas expressem seus pensamentos. Veja bem, há limites claros, como não empregar a liberdade de expressão para cometimento de injúrias ou calúnias, mas, você não pode proibir que alguém se manifeste. Então, me parece muito estranho o que está acontecendo. Repito, é necessário, para opinar com mais cuidado, saber quais são os fundamentos dessa proibição, os argumentos, mas, em primeiro me contato, me parece bastante estranho”.

Argumentos genéricos, ele esclarece, também não podem caber como explicação para qualquer proibição do gênero. “O Direito não é secreto. Nós estamos em um Estado, ou devemos estar, em um Estado Democrático de Direito, ou seja, todos os atos de quaisquer autoridades têm que ser seguidos de uma justificativa. É a essência da democracia”. O especialista reforça ainda que não há previsão legal específica para o tipo de proibição que teria sido imposta a Marco Aurélio Silva, pai de Lorenza.

“Pode existir um pedido de colaboração. Claro que, se as investigações estão correndo, principalmente em segredo, você não pode, por exemplo, burlar o segredo da investigação ou ir atrás de uma informação e divulgá-la. Essas são situações bem diferentes do que parece estar acontecendo. Portanto, me parece que não é nenhum desses casos. Muitas vezes essa argumentação de que algo está atrapalhando as investigações é uma justificativa genérica. Então, é necessário que tenhamos cuidados com essas justificativas-padrão”. 

O docente da Faculdade de Direito da UFMG acrescenta a importância de um olhar delicado dos setores de comunicação sobre proibições semelhantes. “O papel da imprensa é livre, é necessário estar atento ao que acontece para cobrar explicações racionais. O que tem que ser pedido é que seja esclarecido detalhadamente o porquê disso (da proibição) para que se possa denunciar qualquer abuso de autoridade, qualquer restrição à liberdade de expressão para proteger determinadas pessoas ou o interesse de determinadas categorias. Não estou falando que aconteceu isto nesse caso específico”, pondera.

Transparência

Em nome da lisura esclarece-se que às 15h24 de terça-feira (6), a reportagem encaminhou por e-mail um pedido de posicionamento para o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em relação à proibição que teria sido imposta pela corregedoria à família de Lorenza Maria Silva Pinho. Os seguintes pontos foram indagados: “qual a argumentação do Ministério Público de Minas Gerais para determinar que eles (família) estejam proibidos de falar com a imprensa?”, “a proibição foi notificada por meio de algum documento? Se sim, poderiam enviá-lo?”, “a proibição se restringe a conversas com a imprensa sobre a investigação, ou estão proibidos de falar sobre qualquer assunto?”, “há validade para essa proibição?”. O horário limite para retorno foi marcado às 18h.