Apesar de e-mails e documentos terem comprovado que a Vale sabia do risco iminente de rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, de a Polícia Federal (PF) ter concluído o inquérito e de o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ter formalizado denúncia, nenhum responsável pela tragédia foi responsabilizado criminalmente três anos após o desastre. Os denunciados pela Promotoria – que pediu o indiciamento do presidente da Vale à época, Fabio Schvartsman, e de outros 15 funcionários da mineradora e da empresa de consultoria alemã Tüv Süd – não são mais réus da Justiça do Estado. Isso porque, em outubro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou que, por haver acusações que envolviam órgãos reguladores da União e políticas nacionais, cabia à Justiça Federal dar seguimento à ação penal.
A decisão, tomada pelo desembargador convocado Olindo Menezes, não foi vista com bons olhos pela Promotoria Estadual, que vai tentar manter o julgamento do processo em Minas. “A decisão do STJ, embora respeitada, com ela não concordamos”, afirma o procurador geral de Justiça do Estado, Jarbas Soares Júnior. Segundo o chefe do Ministério Público, o pedido de reversão da decisão será levado ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o desejo é que os julgamentos aconteçam em Brumadinho.
“Vamos ao STF. Não há nenhuma acusação de crimes federais nem conflito de Ministério Público estadual e Federal, e muito menos de juízes estadual e federal. Nós entendemos que a competência é da Justiça Estadual e esperamos que o Supremo decida rápido, mantendo a competência do tribunal do júri de Brumadinho”, finaliza.
Impunidade
Enquanto os crimes da Vale não forem julgados, os parentes das 272 vítimas não terão paz, segundo a diretora da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da mina de Córrego do Feijão (Avabrum), Josiane Melo.
“Já estamos a três anos do crime, e não existe nenhuma condenação. Os responsáveis estão nas suas casas, com as suas famílias, e a gente está aqui com a dor, com o choro e o luto. O que a gente quer muito é que haja justiça para que isso nunca mais se repita”, diz
Denúncias
Com a mudança do foro da ação, deixaram de ser válidas denúncias de homicídio qualificado por 272 vezes (número total de mortos na tragédia) e crimes ambientais contra a fauna, a flora e de poluição.
Achar as seis ‘joias’ na lama é a maior luta
Nossa maior bandeira hoje é pelo encontro das seis ‘joias’ que ainda estão lá na lama”, afirma Josiane Melo, diretora da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da mina de Córrego do Feijão (Avabrum), criada por familiares das vítimas, em referência ao termo usado pelo Corpo de Bombeiros para falar dos desaparecidos. “São seis famílias que ainda não tiveram o alento de enterrar seus parentes. É uma angústia muito grande”, diz.
A paisagem devastada pelo mar de lama ainda é local de trabalho para a corporação, que luta desde o primeiro dia para encontrar todos os corpos. Cerca de 4.200 militares já passaram pela operação, que se reinventa a cada semana.
“Já passamos por oito estratégias de buscas, e todas elas são realizadas semanalmente para justamente apresentar algo que continue dando resultado”, explica o tenente Pedro Aihara, porta-voz da corporação. A chuva destruiu acessos usados pelos bombeiros, e a operação está suspensa. A data prevista para a retomada é o próximo dia 8 de fevereiro.
Vale diz que tem cumprido obrigações
Procurada pela reportagem em relação às reclamações acerca dos problemas relacionados aos rejeitos de minério de ferro depositados no fundo do rio Paraopeba, que agravaram as enchentes em Brumadinho e em outras cidades em Minas Gerais, a mineradora respondeu que o impacto do rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão nessas enchentes ainda é apurado e que, enquanto isso, o trabalho de apoio às regiões afetadas é realizado.
No texto, a empresa negou que a lama que invadiu imóveis em Brumadinho neste mês seja tóxica. “A empresa está prestando apoio para as comunidades localizadas às margens do Paraopeba, entre Brumadinho e Pompéu, e avaliando os eventuais efeitos causados pelos alagamentos que possuem relação com os impactados do rompimento da barragem B1 em 2019”, diz trecho da nota da Vale.
Valores
A empresa afirma que cumpre o combinado com governo e Justiça do Estado e que já pagou quase R$ 20 bilhões no processo de reparação.
Sobre danos a saúde mental da população, a mineradora destacou o atendimento de 3.300 pessoas no Programa Referência da Família, que conta com uma equipe de profissionais especializados.
Descomissionamento é utopia
Aprovado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 2019, após o rompimento da barragem em Brumadinho, o projeto de Lei Estadual "Mar de Lama Nunca Mais" determinou o descomissionamento de todas as barragens a montante do Estado. O prazo para conclusão dessas obras termina mês que vem. No entanto, segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente, das 54 barragens que teriam que ser descomissionadas, apenas cinco estão dentro do prazo estabelecido para a mudança. Outras 42 já informaram que não vão cumprir o estabelecido.