A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) não tinha autorização da Justiça para ir ao apartamento da delegada Monah Zein, que ficou reclusa por cerca de 31 horas no prédio do bairro Ouro Preto, na região da Pampulha, em Belo Horizonte. A informação foi confirmada para a reportagem de O TEMPO nesta quinta-feira (23 de novembro) pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG). A PCMG, no entanto, pontuou que seguiu uma determinação feita após o "incidente ter se iniciado", sem explicar o que seria o fato considerado "incidente". Para especialistas, o caso precisa ser investigado, a fim de verificar se houve irregularidades ou não durante a operação.

"A medida cautelar foi cumprida, em observância à ordem judicial, tendo sido fruto de representação formulada após o incidente ter se iniciado", disse a Polícia Civil, por meio de nota. A instituição se limitou nos esclarecimentos e pontuou que mais detalhes sobre o caso serão repassados em coletiva de imprensa nesta quinta-feira (23).

Conforme o especialista em segurança Jorge Tassi, é preciso analisar as supostas mensagens enviadas pela delegada para verificar se houve algum tipo de irregularidade na ação policial. “Se elas indicam o autoextermínio, isso autoriza a entrada para prestar socorro a pessoa sem necessidade de uma autorização judicial. É algo de urgência, como forma de preservar a vida”, explica. 

Para Tassi, caso as mensagens não indiquem essa condição de risco, a mobilização ocorreu de forma ilegal. “Iria caracterizar uma violação judicial e abuso de poder, principalmente por se tratar de uma autorização policial. Isso implicaria em uma investigação e até mesmo punições”, acrescentou.  

Em seu inciso XI, do artigo 5°, a Constituição Federal considera a casa como um “asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador”. O texto, no entanto, apresenta quatro condições que permitem o acesso a residência: “caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. 

“Se essas supostas mensagens enviadas pela delegada indicam essa possibilidade de autoextermínio, a operação da Polícia Civil se enquadra nesta condição de prestar socorro. Ou seja, sem irregularidades. Porém, tudo precisa ser apurado”, concluiu.

Questionamento da defesa e justificava da Polícia Civil

Durante as negociações, os advogados da delegada questionaram a falta de uma autorização da Justiça para a mobilização das equipes policiais. Eles reforçaram as denúncias feitas pela profissional, que afirmou ser vítima de “perseguição” e de “retaliações” durante o exercício da profissão. Na porta do imóvel, a advogada Jucelia Braz, que também representou Monah, disse que as situações de assédio teriam motivado toda a situação.  

"Infelizmente, é conhecimento de todos os casos de assédio moral que cometem contra os policiais, principalmente contra as mulheres, que sofrem dentro da Polícia Civil, então, vamos tomar algumas providências para tentar acalmá-la e tirá-la de dentro o mais rápido possível", relatou nesta quarta-feira (22). 

O porta-voz da instituição, o delegado Saulo Castro, justificou que as equipes foram até a residência após terem acesso as mensagens da servidora, que sugeriam uma situação de risco contra a própria vida dela. 

“Nesse sentido, os próprios colegas do local de trabalho vieram para cá acompanhados dos profissionais do nosso Centro Biopsicossocial, no intuito de acolher a colega e preservá-la", argumentou durante coletiva de imprensa realizada nesta quarta-feira (22).

Ainda conforme Castro, a conversa inicial não teria se "desdobrado" como a polícia imaginava. "A colega estava um pouco mais exaltada e, diante desse cenário de crise, a partir dos protocolos a Polícia Civil julgou necessário chamar a Core, para iniciar essa negociação", completou. 

Delegada permanece internada  

Após deixar a residência no fim da tarde desta quarta-feira (22), a delegada foi levada por uma ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) para um hospital da capital, onde permanece internada.

O caso  

Os policiais chegaram ao endereço da delegada por volta das 9h desta terça-feira (21) e subiram as escadas do prédio equipados com escudos de proteção. Houve um contato entre a policial e os demais agentes, que tentaram disparar um teser contra ela.   

A mulher, em seguida, teria efetuado pelo menos três disparos, sem atingir nenhum policial. Desde então, ela se trancou no apartamento e ficou incomunicável. A informação sobre os tiros foi confirmada pela Polícia Civil em nota, que pode ser lida na íntegra ao término da reportagem.  

Versão da delegada  

A servidora realizou uma live durante a tarde desta terça-feira (21), mostrando parte da abordagem e da negociação feita pelos policiais. Na transmissão, ela acusou vários servidores da Polícia Civil de assédio. "Eles tiraram minha saúde, vocês não têm ideia do que fizeram. Foi torpe, foi vil", disse. Ela afirmou ainda que a entrada dos policiais em seu prédio é uma violação. "Eles não têm mandado [judicial]. Agora, eu que estou presa em cativeiro", continuou.    

Monah relatou, durante o vídeo, que deveria ter voltado para o serviço nesta terça-feira (21). No entanto, não quis comparecer à delegacia. "Isso é um absurdo, eles tiram a minha vida e vêm aqui. Trabalho para pagar psiquiatra e advogado", disse. Monah esclareceu que, em nenhum momento, disse que tiraria a própria vida. "Não tenho coragem de tomar banho [por ter medo do meu apartamento ser invadido], querem que eu entregue minha arma. Como vou ficar aqui desarmada?", questionou.  

Durante a noite, em um post nas redes sociais, ela afirmou a Polícia Civil transformou a situação em um “teatro adoecedor”. Ela também criticou a presença dos policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE) à porta de sua casa, negou ter pensado em cometer suicídio e acusou a instituição de assédio. "Nem traficante passa por essa humilhação às 23h. Retirem essas pessoas da porta da minha casa", solicitou a delegada. Além disso, expressou sua intenção de dormir e, no dia seguinte, buscar "o Exercício" ou "mudar de cidade". "Estão perturbando meus vizinhos, fazendo parecer que sou louca. Nem criminoso passa pelo que estão fazendo comigo", acrescentou a delegada.  

Negociações e mãe da delegada 

A mãe da delegada Monah Zein chegou ao apartamento da filha após viajar do Paraná até Minas Gerais na noite de terça-feira (21). A familiar de Monah entrou pela garagem do prédio sem falar com a imprensa em uma viatura da Polícia Civil.   

Os policiais decidiram procurar familiares da delegada com o objetivo de convencê-la a deixar o apartamento. Há preocupação com o quadro de saúde dela. A mãe pegou um voo às pressas, desembarcou no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, e recebeu escolta policial até o apartamento. Nas redes sociais, a delegada questionou a estratégia dos policiais. “Pegam uma mãe que não entende que eles não são meus amigos. Cabeça explodindo”, publicou.