Sem água, luz e comida

Vídeo: cem terceirizados da Cemig denunciam trabalho análogo à escravidão em MG

O Ministério Público do Trabalho recebeu a denúncia de suposta situação análoga a escravidão. Já a Cemig diz que vai intensificar as fiscalizações no local e ouvir os trabalhadores

Por Alice Brito
Publicado em 20 de março de 2024 | 15:38
 
 
Trabalhadores estariam sendo informados que vão receber "pão com carne moída" para matarem a fome Foto: Reprodução vídeo/redes sociais

Ao menos cem funcionários de uma empresa terceirizada da Cemig, localizada na área rural de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, denunciaram viver em situação análoga à escravidão. O caso foi registrado, nessa terça-feira (19), no Ministério Público do Trabalho (MPT). O procedimento padrão é que, após o recebimento, o órgão analise a situação. A Cemig, por sua vez, informou que teve conhecimento das denúncias por meio da reportagem. A companhia garantiu que vai intensificar as fiscalizações no local de trabalho. A empresa terceirizada é responsável pela geração de energia limpa por meio de placas de energia solar em uma usina de fotovoltaica.

Em vídeos divulgados pelos próprios funcionários nas redes sociais, cerca de cem pessoas apontam diversos problemas em um local que seria o alojamento dos trabalhadores. Conforme os relatos, os dormitórios seriam feitos de lona (ou material parecido), semelhantes a containers. Além disso, os trabalhadores estariam vivendo sem água e sem energia elétrica. As condições para alimentação também não seriam apropriadas.

Entre os relatos entregues ao Ministério Público do Trabalho, os funcionários relataram que, nem sempre, recebem as refeições para o almoço e o jantar. Em algumas situações, quando as marmitas chegam, os funcionários percebem que os alimentos estão estragados — o cenário, segundo eles, é agravado pelas altas temperaturas registradas no Norte de Minas, além das condições precárias do alojamento.

Nas gravações, os trabalhadores informam que a situação no alojamento se agravou no último sábado (16). Nessa data, o relógio da Copasa foi retirado do local, de acordo com os relatos. "Tivemos que fazer um 'gato' no relógio da Copasa para não ficar mais sem água", disse uma fonte, sem se identificar.

Transporte inseguro

Outra denuncia tem relação com o transporte entre o alojamento e a usina. Conforme os denunciantes, os veículos não oferecem as condições necessárias de segurança.

Pão com carne causa revolta

Em outro vídeo, enviado à equipe de O TEMPO, é possível ver trabalhadores — que seriam da terceirizada em questão — exaltados pedindo por regularização da alimentação. Na mesma gravação, um grupo de pessoas, que seriam gestores, afirma que enviará, diariamente, pão com carne até que o jantar seja entregue.

"Vamos entregar um pão com carne moída, um refrigerante e, à noite, janta pra todo mundo", disse um possível representante da empresa na gravação. No momento da oferta, os trabalhadores se mostraram insatisfeitos com a situação.

Após o encontro, os trabalhadores resolveram paralisar as atividades e pedir ajuda de advogados para garantir os direitos que estariam sendo negados. "Estamos cruzando os braços a partir de hoje, já que não existe conversa com os chefes. Eles cortaram o Wi-Fi do alojamento para que a gente parasse de postar nossas reclamações, mas isso não adiantou nada. Não vamos parar de denunciar esses maus-tratos. Só queremos o básico: acesso água, luz e comida", reivindicou um trabalhador sob a condição de anonimato.

Trabalhadores de terceirizada da Cemig denunciam situação degradante de trabalho. O Ministério Público do Trabalho recebeu a denúncia de suposta situação análoga a escravidão e afirma que vai analisá-la. Já a Cemig diz que vai intensificar as fiscalizações no local e ouvir os… pic.twitter.com/oJlWem3Mjp

— O Tempo (@otempo) March 20, 2024

Advogado dos denunciantes

O advogado trabalhista Ricardo Grossi confirmou que foi registrada uma denúncia de trabalho análogo à escravidão no Ministério Público do Trabalho (MPT). Conforme a denúncia, a situação fere a Norma Regulamentadora número 15 (NR15), que dispõe sobre a exposição de trabalhadores a atividades insalubres de forma geral.

"Fazem parte dessa lista condições que garantem a qualidade de vida no trabalho. Nos alojamentos é necessário a garantir o acesso à iluminação, àgua e condições para moradias adequadas", destacou.   

O que diz o MPT

Sobre o caso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) informou que, às 12h30 desta terça-feira, foi aberta a NF 157/2024, "que está aguardando distribuição", para possível abertura ou não de processo.

O que diz a Cemig

Por meio de nota, a Cemig informou que realiza vistorias no espaço, porém, em razão dos relatos citados na reportagem, intensificará a rotina de fiscalizações "das condições de trabalho nas obras da usina". As inspeções abrangem também os alojamentos, as cozinhas das empresas que fornecem alimentação e os veículos de transporte. Nessa empresa específica, foram feitas 30 inspenções em 2024, nas quais, "não foram identificadas as condições citadas na reportagem". 

"Todas as inspeções seguem a Norma Regulamentadora Nº 24, do Ministério do Trabalho, que trata de das condições sanitárias em Locais de Trabalho. A Cemig informa ainda que, em razão dos relatos citados na reportagem, intensificará a rotina de fiscalizações nesse empreendimento, com novas vistorias ainda nessa semana".

O que diz a empresa terceirizada

A empresa terceirizada também foi procurada pela reportagem. Mas, até a publicação desta matéria, não respondeu. A matéria será atualizada quando a reportagem receber o posicionamento.