Circular dentro dos limites da avenida do Contorno dá uma amostra da potência da economia criativa de Belo Horizonte, metrópole que completa 126 anos no dia 12 de dezembro de 2023. Ao redor da praça Raul Soares, vê-se o Mercado Novo, com sua variedade de bares e ateliês, a varanda cheia de novidades gastronômicas da Galeria São Vicente e as pinturas gigantes do Circuito de Arte Urbana (Cura). Rumando à praça Sete, vê-se o P7 Criativo, com 25 andares projetados por Oscar Niemeyer e múltiplas empresas que dividem o mesmo espaço. Nos bares da Mascate, é possível apreciar receitas originais dos criadores da Xeque Mate, bebida que hoje toma outros Estados do Brasil. Fora restaurantes de chefs consagrados, como Caio Soter e Léo Paixão.
Mas a criatividade não obedece os limites da Contorno e se espalha por todas as regiões da capital. A descentralização é um convite a conhecer iniciativas de Venda Nova ao Barreiro, mas enfrenta desafios. BH tem 487 bairros, mas somente seis, classificados como centrais pela Empresa Municipal de Turismo (Belotur), concentram cerca de 14% de todos os negócios criativos da cidade — Buritis, Centro, Lourdes, Savassi, Santa Efigênia e Sagrada Família.
Os dados são do levantamento mais recente da Belotur, publicado em 2022. O próprio documento reconhece a centralização da economia criativa: “as atividades criativas tendem a se concentrar em um determinado espaço da cidade. Estas aglomerações usufruem da concentração empresarial, fluxo de pessoas e amenidades urbanas, que facilitam o desenvolvimento dos seus empreendimentos”, diz.
A centralização da economia criativa é pauta na Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), que prepara um grupo de trabalho para discutir ações de parceria com o setor, com especial atenção à moda. “O consumidor que acessa esse tipo de serviço [da economia criativa] está tradicionalmente na região Centro-Sul. Mas isto está sendo redefinido. Hoje, percebemos uma democratização do entendimento sobre a economia criativa graças a iniciativas de empreendedorismo. Em Belo Horizonte, quase 50% da economia criativa são formados por microempreendedores”, diz a secretária municipal adjunta de desenvolvimento econômico, Chyara Pereira.
Belo Horizonte tem cerca de 122 mil trabalhadores formais na economia criativa, segundo a Belotur, o que faz da capital a terceira cidade do país com maior contingente de pessoas empregadas na área. O setor reúne áreas diversas relacionadas à criação, que vão das artes ao desenvolvimento de software, passando pela gastronomia e pela moda. Para levar esses empregos para além da região central da cidade, o idealizador e gestor do Viaduto das Artes (@viadutodasartes), espaço cultural no Barreiro, Leandro Gabriel, trabalha na capacitação da comunidade local e de egressos do sistema prisional para atuarem no café do espaço.
“Nossos professores baristas são juízes de campeonatos nacionais de café e têm muita relação com cafeterias do Barreiro, então quem tiver um bom desempenho será direcionado a elas, porque têm uma demanda muito grande. Até para servir o café, a pessoa precisa falar sobre o que está servindo”, pontua. O café do Viaduto das Artes será administrado pelos estudantes que se mostrarem aptos a trabalhar na iniciativa e deve ser inaugurado para o público no primeiro semestre de 2024.
Outra frente de trabalho do Viaduto das Artes é a moda. Em um espaço de 700 m² cedido pelo Via Shopping, começará a funcionar no próximo ano um ateliê coletivo, com oficinas para quem quer entrar nesse mercado e mão de obra para estilistas barreirenses. “A ideia é dar visibilidade para a moda que é feita no Barreiro e ser um polo, porque temos vários estilistas aqui”, diz Leandro.
No outro extremo da cidade, em Venda Nova, a adaptação do mercado ao trabalho remoto impulsiona o trabalho do produtor audiovisual André Octopus (@octopusfilmes). Ele avalia que, ainda hoje, ter um escritório na região Centro-Sul da cidade faz diferença para os negócios, mas pondera que para alguns setores, como o dele, isso tem mudado após o home office, que fez de sua casa seu endereço comercial. “A internet amplia oportunidades, porque bancar aluguel em um lugar que é comercialmente visto como melhor, como a região Centro-Sul, acaba ficando mais caro”, pontua.
Ele produz vídeos para empresas e, cada vez mais, investe em documentários autorais com verba de editais públicos. Neste ano, estreou “Reconciliar”, em que reconta a história do Córrego do Capão, em Venda Nova, e foi vencedor do edital municipal BH nas Telas. “A descentralização é bem incipiente. Conheço poucas pessoas que se prestam a participar dos editais, por muitas dificuldades, falta de acesso à informação, de como se faz. Nós batemos muito a cabeça para conseguir. É mais fácil você passar quando já ganhou outros, e o currículo na Centro-Sul está sempre privilegiado, com muitos editais”, acrescenta Octopus.
Gastronomia é uma força da economia criativa em BH
Belo Horizonte é oficialmente a capital com a maior quantidade de bares do Brasil, como foi comprovado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) neste ano. A Unesco reconhece a capital como uma Cidade Criativa da Gastronomia. Não à toa, o setor gastronômico de Belo Horizonte comporta quase 38% de toda a economia criativa belo-horizontina e emprega 40 mil profissionais, segundo a Belotur.
Também neste setor, os estabelecimentos aglutinam-se na área central. A região Centro-Sul concentra 19% das empresas, seguida pela Oeste (11,5%) e Noroeste (11%). Na Pampulha, que reúne quase 11% dos empreendimentos, a Vila Rica (@vilaricapampulha) funciona há duas décadas com cinco restaurantes, consultórios médicos e uma feira ocasional.
Com construções inspiradas em cidades históricas de Minas Gerais, o espaço se divide em ruelas e pequenos morros, que hoje são cenário costumeiro em fotos nas redes sociais. “As pessoas se transportam cada uma para onde têm referência: umas falam que é a Europa; outras, Tiradentes; algumas, Arraial d’Ajuda”, diz o fundador da Vila Rica, Décio Chami.
Organizada pela filha de Décio, Érika Chami, a Feira Vila Rica Pampulha (@feiravilaricapampulha) reúne artesanato, moda e gastronomia. “Esse conceito visa incentivar artesãos e pequenos produtores a estabelecerem preços justos e ampliarem seu acesso ao mercado, promovendo o desenvolvimento sustentável e a agricultura familiar. Pequenos produtores, artesãos e autônomos não estão concentrados apenas no centro da cidade. Eles são moradores e estão distribuídos por todas as regiões de Belo Horizonte e do Brasil”, conclui.