Clone

Golpe da falsa carta de crédito engana pela alta sofisticação

Bandidos usam nome e sobrenome de funcionária e imitam até opções de atendimento telefônico

Por Rafaela Mansur
Publicado em 05 de agosto de 2019 | 08:35
 
 
Sigilo. Polícia recebeu a queixa da empresária e está investigando, mas não fornece informações para não atrapalhar o processo Foto: Reprodução Google Street View

Um golpe longo, estruturado, cheio de burocracias e com aparência profissional levou uma empresária de Belo Horizonte, que não quer ter o nome revelado, a perder quase R$ 100 mil na compra de uma falsa carta de crédito. Os golpistas se passaram por representantes do banco Inter, em uma fraude com direito até a papel timbrado da instituição.

Tudo começou quando a empresária decidiu comprar um carro novo e foi indicada a um homem que dizia ter um investimento atrelado a um veículo. Ele disse que venderia a carta de crédito a ela, e pediu à vítima para entrar em contato com uma suposta gerente do banco, que a informaria sobre os procedimentos necessários.

A empresária ligou para o número fornecido pelo homem como sendo do banco, e encontrou as mesmas características do atendimento telefônico da instituição verdadeira – desde a música a até as opções de discagem. A suposta gerente orientou a vítima a ir à concessionária de sua preferência, escolher o carro e enviar para ela uma proposta assinada pelo vendedor.

Ela solicitou, ainda, documentos da empresária para a elaboração do contrato – que, em papel timbrado do banco, informava que o dono da suposta carta estava cedendo o crédito à vítima.

A empresária e o homem assinaram o contrato e reconheceram firma em cartório. Depois de todo esse processo, que durou em torno de um mês, ela pagou R$ 99 mil, por meio de boleto em nome da empresa dele e de transferência bancária, tudo formalizado pela suposta funcionária do banco.

Pelo contrato, a instituição pagaria à concessionária, e o carro seria entregue à compradora em 45 dias. Mas, antes disso, a irmã da vítima desconfiou que havia algo errado e a empresária cancelou a compra – senão, além dos R$ 99 mil perdidos, ela teria que pagar também o carro à concessionária, que não teve nenhuma participação no golpe. A vítima procurou o banco, pelo telefone oficial informado no site, e descobriu que existe, de fato, uma gerente com o mesmo nome e sobrenome informados pela mulher com quem ela tinha conversado – mas não eram a mesma pessoa.

“Ela me falou que os documentos do banco tinham sido clonados, com informações de funcionários e clientes, e que era uma fraude”, diz. “A suposta funcionária falava sobre taxas de investimento, é uma pessoa com propriedade no assunto, e o processo todo foi muito burocrático, como normalmente é”, conta a vítima. Ela optou por investir na carta de crédito porque o carro sairia mais barato do que diretamente na concessionária.

A vítima registrou ocorrência na polícia e pretende processar o banco. “Na delegacia, me falaram que o golpe tem uma sofisticação muito grande. O banco tinha ciência de que as informações foram clonadas e não tomou providência para alertar ninguém. Outras pessoas ainda podem cair nessa fraude”, reclama.

Investigação

Procurada pela reportagem, a Polícia Civil informou apenas que o caso está sendo apurado e não divulgaria outros detalhes “para não atrapalhar as investigações”.

Cliente só deve usar os canais oficiais

O Banco Inter não se pronunciou sobre o golpe contra a empresária. Em nota, a instituição informou apenas que não entra em contato com clientes para oferecer cartas de crédito contempladas nem solicita o envio de documentos para a contratação de consórcio de automóveis. “Caso o correntista receba alguma mensagem suspeita, deve desconsiderar e só utilizar os canais oficiais de atendimento”, declarou.

Em agosto do ano passado, o banco admitiu que dados de correntistas foram vazados após um incidente de segurança da informação em maio. O banco informou, à época, que acreditava-se que uma pessoa autorizada a atuar nos sistemas teria, após uma tentativa frustrada de extorsão, divulgado sem autorização as informações de uma pequena parcela dos clientes.

O Ministério Público do Distrito Federal apurou o caso e concluiu que os dados cadastrais de 19.961 correntistas foram expostos. Em dezembro, o banco fechou acordo com o órgão para pagamento de multa de R$ 1,5 milhão. Questionada pela reportagem se o golpe tem relação com esse vazamento, a instituição não respondeu. (RM)

Desconfie de valores tentadores demais

Golpes envolvendo instituições bancárias estão cada vez mais comuns e aprimorados, segundo o economista e professor do Centro Universitário Newton Paiva Louis Vieira. “Essas pessoas estão muito bem preparadas e resguardadas. Esse tipo de golpe não é feito por qualquer um, exige conhecimento. O golpista tem que saber como funciona uma instituição financeira internamente e ter um poder de persuasão muito grande”, afirma, ressaltando que é preciso desconfiar de valores tentadores demais.

Ele aconselha os interessados em cartas de crédito a pesquisar bem a origem e a procedência da instituição financeira responsável e, se possível, a ir pessoalmente à agência bancária.

O professor explica que, na modalidade de carta de crédito, as pessoas investem um valor e o resgatam após um período determinado de tempo, na forma de bem móvel ou imóvel. “Eu não vejo vantagem quanto à rentabilidade, mas, para alguns, se torna vantajoso porque é uma forma de direcionar o dinheiro, em mensalidades dentro do orçamento, para algo”, pontua. (RM)