O acordo entre 136 países para a cobrança de um imposto mínimo mundial sobre os lucros das grandes multinacionais, a partir de 2023, só deve começar a valer em 2024. A implementação do novo tributo só foi aprovada no fim do ano passado na União Europeia, o que adiou o início do recolhimento desses valores. O total arrecadado seria usado no combate à fome e à desigualdade social no mundo.
Em 2021, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) conseguiu reunir os chefes de Estados, que acordaram em criar o novo imposto para as empresas, em duas fases: uma estabelecendo que até 25% do lucro das corporações deve ser repartido entre os países onde as companhias operam e outra determinando o imposto mínimo de 15% para empresas que tenham faturamento anual acima de 750 milhões de euros, o equivalente a R$ 4,2 bilhões. Este último seria dividido entre as nações mais pobres.
Para que o imposto mínimo global começasse a valer já em 2023, todos os países que fecharam o acordo deveriam ter assinado uma convenção multilateral em 2022. Por isso, a expectativa agora da OCDE é a aprovação neste ano e o início da cobrança em 2024. Na semana passada, a OCDE soltou um comunicado, estimando que o novo imposto deveria gerar US$ 220 bilhões por ano em receitas fiscais adicionais para os países.
Também na última semana, a Oxfam, rede internacional que atua em mais de 80 nações no sentido de reduzir a miséria, apresentou um relatório no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, apontando o aumento da desigualdade no mundo entre 2021 e 2022. A organização defendeu a tributação dos super-ricos como caminho para solucionar a crise econômica. No mesmo evento, mais de 200 milionários apresentaram uma carta aos líderes políticos pedindo para pagarem mais impostos.
De acordo com os dados da Oxfam, o homem mais rico do mundo, Elon Musk, dono da Tesla, da SpaceX e do Twitter, tem uma fortuna avaliada em quase US$ 200 bilhões e paga pouco mais de 3% de impostos, enquanto a comerciante Aber Christine, de Kampala, na Uganda, ganha US$ 80 por mês vendendo farinha, arroz e soja e paga 40% de impostos.
O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Paulo Dantas da Costa, afirma que a situação no Brasil é parecida com a citada na comparação da Oxfam, onde quem é pobre paga mais impostos, proporcionalmente, do que os ricos. Ele também é a favor de uma tributação internacional sobre as movimentações financeiras entre países, que seja cobrada por um ente global e não baseada em práticas nacionais, a fim de que estes fundos sejam usados para o combate à fome e à miséria.
O difícil, segundo o economista, é conseguir organizar esta cobrança em nível mundial. “O Elon Musk tem US$ 200 bilhões. A pergunta é: quem vai tributar? Se o domicílio fiscal dele for nos Estados Unidos, na Inglaterra ou no Brasil, os instrumentos de tributação que conhecemos realizarão uma tributação nos padrões nacionais – me refiro ao imposto de renda. Como transformar isso em algo internacional? Por enquanto, não tem solução”, analisa.
A discussão sobre a cobrança de um imposto global para reduzir a desigualdade no planeta não é nova. Ela foi proposta pelo vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1981, o norte-americano James Tobin. Para o presidente da Cofecon, a única forma de fazer isso é tributando as movimentações financeiras mundiais direto na fonte. “O último dado que vi foi de abril do ano passado, US$ 7,5 trilhões rodam o globo terrestre diariamente. Meu foco é criar um modelo de tributação em cima dessa movimentação de recursos”, explica.
E Costa lembra que o Brasil já teve um imposto assim: a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). “Nós brasileiros tivemos a CPMF. A minha ideia é aquilo ali, cobrar um valor que eu estimo em 0,1%, sem deixar de mencionar que Tobin chegou a falar em 1%, destinando estes recursos a um fundo que fosse resolver a questão da pobreza”, completa.
O economista é cético em relação ao resultado prático do imposto mínimo global sobre as grandes multinacionais. “Tem aquela deficiência que falei: cobrar tributos nacionais. Depende fundamentalmente da generosidade das grandes nações. Não podemos contar com isso. O que defendo são coisas como o que temos aqui no Brasil: você paga seu imposto e é retido na fonte, você pode ficar contrariado, mas o imposto está sendo cobrado. É automático. E é o que eu gostaria que fosse criado no mundo. Qual é o fato gerador? Movimentação financeira internacional”, avalia.
A economista e professora de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni, também é a favor da cobrança do imposto mundial para reduzir a desigualdade. “A proposta do presidente do Conselho Federal de Economia veio em excelente momento”, concorda. E ela acredita que a Organização das Nações Unidas (ONU) deveria ser a responsável por fazer a cobrança do tributo. “Isto deveria ser gerido por um ente internacional, que se imagina que seria a ONU, e aí precisaria ser criada uma agência específica das Nações Unidas para poder recolher este imposto e fazer um melhor aproveitamento dele”, explica.
Relatório da Oxfam
Segundo a organização, desde 2020, a parcela de 1% das pessoas mais ricas do mundo ficou com quase dois terços de toda a riqueza gerada no planeta - cerca de US$ 42 trilhões. O valor é seis vezes maior ao arrecadado por 90% da população mundial (7 bilhões de pessoas) no mesmo período.
A Oxfam também estima que um imposto de até 5% sobre os super-ricos poderia gerar US$ 1,7 trilhão por ano, o suficiente para tirar 2 bilhões de pessoas da pobreza e financiar um projeto para acabar com a fome no mundo.