A prisão de Ricardo Nunes, 50 anos, efetuada nesta quarta-feira (8) pela operação Direto com o Dono, escancarou a inconsistência da imagem de self-made man vendida pelo fundador da Ricardo Eletro.
Acusado de sonegar pelo menos R$ 387 milhões em ICMS, o empresário, natural de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, lembrava com orgulho que havia começado a carreira aos 10 anos, vendendo mexericas na porta de uma faculdade local.
Dali, enfrentou, aos 12, a morte do pai. Aos 18, abriu a primeira loja, com 20 m², buscando mercadorias em São Paulo. Na virada do século, a empresa já figurava entre as cinco maiores redes varejistas de eletroeletrônicos do país.
A trajetória é contada em uma entrevista feita pela filha, a youtuber Lívia Nunes. A irmã dela, Laura, também foi detida ontem.
“O grande segredo da vida é não ter vergonha de trabalhar. Muita gente tem vergonha de trabalhar”, aconselha ele.
Com o crescimento da Ricardo Eletro, o mineiro alcançou notoriedade e simpatia de personalidades como Luciano Huck, que foi garoto-propaganda da rede.
Foi em 2010 que surgiram os primeiros indícios de irregularidades na biografia do mineiro. Em março, uma fusão da Ricardo Eletro com a Insinuante criou a gigante Máquina de Vendas.
Em setembro daquele ano, o auditor da Receita Einar de Albuquerque Pismel Júnior foi preso pela Polícia Federal flagrado com R$ 50 mil e US$ 4.000 em dinheiro vivo ao sair do escritório da empresa de Nunes, em São Paulo.
Segundo a Procuradoria da República, o dinheiro se tratava de propina. Em 2011, Nunes foi condenado a 3 anos e 4 meses por corrupção ativa pela Justiça Federal. A defesa recorreu, alegando inocência.
O fato não impediu que, três anos depois, Nunes, aos 44 anos, entrasse na lista dos mais ricos da revista “Forbes”, com patrimônio estipulado em R$ 1,52 bilhão.
Mas a bonança não durou muito. Em 2016, porém, a queda no valor de mercado das empresas de Nunes o retirou da lista. Em 2018, a crise levou o grupo empresarial a pedir recuperação extrajudicial, que foi homologada em 2019, mesmo ano em que Nunes deixou a empresa.
Dicas
Na mesma entrevista com a filha, em vídeo em que Nunes leva Lívia para conhecer a 25 de Março, maior centro comercial da capital paulista, o mineiro ressalta a importância da humildade para o sucesso.
“Não de ter ou não ter as coisas, é humildade que vem de dentro da gente, você saber respeitar as pessoas, ter gratidão”, diz ele.
Anteontem, o empresário voltou a dar conselho. Respondendo à pergunta de um seguidor nas redes sociais sobre como ter sucesso, ele foi claro: “A pessoa tem que aguentar apanhar. Quem aguenta mais porrada tem mais sucesso.”
Valor trataria 17,2 mil infectados por Covid-19 na UTI
Os R$ 387 milhões sonegados por Ricardo</CW> Nunes custeariam 241.875 diárias em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) para o tratamento da Covid-19 na rede do SUS.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, o Ministério da Saúde desembolsa R$ 1.600 por diária na rede hospitalar.
Com tempo médio em UTIs de 14 dias, segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), o valor manteria 17.276 pessoas em tratamento durante o período.
No total, o valor da sonegação manteria uma só pessoa infectada pela Covid-19 durante 662 anos numa UTI da rede do SUS.
Sonegação fiscal no país passa de R$ 325 bilhões só em 2020
Até esta quarta-feira (8), já haviam sido sonegados em todo o país cerca de R$ 325 bilhões em 2020, de acordo com o Sonegômetro, do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz).
No caso de Ricardo Nunes, os R$ 387 milhões sonegados se referem ao ICMS, tributo que é arrecadado pelos Estados, com parte sendo repassada a municípios.
Segundo o advogado tributarista Juselder Cordeiro da Mata, uma simplificação tributária poderia evitar a sonegação, já que cada um dos 27 Estados tem uma legislação própria, o que gera insegurança jurídica.
“A arrecadação tributária é importantíssima para que os entes federados possam prestar todos os serviços públicos”, diz.
De acordo com a força-tarefa da operação Direto com o Dono, porém, Nunes já gozava de benefícios tributários frente aos concorrentes, com alíquotas entre 5% e 10%, bem menos que os 18% habituais.