BRASÍLIA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou para a noite desta quarta-feira (9) uma reunião com ministros para tratar da decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras. A expectativa de aliados é que o governo brasileiro se manifeste sobre o assunto ainda hoje.
"O governo brasileiro deve tomar uma posição. Então, o presidente Lula deve falar, mas volto a dizer aqui para vocês: eu não consigo lembrar na história de um ataque tão grande à soberania e à democracia. E o ataque ao país se dá quando se ataca o Supremo, as instituições e a economia brasileira", disse o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias.
São esperados na reunião os ministros da Fazenda, Fernando Haddad; das Relações Exteriores, Mauro Vieira; de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, que também é vice-presidente. O governo deve discutir se irá negociar, adotar a reciprocidade ou retaliar a medida de Trump.
Trump anunciou a decisão na tarde desta quarta-feira, em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo ele, a medida foi tomada, entre outros motivos, pela forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em referência ao julgamento no Supremo Tribunal Federal por tentativa de golpe de Estado.
Ele também citou decisões do Supremo, sob relatoria de Alexandre de Moraes, que determinaram que empresas norte-americanas, como Rumble e X, retirassem conteúdos do ar e bloqueassem perfis. Para Trump, essas decisões representam censura e configuram ataques do Brasil contra eleições livres e contra a liberdade de expressão de cidadãos americanos.
“A forma como o Brasil tem tratado o ex-Presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, escreveu.
Nos últimos dias, o presidente dos EUA já havia saído em defesa de Bolsonaro ao afirmar ele é alvo de uma “caça às bruxas”. O julgamento no STF, do qual Bolsonaro e aliados políticos são réus, trata de uma suposta tentativa de golpe de Estado liderada por pelo ex-presidente para continuar no poder depois de ter perdido as eleições em 2022.
Antes da decisão de Trump, ainda nesta quarta-feira, o Itamaraty havia decidido convocar o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil após uma nota da representação americana endossar declaração do presidente do país, Donald Trump, em que ele criticou a atuação do Judiciário brasileiro em relação ao ex-presidente.
Procurado, o STF informou que não se posicionará sobre o comunicado de Trump.
Balança comercial
O endurecimento da política tarifária ocorre mesmo com a balança comercial entre os dois países sendo mais favorável aos EUA. Em 2024, considerando todos os setores, o Brasil exportou R$ 40,3 bilhões para os Estados Unidos. As importações de insumos norte-americanos, porém, somaram R$ 40,6 bilhões.
"A partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos, separada de todas as tarifas setoriais existentes. Mercadorias transbordadas para tentar evitar essa tarifa de 50% estarão sujeitas a tarifa mais alta", disse o republicano.
Trump argumentou que a tarifa de 50% é menor do que o necessário para se chegar a uma condição de igualdade. "E é necessário ter isso para corrigir as graves injustiças do sistema atual", escreveu. Após o aumento de taxas, Trump ameaçou novos aumentos, caso o governo brasileiro anuncie uma retaliação.
"Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos", ameaçou.
A tarifa de 50% só poderá ser revista, conforme o norte-americano, caso o Brasil decida abrir mercados comerciais que estão fechados aos Estados Unidos. Ele também colocou como condições a eliminação de tarifas, políticas não tarifárias e barreiras comerciais.
"Nós poderemos, talvez, considerar um ajuste nesta carta. Essas tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo do relacionamento com seu país. O senhor nunca ficará decepcionado com os Estados Unidos da América", finalizou Trump.
Com o anúncio de Trump, alguns setores da economia brasileira serão mais prejudicados. Entre eles estão as indústrias de alumínio e de aço, que já tinham uma alíquota de 25% estabelecida por Trump anteriormente. A nova taxação impõe, agora, uma tarifa de 75%.
Do total de produtos comercializados com outros países pelo Brasil em 2024, cerca de 12% do volume total foi destinado aos EUA. Os principais produtos exportados à indústria norte-americana pelo Brasil são óleos brutos de petróleo, produtos semimanufaturados de aço e ferro, aviões e café.
Queixas contra o Brics
A reação de Trump também tem como pano de fundo a reunião da cúpula do Brics, no Rio de Janeiro. O encontro reuniu representantes de 11 nações, entre elas o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Em uma rede social, Trump disse que as políticas do Brics são 'antiamericanas'.
Em sua declaração de líderes, divulgada no domingo (6), o Brics criticou medidas protecionistas adotadas no comércio global. "Reiteramos nosso apoio a um sistema multilateral de comércio baseado em regras, aberto, transparente, justo, inclusivo, equitativo, não discriminatório e consensual, com a OMC em seu núcleo, com tratamento especial e diferenciado (TED) para seus membros em desenvolvimento", destacou a declaração do Brics.
Leia a carta de Trump na íntegra
"Prezado Sr. Presidente:
Conheci e tratei com o ex-Presidente Jair Bolsonaro, e o respeitei muito, assim como a maioria dos outros líderes de países. A forma como o Brasil tem tratado o ex-Presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!
Em parte devido aos ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos (como demonstrado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro), a partir de 1º de agosto de 2025, cobraremos do Brasil uma tarifa de 50% sobre todas e quaisquer exportações brasileiras enviadas para os Estados Unidos, separada de todas as tarifas setoriais existentes.
Mercadorias transbordadas para tentar evitar essa tarifa de 50% estarão sujeitas a essa tarifa mais alta. Além disso, tivemos anos para discutir nosso relacionamento comercial com o Brasil e concluímos que precisamos nos afastar da longa e muito injusta relação comercial gerada pelas tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil. Nosso relacionamento, infelizmente, tem estado longe de ser recíproco.
Por favor, entenda que os 50% são muito menos do que seria necessário para termos igualdade de condições em nosso comércio com seu país. E é necessário ter isso para corrigir as graves injustiças do sistema atual.
Como o senhor sabe, não haverá tarifa se o Brasil, ou empresas dentro do seu país, decidirem construir ou fabricar produtos dentro dos Estados Unidos e, de fato, faremos tudo o possível para aprovar rapidamente, de forma profissional e rotineira — em outras palavras, em questão de semanas.
Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse déficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional!
Além disso, devido aos ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas, bem como outras práticas comerciais desleais, estou instruindo o Representante de Comércio dos Estados Unidos, Jamieson Greer, a iniciar imediatamente uma investigação da Seção 301 sobre o Brasil.
Se o senhor desejar abrir seus mercados comerciais, até agora fechados, para os Estados Unidos e eliminar suas tarifas, políticas não tarifárias e barreiras comerciais, nós poderemos, talvez, considerar um ajuste nesta carta. Essas tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo do relacionamento com seu país. O senhor nunca ficará decepcionado com os Estados Unidos da América. Muito obrigado por sua atenção a este assunto!
Com os melhores votos, sou,
Atenciosamente,
DONALD J. TRUMP
PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA"