Nos últimos anos, uma nova sessão encontrou espaço nas gôndolas de supermercados em Belo Horizonte e, além de garrafas de vinho e cervejas variadas, o consumidor encontra dezenas de latinhas de bebidas ready to drink. Parte de um mercado global com potencial bilionário, elas são drinks prontos para beber, comuns há anos nos EUA e na Europa, e ganhando espaço no Brasil — com protagonismo de BH.
Neste ano, a mineira Xeque Mate, queridinha do carnaval belo-horizontino, ganhou a folia em São Paulo. Fundada em BH em 2015, hoje a bebida à base de erva-mate, guaraná, limão e rum alcança cinco Estados e aumentou o faturamento seis vezes nos últimos 12 meses, segundo um dos sócios e diretor de produção, Gabriel Rochael.
Nos últimos meses, ela também cruzou fronteiras na própria capital mineira e chegou à única grande rede de supermercados em que não era vendida até então, o BH. “Quando criamos a bebida, nunca tínhamos ouvido falar em ready to drink, só queríamos fazer uma bebida gostosa. Mas é uma categoria em alta no mundo e vem roubando o mercado de cerveja nos EUA. Nos primeiros anos, tínhamos muita dificuldade em comunicar o que era a bebida e, agora, a Xeque Mate está tendo um papel de abertura de mercado”, diz Rochael.
O mercado das bebidas ready to drink movimentou US$ 32,9 bilhões globalmente em 2021 e, até 2030, chegará a US$ 85,5 bilhões anualmente, projeta a consultoria de negócios InsightAce Analytic. No Brasil, elas fizeram parte da vida de uma geração na forma da Smirnoff Ice, por exemplo, e foram modernizadas pela Ambev com as latinhas de Skol Beats. Em BH, ganham força no mercado artesanal, capitaneado pela Xeque Mate Bebidas.
A marca tem uma fábrica própria no bairro Serrano, na região da Pampulha e, desde o carnaval deste ano, ampliou a produção com uma planta parceira no Rio Grande do Sul. A empresa gera cem empregos diretos e produz aproximadamente 350 mil litros mensais. Agora, é parceira da Ambev para comercializar com varejistas ao redor do Brasil pelo aplicativo Bees, uma espécie de Zé Delivery para empresas, desenvolvido pela gigante das bebidas.
Por ora, não há margem para que a parceria vá além disso e que a Xeque Mate seja comprada pela Ambev ou por outra corporação, afirma Rochael. “Não temos interesse. Trazer um grande player pode prejudicar o nosso produto. Estamos trabalhando para ficar mais robustos, fortalecer a marca e, possivelmente, ter um aporte no futuro, mas não temos planos de entregar a empresa inteira”, declara.
Autenticidade é trunfo da produção local de bebidas
A praticidade é um dos propulsores das bebidas prontas, concordam os produtores — e o preço, em comparação aos drinks feitos diretamente no bar, é outro diferencial. O trunfo da produção artesanal, que levou anos para conquistar o consumidor, primeiro nos barris nos bares e, depois, nos supermercados, é a autenticidade, avalia outro dos fundadores da Xeque Mate, Pedro Carias, que já não é ativo na empresa.“O poder das marcas menores vem muito do fato de ser um produto feito com um pouco mais de carinho e com uma identidade muito bem trabalhada”.
Uma delas, a Yvy, conta com o empurrão da Ambev desde março deste ano. A mineira começou como produtora de gin em 2018 e, hoje, tem uma linha de drinks autorais em lata com ingredientes brasileiros — o Gin & Tônica, o Carimbó e o Xaxado. “Neste momento, estamos na Grande BH, no Triângulo Mineiro, em São Paulo, capital, e em Campinas, mas nossa intenção é abrir aos poucos para as principais capitais”, lista um dos fundadores da marca, André Sá. As bebidas utilizam ingredientes da Mata Atlântica, em sua maioria naturais, explica ele — o mais vendido, o Xaxado, leva uvaia, fruta típica da região. “Tentamos evitar que a lata fique acima de R$ 10 no supermercado”, pontua o fundador.
Marca belo-horizontina, a Yvy produz o Carimbó (Flávio Tavares/O Tempo)
A produção de cerca de 15 mil litros mensais de drinks prontos da empresa se concentra em uma fábrica no bairro Barro Preto, na região Centro-Sul, a poucos quarteirões do Mercado Novo, onde a Yvy tem uma loja própria. A ideia, diz Sá, é abrir o espaço ao público no próximo ano. Entre a produção de gin e dos drinks, a empresa tem cerca de 50 colaboradores diretos.
Também em expansão, mas menor, com uma dezena de funcionários, A Equilibrista é criadora do Gingibre e da recém-lançada Rubra. Neste ano, a empresa abriu uma fábrica própria de envase, após anos terceirizando a produção. “BH é um celeiro de bebidas. As pessoas estão começando a conhecer mais os drinks em lata, principalmente o pessoal que convive na região central da cidade, em eventos de rua mais alternativos. Esse foi o cenário que nos abraçou”, diz um dos sócios da marca, Guilherme Drager.
Gingibre une gin, gengibre e limão (Guilherme Maciel/A Equilibrista/Divulgação)
À base de gin, gengibre e limão, o Gingibre é vendido em barris nos bares e em lata nos supermercados Verdemar. Drager explica que a penetração em outras redes varejistas é difícil porque, após o “boom” dos gins mineiros, bebidas à base do destilado ficaram saturadas nas prateleiras. A Rubra, criação lançada oficialmente em fevereiro, aproxima-se do Aperol e do Campari, mas é menos amarga e ganha um toque de laranja, descreve Drager. A produção conjunta das duas varia de 30 mil a 50 mil litros mensais.
Rubra é o mais novo lançamento da fábrica A Equilibrista (Samuel Fischer/A Equilibrista/Divulgação)
A própria Xeque Mate estuda lançar mais dois sabores até o carnaval de 2024. Batizados em homenagem aos blocos de carnaval Alcova Libertina (com rum e melancia) e Swing Safado (com rum e manga), eles já são servidos, em barril, no bar próprio da empresa, o Mascate Runeria.
Eventos são laboratório para novas bebidas em BH
Os eventos de rua e festivais de música de BH estão intimamente relacionados ao avanço das bebidas prontas na cidade. Uma das viradas para o crescimento da Xeque Mate, por exemplo, foi a participação no festival Sarará, no Mineirão, em 2019. Criadores das ready to drink concordam que a efervescência desse mercado na cidade caminha junto com a nova escalada do cenário cultural de BH.
Novas marcas utilizam eventos como laboratórios de experimentação. Lançada neste mês, a bebida à base de vodca Maloa Ice, dos mineiros da marca Yellow Bird, deve estrear em eventos, projeta um dos criadores, Felipe Resende. “Os eventos estão de olho em tudo e sabem o que é tendência ou não, o que é moda, o que as pessoas estão bebendo”, sublinha.
Um dos grandes desafios das marcas pequenas, avalia ele, é justamente se tornar conhecidas pelo público nos eventos para competir pela atenção contra as grandes empresas. “Acredito que as bebidas inovadoras podem ser, daqui a alguns anos, as ‘novas Xeque Mate’. Uma marca como ela abre mercado para as bebidas prontas locais que não são da Ambev e o público fica mais aberto a experimentar”, completa.
Driblar o poder das grandes empresas nem sempre é possível, entretanto. “As gigantes estão no nosso caminho e trabalham intensamente para frear nosso crescimento. Temos parceria com um cliente, por exemplo, aí vem uma gigante e oferece dinheiro para tirar a Xeque Mate. Isso é bem comum em São Paulo. Quem perde é o cliente final, porque é interessante ter variedade de produtos”, pondera Gabriel Rochael, da Xeque Mate.
Desconhecidas por parte do público, bebidas prontas locais veem margem para crescer
Desconhecimento e preconceito de parte dos consumidores são barreiras para o crescimento do mercado de drinks prontos na lata, mas estão sendo vencidos, analisa o fundador da marca A Equilibrista, Guilherme Drager. “É um mercado muito promissor, mas vemos resistência de muitas pessoas por ainda ser uma novidade. Embora pareça ser algo super difundido, várias pessoas na cidade não conhecem ou não deram oportunidade às bebidas”, avalia.
A disseminação das latas para todo tipo de bebida, para além da cerveja, é uma realidade sem volta, na perspectiva do vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (Sindbebidas), Marco Falcone. “Isso é um gás para o setor de bebidas, até uísque e cachaça estão sendo envasados em lata. Ela é o grande futuro da bebida”, resume.
Outro desafio citado por todos os produtores ouvidos pela reportagem é a tributação, que é diferente em cada Estado e, examinam eles, dificulta a disseminação das bebidas pelo país. “A tributação para bebida alcoólica é extremamente complicada, porque não é para bebida alcoólica em geral, mas para cada tipo de bebida. Um empresário, por melhor que seja, não dá conta de fazer a gestão tributária de um negócio de bebida sem uma super ajuda de um ótimo escritório de contabilidade”, finaliza André Sá, da Yvy.