Romance-reportagem

Acerto de contas com o passado

A jornalista e escritora belo-horizontina Anna Lee lança, nesta terça (28), o livro Operação Condor, escrito em parceria com Carlos Heitor Cony

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 28 de janeiro de 2020 | 03:00
 
 
Livro retoma o mistério das mortes de Juscelino Kubitschek (foto), João Goulart e Carlos Lacerda Arquivo Público do Distrito Federal/Divulgação

A notícia de que o corpo do ex-presidente João Goulart (1919-1976) seria exumado, em 2013, colocou a jornalista e escritora belo-horizontina Anna Lee em estado de alerta. Afinal, uma década antes, ela e o também jornalista e escritor Carlos Heitor Cony (1926- 2018) haviam publicado “O Beijo da Morte”, um romance-reportagem em que as trajetórias de Goulart, Juscelino Kubitschek (1902-1976) e Carlos Lacerda (1914-1977) entrelaçavam-se a partir de um ponto em comum: a suspeita de que suas mortes seriam parte de um plano.

Naquele volume, Anna e Cony já abordavam tal hipótese em razão da existência da operação Condor, que foi uma ampla estratégia de repressão imposta contra opositores dos regimes militares nos países da América do Sul. A investigação das causas da morte de Goulart, em 2013, inclusive, buscou averiguar a possibilidade de ele ter sido assassinado por envenenamento. Contudo, o laudo foi inconclusivo.

Naquele período, a obra de Cony estava começando a ser reeditada pela Nova Fronteira, e havia o interesse de se relançar “O Beijo da Morte”. Anna, porém, rejeitou a ideia e propôs uma atualização desse trabalho, o que, por sua vez, resultou no título “Operação Condor”, que será lançado por ela nesta terça (28) no Café Com Letras. “Eu defendi que outras coisas haviam acontecido de lá para cá. A exumação do corpo de Goulart foi uma delas. Eu acompanhei tudo e propus que fizéssemos uma edição ampliada, e a editora achou ótimo”, diz a autora.

Mas, quando se pôs a escrever, Anna se deparou com alguns obstáculos narrativos e precisou introduzir novos personagens, o que estimulou a organização de um novo tomo, em vez de uma espécie de reedição do anterior. “A Verônica é uma dessas personagens novas, e nós começamos a pensar o que faz uma mulher, que não é jornalista nem historiadora, ir a fundo em uma investigação. É ela quem abre os arquivos que associamos ao livro ‘O Beijo da Morte’ e, a partir disso, segue numa peregrinação”, diz Anna. 

Aproximação. Verônica apaixona-se pelo personagem identificado como Repórter. Profissional que há anos é obcecado pelo mistério em torno das mortes de Goulart, Kubitschek e Lacerda, é ele quem se esforça para colocar essas questões em pauta. Verônica, por sua vez, é dragada pelo tema porque ela sentiu na pele a violência da ditadura e mergulha num acerto de contas com o seu próprio passado.

“A vida dela foi impactada quando ela tinha 5 anos. A história dela mudou para sempre e está conectada à de outras famílias brasileiras que até hoje não reencontraram seus familiares desaparecidos, nem mesmo seus corpos”, sublinha Anna. 

Atualidade. Revisitar tal contexto, para a jornalista, é de extrema importância. Para ela, apesar de alguns esforços, como as ações da Comissão Nacional da Verdade – concebida para investigar os crimes da ditadura –, ainda há muitos acontecimentos a serem mais bem compreendidos e narrados.

“Eu acho que, mesmo quando Lula e, depois, Dilma prometeram abrir todos os arquivos da ditadura, isso, de fato, não se deu. O governo do PT abriu alguns documentos, tivemos a Comissão Nacional da Verdade, que foi feita de modo meio atropelado, mas algo realmente foi feito. Porém, mesmo assim, nós precisamos contar melhor a nossa história para entendermos, entre outros aspectos, como o Brasil participou da operação Condor”, pondera Anna. 

O livro que traz a público, a seu ver, esforça-se nesse objetivo e aponta alguns caminhos. Para Anna, embora se diga que vários documentos foram destruídos, há ainda um material bruto a ser analisado. “A prática da operação Condor foi instituída por esse nome a partir de 1975, mas o Brasil já exercia esse tipo de controle desde 67 e, arrisco dizer, 64, com quem foi para o exílio. Essas pessoas eram vigiadas o tempo inteiro”, diz. “O Itamaraty, desde antes da operação Condor, portanto, já colaborava com o regime militar para vigiar os líderes brasileiros e existe um arquivo na instituição que ainda não foi aberto”, completa Anna. 

No presente, em que a ditadura no Brasil volta e meia é relativizada por determinados grupos, ela ressalta a necessidade de se fomentar em discussões sobre as lacunas e distorções da história brasileira. “Nós estamos, agora, vivendo em uma democracia, mas que tem uma ideologia autoritária. Existem vários indícios no presente que, no mínimo, servem para olharmos para o passado a fim de entendermos o que está acontecendo hoje”, frisa a jornalista.

Agenda
O quê. Anna Lee lança “Operação Condor” (ed. Nova Fronteira, 416 págs., R$ 54,90)
Quando. Nesta terça (28), às 19h
Onde. Café com Letras (rua Antônio de Albuquerque, 781, Savassi)
Quanto. Entrada franca