Fernando Sabino também se enveredou pelo cinema, como ator, roteirista e diretor. Começa com pé direito, em 1962, ao assinar o argumento e o roteiro do longa-metragem “O Homem Nu”, de Roberto Santos, baseado na crônica homônima do escritor.
Depois de fazer uma participação no filme “Garota de Ipanema” (1967), assinado por Leon Hirzsman, no papel dele próprio, o autor abriu uma produtora em 1972, a Bem-te-vi, ao lado do cineasta David Neves (“Fulaninha”).
A dupla produziu dez curtas sobre escritores do país e oito mini-documentários em Hollywood, incluindo um filme a respeito de Alfred Hitchcock. De acordo com Bernardo Sabino, eles foram os únicos brasileiros que entrevistaram o mestre do suspense.
As adaptações extraídas de sua obra literária também merecem destaque, como “O Grande Mentecapto” (1986), de Oswaldo Caldeira, “Faca de Dois Gumes” (1989), de Murilo Salles, um segundo “O Homem Nu” (1997), de Hugo Carvana, e “O Menino no Espelho”, de Guilherme Fiúza.
“Tenho uma relação muito antiga com Sabino. Desde a infância, com os livros de crônicas publicados pela coleção ‘Para Gostar de Ler’ (Editora Ática). Mais tarde tive um encantamento profundo por ‘O Encontro Marcado’, obra maior dele”, registra Fiúza.
Após lançar o longa “5 Frações de uma Quase História”, em 2007, ele cogitou adaptar “O Encontro Marcado” para o teatro. “Acabou não dando certo e fiquei bem decepcionado. Até que minha ex-mulher, que é professora, me deu um exemplar de ‘O Menino no Espelho’”, lembra.
O cineasta mineiro ficou fascinado com o garoto protagoniza a história, não por acaso chamado Fernando. Cansado de fazer tarefas chatas, o personagem sonha em ter um sósia para poder se divertir à vontade, sem precisar ir à aula. Um sonho que vira realidade.
“O livro possui uma característica comum a outras publicações infantis que é, mais do que a história, ter um personagem encantador. É assim com o Huckleberry Finn, de Mark Twain, e o Menino Maluquinho, do Ziraldo”, compara Fiúza.
Um dos desafios, lembra, foi a construção do roteiro, já que a história original não tem uma narrativa linear. “É o que os professores e críticos chamam de romance fracional, pois há hiatos. São várias infâncias retratadas ali”, observa.
O filme foi lançado em 2014 com boas bilheterias, o que não fez Sabino sair do horizonte de Fiúza. “Tenho vontade de fazer a minha adaptação de ‘O Grande Mentecapto’. É um personagem tão lindo e insólito. Ele parece um idiota, mas é um pouco poeta e criança”.
Caldeira dirigiu a primeira versão cinematográfica do livro lançado em 1979, com Diogo Vilela no papel do Geraldo Viramundo, que deixa a sua cidadezinha para divulgar as suas ideias sobre desestabilizar o sistema, ganhando como adeptos prostitutas e mendigos.
O realizador conversou com a reportagem de O TEMPO sobre a obra:
O que lhe atraiu no livro de "O Grande Mentecapto"?
São muitos fatores. Sabino me marcou muito desde “O Encontro Marcado” e passei a ler tudo que ele publicava. O título era desconcertante e paradoxal: um herói mentecapto! O livro tem algumas características do cinema que sempre fiz - não realista. Ele é delirante, picaresco, (com) um Quixote percorrendo Minas e querendo mudar o mundo. Todos os meus personagens foram sonhadores que queriam mudar o mundo: Afonsinho, Ajuricaba, Tiradentes, Niemeyer... Viramundo quer transformar o mundo de forma anárquica, irreverente, revolucionária, liderando uma rebelião de loucos, prostitutas e mendigos .
Sabino falou muito de Minas em suas obras, mas você parece acentuar isso no filme, não é verdade?
Sim, o filme é mineiríssimo. Ele percorre várias cidades de Minas. Além de sermos mineiros, eu e Fernando temos outra característica em comum: somos de Belo Horizonte, cidade nova pré-traçada, bem diferente das outras regiões de Minas Gerais.
Você optou por escalar nomes muito ligados ao humor no país naquele momento - até mesmo Débora Bloch, que, na época, fazia o programa semanal “TV Pirata”, de grande sucesso na Globo. Por que?
Na verdade, o filme não tem nada a ver com “TV Pirata”. Foi feito antes e foi lançado depois. Meu elenco sempre é formado a partir de uma adequação. Quando eu tenho um projeto, assisto o máximo possível de peças, de filmes e programas de TV para escolher os atores. No caso, grande parte dele veio do trabalho de Hamilton Vaz Pereira, que dirigiu todas as peças do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, na década de 1970, e tinha nomes como Regina Casé, Daniel Dantas, Jorge Alberto e Luiz Fernando Guimarães.
Você gostaria de ter adaptado outras obras de Sabino?
Sim, “O Encontro Marcado”. Fernando me cedeu os diretios, mas a verdade simples e sincera é que não consegui fazer um roteiro à altura do livro. Não foi Fernando que vetou. Fui eu mesmo, porque não gostei das versões que fiz.
Qual a importância da literatura de Sabino?
Fernando tem uma obra ampla percorrendo todos os gêneros. Mas se tivesse escrito apenas “O Encontro Marcado” já estaria na história da literatura. Além dos vários romances, é um dos maiores contistas e cronistas do Brasil. E tem uma correspondência expressiva com Mário de Andrade e Clarice Lispector, de quem também foi editor.