Angústia, tristeza... e um certo pânico também. Os sentimentos que afloraram na mente do escritor Jacques Fux, 43, no início do abrupto advento da pandemia, verdade seja dita, não diferem dos que assolaram todo o tipo de gente mundo afora. A fórmula que ele encontrou para domá-los, talvez.
No caso, Fux recorreu à fonte que se tornou matricial em sua vida: a escrita. Na verdade, tratava-se de se debruçar sobre um projeto que ele já estava gestando há algum tempo: escrever sobre o período que passou como pesquisador em Harvard, a celebrada universidade situada em Cambridge, Massachusetts. "E tem sido interessante 'viajar' por momentos e lugares felizes", relata o moço.
Enquanto esse livro não vai para o prelo, as atenções de Fux estão no combo livro (ensaio + conto) + filme "Ménage à Trois", que está sendo lançado agora com a chancela da Relicário. Uma experiência que foi sendo construída aos poucos.
"Alguns anos atrás, escrevi um livro chamado 'Voyeur'. Foram meses trabalhando, reescrevendo, relendo e fazendo ajustes. Por fim, li o trabalho e me dei conta de que era uma porcaria! Que merecia ser jogado fora o mais rápido possível!", rememora ele, sem dó nem piedade do produto de sua própria lavra.
Uma página, porém, foi poupada do, digamos, extermínio, após Fux ponderar que havia ali um veio interessante a ser explorado. "Na época, eu namorava com a Maria Eduarda (de Carvalho, atriz, conhecida por atuações em novelas como "A Vida da Gente" e "Éramos Seis"), que também gostou muito desse trecho. Aí, resolvi publicá-lo em forma de conto, com o nome de 'Ménage à Trois'", recorda.
O conto, diz Jacques Fux, trata da "musa". "Da busca pela inspiração que irrompe nos momentos mais 'banais' – neste caso, uma mulher comendo churro – e que te faz lembrar de outras cenas e vidas literárias. Eu gosto muito dele – tem várias referências, é 'picante', sensual e mostra a pulsão do escritor - afinal, para escrever, para criar, para fazer ficção é necessário tesão. Muito tesão", advoga.
Conto finalizado, veio o primeiro desdobramento, com a entrada em cena de Rodrigo Lopes de Barros, pesquisador e cineasta. "Ele é professor da Boston University e nos conhecemos justamente durante esse período em Harvard (2012 – 2014). É um cineasta sensacional, já dirigiu um filme sobre o (poeta) Chacal e tem um projeto de fazer outros sobre dez escritores brasileiros", relata o mineiro.
Fato é que, como Rodrigo também gostou do conteúdo de “Ménage à Trois”, aceitou o convite feito por Jacques Fux e Maria Eduarda para fazer um curta híbrido sobre o conto, se incumbindo também da direção e a concepção do filme. "Ele teve total liberdade ficcional de montar como quisesse. Filmamos a primeira versão no Rio de Janeiro e a parte final, no México – eu estava lá lançando a tradução do meu primeiro livro ‘Antiterapias’ e o Rodrigo viajou para finalizar o curta da melhor forma. Foi uma surpresa ótima ver o filme pronto", comenta.
Em cena, além de Maria Eduarda e do próprio Fux, está o ator Gustavo Machado (o Roberto, da série "Coisa Mais Linda", também conhecido por filmes como "Elis" e "Bruna Surfistinha"). "Ele aceitou 'me' interpretar no curta. Eu atuo como escritor e, no momento que acho mais interessante, sou interpelado pela atriz, que reflete se ela se 'incomodaria' ou não em ser retratada nas telas ou na literatura. Ela carrega, nas mãos, o 'Brochadas: Confissões Sexuais de Um Jovem Escritor' (livro de Fux lançado em 2015).
Transcrevendo sua fala: 'Mas e a questão ética disso? Se o real fosse eu, no caso, entende? Não sei até que ponto eu gostaria de ser ficcionalizada, Jacques. De me ler, assim'".
Em tempo: descrito como uma "autobiografia ficcionalizada", o livro "Brochadas" traz um personagem homônimo ao autor, e que troca emails com supostas ex-namoradas nos quais o relacionamento é destrinchado. Mas a obra também traz uma investigação sobre o tema ("brochar"), a partir de outras literaturas e do ponto de vista de filósofos e escritores, situando com que a brochada não é um fenômeno exclusivo do homem, tampouco se relaciona apenas à sexo.
Depois que o filme "Ménage à Trois" ficou pronto, Rodrigo Lopes de Barros decidiu escrever um ensaio acadêmico sobre as intertextualidades presentes em toda a obra de Fux. Portanto, veio aí o terceiro desdobramento de toda essa história. "E, daí, conversarmos com a Maíra Nassif, da Relicário Edições, que topou fazer esse projeto de DVD + Ensaio + Conto (132 páginas, DVD encartado, R$ 36)", diz Fux, lembrando que já havia publicado um livro pela editora mineira, "Georges Perec: A Psicanálise nos Jogos e Traumas de uma Criança de Guerra". "E tem sido ótima a parceria". Brinda.
CORONAVÍRUS
Voltando ao inevitável tema da pandemia, Fux reconhece que, mesmo com o alento proporcionado pelo exercício da escrita, a angústia perante os dias atuais ainda não passou de todo. Mas, no caso, ela não se deve somente ao coronavírus. "Estamos revisitando o período das trevas e da ignorância. A ciência, que progrediu muitíssimo e foi responsável por melhorar a qualidade de vida e aumentar sua expectativa, agora enfrenta a idiotice e é preciso perder um tempo precioso – que deveria ser usado em busca da vacina – para desmentir fake news, por exemplo. Enfim, só angústias e medos".
No caso específico do vírus, o escritor constata com desalento que, diante deste novo inimigo - que, pontua, diferentemente de guerras, não têm como alvo um adversário em particular, mas sim toda a raça humana - ainda estamos perdendo tempo "duelando, discutindo, brigando... e nos matando ainda mais".
Em tempo: o curta citado também está disponível no YouTube. Já o livro pode ser encontrado nas livrarias virtuais ou no site www.relicarioedicoes.com
TRAJETÓRIA
Jacques Fux é graduado em matemática e mestre em ciência da computação pela UFMG, doutor e pós-doutor em literatura pela UFMG, pela Universidade de Lille 3 (França) e pela Unicamp, além de pesquisador visitante na Universidade de Harvard. Sua tese de doutorado, versão do livro "Literatura e Matemática: Jorge Luis Borges, Georges Perec e o OULIPO (Perspectiva, 2016), recebeu em 2011 o Prêmio CAPES de melhor tese de Letras e Linguística do Brasil e foi finalista do Prêmio APCA de 2016.
"Antiterapias' (Scriptum, 2012), seu romance de estreia, venceu o Prêmio São Paulo de Literatura 2013 e o "Brochadas" (Rocco, 2015), recebeu Menção Honrosa no Prêmio Cidade de Belo Horizonte. Também foi finalista do Prêmio Barco a Vapor 2016.
Publicou, ainda, "Meshugá: Um Romance sobre a Loucura" (Editora José Olympio), que recebeu o Prêmio Manaus de Literatura 2016, e "Nobel" (José Olympio, 2018), em que realiza o sonho de todo escritor: ser laureado com um Nobel de Literatura.