A palavra resiliência tem sido companheira de vida da atriz Heloísa Perissé nos últimos anos. Se em tempos recentes, para o tratamento de um câncer (nas glândulas salivares, descoberto há um ano, durante um check-up, e dividido com o público), agora, é aplicada aos tempos de pandemia. "Acredito que a gente esteja passando por um momento de reinvenção, de mudança de paradigmas. É como aquela máxima de dançar conforme a música. Imagine que você passe a ter uma restrição alimentar, por exemplo. Você não vai deixar de ir a eventos por não poder comer mais o que gostaria, e, sim, se adaptar para poder participar. É assim vejo o momento", diz ela, sem esconder a tristeza pela perda de milhares de vidas. "E por essas coisas a que estamos assistindo, hospitais que não ficam prontos, pessoas que não estão levando a sério as recomendações (das autoridades sanitárias)..."
Profissionalmente, Heloísa também se prepara para uma nova experiência de adaptação. Neste sábado (11), ela apresenta o espetáculo “E Foram Quase Felizes para Sempre”, às 20h30, com transmissão simultânea e gratuita pelos canais no Youtube do Sesc em Minas (SescemMinasGerais), do Teatro Claro Rio (Teatro ClaroRio) e pelo Canal 500 da Claro, dentro do projeto “Palco Instituto Unimed-BH em Casa”.
A atriz tem na ponta da língua a data de estreia da montagem: 4 de julho de 2013, no Teatro Vanucci, no Shopping da Gávea, Rio de Janeiro, quando foi prestigiada por uma pá de colegas, como Paulo Gustavo, Rosamaria Murtinho, Bruno Mazzeo, Beth Faria e Mônica Martelli, para citar alguns. Na sequência, viajou para vários Estados, tendo se apresentado no palco do Teatro Sesc Palladium. "Sempre vou a BH, é uma praça maravilhosa, pois as pessoas daí gostam de teatro, comparecem", aponta. Também passou por outras cidades mineiras, como Uberlândia.
A peça responde pela primeira experiência de Heloísa sozinha no palco, encenando seu próprio texto. Mas não em um único papel: na trama, ela se desdobra em 15 personagens, sendo a principal, a escritora Letícia Amado, que por dois anos e meio viajou percorrendo resorts, hotéis e praias para repassar, em um livro, dicas a casais que anseiam por uma lua de mel inesquecível. Ocorre que a ausência de casa acaba por corroborar com o fim de seu próprio casamento. Não que o casamento já não tivesse lá suas rachaduras. E não fosse o bastante, na sessão de autógrafos de "Cantinho Pra Dois", título da obra, ela percebe que o marido, Paulo Vitor, já tem uma nova namorada. Ah, sim, Heloísa Perissé também dá vida a Paulo Vitor, assim como à terapeuta Loreta, entre outros papéis.
A conexão com o público é motivo de orgulho para ela. "A peça consegue estabelecer uma empatia muito grande com a plateia, porque todo mundo já viveu, ou conhece alguém que já, um relacionamento chiclete, aquele no qual, de tantas idas e vindas, você já até perdeu a moral com os amigos. Ninguém mais te leva a sério (quando anuncia novas rupturas). As pessoas morrem de rir, se veem naqueles personagens. Tem gente que assiste a peça cinco, seis vezes. Acho que ela elucida muita coisa", conta Heloísa, que, do palco, nas apresentações presenciais, se divertia vendo as reações das pessoas, como cutucar quem está de lado ou afundar o rosto nas mãos.
"A Letícia é uma mulher que ama o trabalho. Mas ela é muito intensa, controladora extremada. As brigas que tem com o marido geralmente são porque ela quer que ele faça o que ela acha que é bom para ele. E quando você ultrapassa esse terreno do outro, quando você pensa que sabe o que é melhor para o outro, isso cria conflitos e gera frustrações, porque as pessoas têm seus próprios desejos, ambições. Então, em vez de o parceiro usufruir o que o outro tem de bom, perde tempo", analisa.
Tempos de quarentena
Sobre o período atual, que requer isolamento social, Heloísa lembra que, ano passado, já havia vivido uma quarentena particular. Em ambas, salienta, começou a "voltar o refletor para dentro". "Colocar a força onde deve ser melhor posicionada, que é dentro da gente. Tenho lido muito, e concordo, do mundo de ilusão que é aqui fora. As coisas são muito efêmeras, e se você não souber lidar com isso, pode se machucar bastante. Claro que ninguém queria uma pandemia, mas acho que esse isolamento pode nos ensinar a seguir fazendo as coisas que a gente já fazia, mas de outra forma. O diferente não é necessariamente ruim".
E se é para ficar em casa, Heloísa tem aproveitado o hiato para voltar às aulas (virtuais): a meta é concluir a graduação em Artes Cênicas. "Algo que queria já há algum tempo. De prática, já são 30 anos, mas, no que diz respeito à teoria, é bom estar sempre se reciclando", entende. "Também tenho lido bastante", adiciona a atriz, que, antes da pandemia, estava com a agenda do ano todo preenchida.
"Estava viajando com a peça 'Loloucas' (no qual divide a cena com Maria Clara Gueiros, sob a direção de Otávio Müller) e iria gravar "Cine Holliúdy 2" (série de Marcio Wilson e Claudio Paiva, baseada no longa-metragem homônimo escrito e dirigido por Halder Golmes, na qual interpreta a primeira-dama Maria do Socorro). Também ia me dedicar a um projeto que a Rede Globo aprovou", relata, sem traços de inconformismo. A tal da resiliência.
Confira, a seguir, a ficha técnica da montagem:
“E Foram Quase Felizes para Sempre”
Autor: Heloisa Périssé.
Direção: Susana Garcia.
Cenário: Miguel Pinto Guimarães.
Figurino: Reka Koves.
Iluminação: Maneco Quinderé.
Trilha musical: Alexandre Elias