Tudo começou em 2008, quando Janaina Torres inaugurou o Bar da Dona Onça, aos pés do edifício Copan, marco da capital paulista. A partir dalí, a trajetória desta paulistana de 48 anos pode ser traduzida em uma única palavra: ascensão. À frente da cozinha do restaurante A Casa do Porco, Janaina conquistou reconhecimento nacional e internacional. E tanto amor e dedicação pela cozinha, agora, é recompensada pelo recente prêmio de Melhor Chef Mulher do Mundo dado pelo The World's 50 Best, um dos principais rankings gastronômicos do planeta. Nesta entrevista a O TEMPO, Janaina fala sobre a emoção pelo reconhecimento, a vontade em inspirar outras mulheres na cozinha e seus próximos passos profissionais.

Como foi sua reação ao saber sobre o prêmio de “Melhor Chef Mulher do Mundo”. Se lembra exatamente o que estava fazendo quando soube e a primeira coisa que você sentiu?

Eu estava em casa, fazendo uma reunião com a minha relações públicas, a Maria Vargas, e marcaram uma reunião para falar algo sobre o 50 Best. Na minha cabeça, eu imaginei que fosse algum convite para dar alguma palestra ou até mesmo falar sobre um prêmio para o restaurante, de hospitalidade ou sustentabilidade. Como eu tinha ganhado melhor chef da América Latina tão recentemente, não acreditei que pudesse ser essa premiação. Na hora, a ficha não caiu. E acho que não caiu até agora. Sinto um turbilhão de emoções, volta um filme da minha vida na minha cabeça.

E, depois que a premiação se tornou pública, como foi o retorno das pessoas, do público e até dos comensais que frequentam os seus restaurantes?

Recebi tantas mensagens! Até de pessoas que há muitos anos eu não via. Os funcionários dos restaurantes estão radiantes, principalmente no Bar da Dona Onça, que sempre teve a minha imagem tão forte. É como se esse prêmio fosse sobre ele. E, na verdade, é. Porque foi lá que tudo começou, foi lá que comecei a minha carreira profissional e nunca mais parei de estudar e aprender. Esse é mesmo um prêmio que diz muito para o veterano Bar da da Dona Onça.

O que essa premiação representa para o seu trabalho em todos esses anos? Vai trazer alguma mudança na forma como você tem feito?

Esse prêmio me faz acreditar que estou no caminho certo. Que ter batido o pé, ter acreditado na minha verdade, foi realmente o que me fez chegar até aqui. O que vai mudar? Talvez seja a responsabilidade de cuidar mais das pessoas no meu entorno.

Ser eleita a maior chef do mundo pode ajudar a inspirar outras mulheres a se tornarem chefs, em um ambiente tão machista como é o das cozinhas profissionais? Como você pensa em usar esse reconhecimento como ferramenta de transformação?

Poder ajudar a inspirar tantas outras Janaínas que vendem lanches nas ruas e fazem marmitas para fora. Quero que elas acreditem em um caminho por meio da cozinha brasileira, que é o que me faz seguir, me faz trabalhar, batalhar e conquistar novas formas de fazer uma cozinha acessível e debater sobre políticas públicas que podem orientar e educar. A cozinha brasileira é hoje um lugar, uma cultura capaz de transformar a vida das pessoas, assim como vem transformando a minha. Gera oportunidades principalmente quando diz respeito à vulnerabilidade social.

Como é ter recebido esse título assinando “Janaina Torres”?

Janaína Torres é a celebração da garota que começou tudo, que sonhava em cozinhar, sonhava em empreender. É o recomeço, é se reconhecer, se reaproximar, voltar às minhas memórias, minhas origens. Tem um gosto de liberdade, de voar para onde eu quiser.

Você consegue contextualizar a sua “virada de chave” quando se viu como chef, à frente de suas cozinhas e transformando a sua vida e a vida das pessoas ao seu redor?

Nos meus acervos de memória, lembro do quanto eu gosto de ser responsável pela felicidade de pessoas quando estão ao meu lado, nos meus restaurantes. Sempre gostei de gente. Sempre amei cozinhar e sempre gostei de receber pessoas. Penso que eu sou feliz por isso. E fico ainda mais feliz sabendo que estou fazendo outras pessoas felizes também.

Com a ascensão profissional, quais são os seus próximos passos e projetos, além da cozinha?

Estou com um projeto novo de uma ocupação itinerante cultural que fala sobre a história do Brasil através da comida e seus mercados. São duas áreas genuínas, da nossa terra, da nossa gente.

Pode adiantar algo sobre o projeto autoral de fine dinning?

Alta cozinha para mim pode ser um acarajé, pode ser um pastel. Acho importante saber de onde ele vem, para onde eu quero levar e porque eu estou fazendo aquilo. Alta cozinha é amar o que faz, é ter autenticidade e preservar a nossa história. Considero esses valores como o mais alto nível que podemos ter na cozinha moderna. É sobre isso, sobre me expressar com a minha mais pura verdade.

O que significa pra você a palavra “reconhecimento” para uma mulher dentro de uma cozinha profissional?

Reconhecimento é quando seus vizinhos e seu entorno te conhecem e sabem o que você faz. Ser reconhecido é ver muitos cozinheiros comendo inúmeras vezes no seu restaurante. Reconhecimento é ter o seu restaurante lotado todos os dias. E poder pagar suas contas porque seus clientes amam sua comida. É muito diferente de ser famosa. Ser reconhecida de fato me traz um certo orgulho de ter andado no caminho que eu acreditava. Estou muito feliz e agradecida por ter sido reconhecida por tantas pessoas que acreditam na minha verdade e gostam da minha comida.