Reportagem

Luiz Maklouf revisita os fatos em torno da saída de Bolsonaro do Exército

Em “O Cadete e o Capitão: A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel”, o repórter apresenta documentos que comprovam a ligação do atual presidente em plano para instalar bombas em quartéis

Sáb, 21/09/19 - 03h00
Luiz Maklouf teve acesso a documentos e áudios dos arquivos do Supremo Tribunal Militar | Foto: Acervo Pessoal

Depois de assinar um artigo publicado na revista “Veja”, em 1986, com o título “O salário está baixo”, no qual chamava atenção para a perda salarial de alguns oficiais do Exército, Jair Messias Bolsonaro – na época, capitão –, foi punido pelo coronel Ary Schittini Mesquita. A atitude, considerada grave indisciplina, infringiu seis artigos do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), o que resultou em 15 dias de prisão para Bolsonaro.

Pouco mais de um ano após a circulação daquele texto, o nome do capitão e hoje presidente do Brasil, voltou às manchetes dos jornais em razão de uma reportagem, também veiculada pela “Veja”: “Pôr bomba nos quartéis, uma plano na EsAO (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais)”, produzida pela repórter Cassia Maria. A matéria denunciava a existência de um esquema de ação, chamado “Beco sem Saída”, que, conforme relatou a jornalista, consistia na instalação de bombas em diferentes espaços da Vila Militar, na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ).

Todo o imbróglio que se sucedeu a partir dessa publicação é revisitado pelo jornalista Luiz Maklouf Carvalho no livro “O Cadete e o Capitão: A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel”, lançado recentemente. No volume, o repórter e escritor reúne não só os fac-símiles das reportagens, mas também documentos que sustentam a afirmação de Cassia, que trouxe a público a existência do plano e citou a participação de Bolsonaro na arquitetura dele. 

A intenção do ato criminoso era confrontar a cúpula do Exército, demonstrando a insatisfação de parte dos seus oficiais. Uma prova, inclusive, apresentada pela jornalista foram os croquis feitos por Bolsonaro, que rascunhou os locais onde seriam instalados os explosivos durante reunião num apartamento da Vila Militar. 

“Bolsonaro negou a vida inteira que tenha feito o croqui. Não sei se depois do meu livro ele vai continuar negando, porque existem dois laudos grafotécnicos que afirmam que ele fez os desenhos”, pontua Maklouf. Ele observa que Bolsonaro era uma fonte em off de Cassia, mas, uma vez que a jornalista se deparou com a proposta de ataque à Vila Militar, ela quebrou o acordo.

“Pela gravidade da informação, ela resolveu abrir o off porque se tratava de um crime, um plano de explodir bombas nos quartéis. Isso deu a ela o direito de contar essa história”, completa Maklouf, que não conseguiu entrevistar a jornalista – a qual preferiu não comentar sobre o caso – nem Bolsonaro, que se absteve de emitir qualquer declaração.

A denúncia levou Bolsonaro e o capitão de artilharia Fábio Passos da Silva, que foi apresentado a Cassia como “xerife” e também fazia parte do esquema, a prestar esclarecimentos a seus superiores. O atual presidente negou conhecimento do plano Beco sem Saída, mas o problema seguiu sendo investigado pelo Conselho de Justificação do Exército. 

Processo

Maklouf teve acesso aos áudios que estão disponíveis nos arquivos do Superior Tribunal Militar e, de acordo com ele, Cassia foi duramente questionada, enquanto, por outro lado, houve um direcionamento a favor de Bolsonaro. “Os ministros atacaram a revista (‘Veja’) e a repórter, enquanto fizeram vista grossa para as provas factuais. O resultado foi um empate que favoreceu Bolsonaro, mas que, na verdade, nunca houve, porque ele já havia sido declarado culpado em dois laudos, mas ele levou o argumento de outros dois inconclusivos para se valer do benefício da dúvida”, explica Maklouf.

O repórter analisa que a maioria dos ministros da época era reminiscente da ditadura, o que pode ter beneficiado o capitão Bolsonaro. “Eu acho que houve um espírito do corpo militar que contribuiu para absolvê-lo. Não podemos nos esquecer de que uma das principais testemunhas de defesa de Bolsonaro foi o general Newton Cruz, que era do quadro da ditadura”, diz Maklouf.

“Eu acho que houve um combinado, do tipo: ‘a gente te absolve, te protege, desde que você saia’”, frisa.

Foi a partir desse episódio que Bolsonaro partiu para a vida política, na qual ele viu outra possibilidade de carreira. “Ele foi candidato e se elegeu vereador do Rio de Janeiro (em 1988), e só depois ele pediu para entrar para a reserva. Se ele não fosse eleito, talvez continuaria no Exército. Mas será que ele iria longe? Bolsonaro já tinha no seu histórico uma prisão disciplinar de 15 dias, seu currículo era apenas razoável e ainda tinha se envolvido em uma polêmica com acusações de terrorismo. Então, eu acho que ele não teria futuro muito brilhante ali, no Exército”, afirma. 

Versões

Além desse fato, Maklouf recorda a infância e adolescência de Bolsonaro, contrapondo versões propaladas pelo presidente a partir de documentos. “Ele costuma dizer que ajudou o Exército a lutar contra (Carlos) Lamarca, no Vale do Ribeira, mas isso não existe. Não há nenhuma confirmação histórica e documental sobre isso”, sublinha o repórter.

Título: “O Cadete e o Capitão: A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel”
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Editora: Todavia
Páginas: 250
Preço: R$ 54,90 (versão impressa) e R$ 32,90 (versão em e-book) 

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