O belo-horizontino Murilo Santiago costuma brincar, sobre suas habilidades: “Primeiramente, sou compositor. Cantor, pra mim, é Frank Sinatra". Mesmo com essa ressalva, ele não se furta a soltar sua vez para defender suas composições. Não por outro motivo, acaba de lançar o álbum “Cada Um é o Mundo”. "O disco vem na sequência de 'O Mundo é Cada Um', aberto a gêneros e a intérpretes, e no qual há balada jazzística e xote, faixa instrumental e canções em inglês. Já 'Cada Um é o Mundo' é inteiramente brasileiro, em ritmos, letras e cenários. Os sambas remetem ao Rio de Janeiro; tem toada mineira, tem forró, tem baião, ciranda, e sempre paisagens brasileiras. Tem a personagem 'Sinhá' no nordeste e em Minas Gerais", explica.
O CD é todo interpretado pelo autor (salvo as vinhetas das “Sinhás”, nas vozes de Maurício Tizumba e Sérgio Santos). "Assim, houve um conceito", conta, acrescentando que o álbum se desdobrará em dois, sendo o segundo volume elaborado no mesmo conceito: Brasil, com as Sinhás baiana e carioca (nas vozes de Fabiana Cozza e Ná Ozetti), e as demais faixas também a cargo do autor. "Não foi lançado porque a pandemia interrompeu a produção, que está na boca do forno", conta.
O projeto envolve uma trilogia que terminará com o álbum “Cada Mundo é Um”, já pré-concebido. "Nele, voltaremos a abrir para ritmos e gêneros e temas que não necessitam ser brasileiros. Poderemos ir do samba ao bolero. Aí fecha-se a brincadeira com as expressões de cada título, que parecem diferentes, mas encerram o mesmo conceito".
Entre as faixas do novo álbum, está, por exemplo, “Aprendiz”. "Cito porque ela diz muito do processo de criação do álbum e foi escrita para ele. Na verdade as outras faixas também. Mas é que 'Aprendiz' sintetiza a história: foi mesmo um aprendizado escrever para baiões, toadas e cirandas. Sair da cidade, ir para o sertão e voltar". Com um detalhe adicional: a canção foi escrita em homenagem ao saudoso Vander Lee. "Tive poucos, mas muito significativos contatos com ele, que foi quem me encorajou a cantar, quando convidado para interpretar o xote 'Maria das Dores' ("O Mundo é Cada Um"), no qual fizemos um dueto por sugestão dele".
Esta homenagem, prossegue Murilo, não foi expressa na capa do “Cada Um é o Mundo”, mas a canção nasceu motivada por ele. "Quase uma releitura do seu baião 'Do Brasil', que sempre me comoveu. A minha homenagem ficou pronta exatamente três dias antes do seu falecimento. Infelizmente, não pude lhe dar essa notícia. Mas mais infeliz que tudo foi a sua ida, quando ainda tinha muito para nos dar".
Ele destaca também o baião “Sete Vidas”, com uma temática que salienta ser diferente e brincalhona. "E com a participação muito especial de Teco Cardoso e Toninho Ferragutti, além de um trabalho de percussão bem original do Marco Lobo". “Namoradeira”, por sua vez, é inspirada naquela figura da moça na janela, tão típica do artesanato de Minas Gerais. "O menino que vai brincando no caminho da escola sou eu mesmo. Acho gostosa e bem brasileirinha a canção, cujo ritmo não sei classificar. Aqui a percussão é do mestre Serginho Silva, leve como a caminhada do garoto".
Perguntado sobre a pandemia, Murilo ressalta ser uma pessoa otimista. "Ou, ao menos, tento ser. A pandemia foi - e ainda é - um aprendizado, mudando alguns paradigmas e trazendo algumas reflexões. Não creio, contudo, que teremos, intrinsecamente, mudanças profundas nas nossas individualidades. Só que, neste momento, janeiro de 2021, a pandemia ainda evolui, está em curso. Ainda não há certezas sobre amanhã. Então procuramos nos adaptar ainda neste momento".
No período inicial de confinamento, de março a outubro do ano passado, ele conta ter tido tempo para leituras, além de ter composto muito. "Acho que isso se passou com muita gente. Em determinado momento, a composição saiu pesada, cinza, dissonante, na cidade vazia e expectante. Em outros, algum samba malandro e leve. Mas a nossa vida é assim. A surpresa está na esquina e seu tamanho ou impacto depende muito de você".