Literatura

Nirlando Brandão lança livro em que desfia memórias e relata doença

Jornalista e escritor diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) parte de sua condição para tecer reflexões sobre a vida em novo trabalho

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 25 de maio de 2019 | 03:00
 
 
Nirlando Brandão traz relatos pessoais e conta a história dos seus avós em novo livro Marcos Vilas Boas/Divulgação

"O País da Doença é uma terra de exílio. Eu me sinto um exilado, mesmo que seja grotesco e injusto me comparar aos exilados de verdade – aqueles milhões de infelizes que perambulam por terras e mares em busca de um teto seguro e de um naco de pão”, desabafa o jornalista mineiro Nirlando Brandão em um dos textos que compõem seu novo livro “Meus Começos e Meu Fim” (ed. Companhia das Letras). 

Diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), em 2016, o escritor viu sua rotina mudar bruscamente e seu corpo deixar de responder como gostaria, em razão dos impactos dessa doença degenerativa. Diante do peso dessa palavra, que “pinçou a alma quando o médico a pronunciou”, Brandão resolveu lidar com seus medos por meio da escrita.

“A partir do diagnóstico, foi como se um véu embaçado tivesse descido à minha frente, me afastando e me protegendo da realidade. Escrever foi rasgar esse véu”, revela Brandão em entrevista realizada por e-mail. Se para ele a escrita foi motivada por esse desejo de conciliação, ao fim desse percurso, o que ele acabou levando para o papel, não se limitou a ser um relato médico ou terapêutico.

Como pontua o jornalista Ricardo Kotscho, Brandão, em seu livro, vai além, oferecendo ao leitor reflexões produzidas com a nitidez e a elegância de quem domina a escrita, sendo o mineiro um dos mais respeitados jornalistas do país. “Neste livro, (Brandão) reúne histórias do passado para confrontá-las com as adversidades enfrentadas por alguém com uma doença que impõe debilidade muscular progressiva, com graves limitações físicas. O resultado é uma reflexão profunda sobre o significado e a fragilidade da existência humana”, comentou Kotscho em seu site. 

Memórias

Enquanto comenta sua própria condição, Brandão também introduz no livro casos ligados à sua família. Assim, a história de seu avô, um padre de origem portuguesa que deixou a batina para casar-se com sua avó em Oliveira, no interior de Minas Gerais, surge entrelaçada às suas memórias.

“A saga do meu avô e da minha avó já vinha me assombrando faz tempo, pelo que ela tinha de segredo, tabu, culpa e também coragem. Devia esse relato, ainda que melindroso, à tia Nessília, aos meus primos, aos meus irmãos. A minha condição atual, pensei em refletir e narrar num blog. À medida em que fui escrevendo, as duas peças começaram a se encaixar”, diz Brandão.

Contudo, ele não compreende o trabalho como uma autobiografia. “A maior parte das recordações se reportam à infância e à minha relação com essa família. Quis guardar o frescor do olhar de garoto. Mas algumas reflexões foram impostas pelo que estou passando: meus sonhos, minha carreira, a paternidade, a política, a religião”, sublinha.

Belo Horizonte, Ouro Preto, entre outras paisagens de Minas Gerais, também emergem nos relatos do autor radicado em São Paulo. “Meus sonhos noturnos são povoados do céu de Ouro Preto e ressoam os sinos das igrejas barrocas”, divaga Brandão. Se sua condição física impõe limitações, para ele, narrar é uma maneira de romper com o “exílio” e alcançar os mais diversos lugares. “Escrever é embarcar num tapete voador que leva a gente aonde quer”, poetiza.