Caroline Novaes de Andrade Valentim Lopes, 44, conta que tem se espantado com a rotina de responsabilidades a que seus filhos, Clara, de 5, e Francisco, de 14, são submetidos todos os dias.
“O meu mais velho está cursando o 1º ano do novo ensino médio e tem que dar conta de 21 matérias. Ele é cobrado o tempo todo e está sempre sobrecarregado. Muitas vezes preciso pedir a ele para desacelerar e lembrar que existe vida além das tarefas da escola”, lamenta a artesã, que acredita que expor crianças a agendas e comportamentos que não condizem com suas idades pode ser muito perigoso.
“Vivemos numa sociedade consumista que atropela tudo – até as brincadeiras de hoje em dia são diferentes. Por isso acho importante os filhos viverem cada fase da vida sem pressa. Os meus ainda têm o privilégio de brincar descalços, subir em árvores, correr nas praças. Para mim, criança tem que ser criança”, completa.
No mundo moderno, o processo de adultização da infância tem se tornado um problema cada vez mais frequente. Mas, afinal, o que isso significa e quais os riscos desse fenômeno no desenvolvimento dos pequenos?
“A adultização infantil é um processo de aceleração da infância. É quando o universo adulto estimula, incentiva e valoriza experiências e situações não adequadas para uma criança. Em outras palavras: é quando não se permite que as crianças vivam o que é fundamental e importante naquela fase da vida”, aponta a psicóloga infantil e familiar e doutora em educação Cecília Antipoff.
Autora do livro “Criança do Movimento: Por Menos Diagnóstico e Medicamento”, Cecília explica que esse processo de aceleração da infância costuma ser danoso, já que nesse estágio os pequenos ainda não têm condições emocionais ou cognitivas de assimilar, elaborar ou entender as cobranças a que são submetidas.
“Essa adultização traz riscos diretos para o progresso da criança como um todo, especialmente no que se refere ao lado emocional, pois é justamente na infância que são formadas as bases do autoconceito. Se as crianças não têm tempo e espaço para vivenciar o brincar livre, a experimentação com seu corpo de acordo com a fase específica de desenvolvimento, elas estão sendo privadas das possibilidades de uma construção mais arraigada e madura de quem elas são ou de quem vão se tornar quando crescer”, observa a especialista.
A psiquiatra da infância e adolescência Sigrid Terezinha Campomizzi Calazans concorda e vai além: “Criança precisa, sim, ter atividades que estimulem seu desenvolvimento, como natação, judô, balé e inglês, porém o fundamental é que ela tenha tempo para brincar, principalmente com jogos lúdicos e imaginativos que estimulem sua criatividade, sonhos e a imaginação”, enfatiza.
A médica detalha que é por meio das brincadeiras que as crianças se descobrem e aprendem a conviver com a realidade ao seu redor.
“Estar expostos ao ar livre é algo fundamental, pois é nesse ambiente que muito do convívio e amizade entre as crianças acontece. É por meio das relações interpessoais com pares de idades próximas que elas desenvolvem o controle de sentimentos como o ciúme, a raiva, a felicidade e a tristeza. Esse contato pode ajudar também na diminuição da timidez, na resolução de conflitos e no aperfeiçoamento do respeito ao próximo”, sustenta Sigrid.
Desse modo, crianças forçadas a corresponder a expectativas de adultos costumam ter dificuldade de socialização e problemas de autoestima, observa Sílvia Mendonça da Matta, psiquiatra de crianças e adolescentes e doutora em neurociências pela UFMG.
“A infância é uma curta e preciosa fase de descobertas e experimentações. A cobrança por parte de terceiros tende a fazer com que a criança nunca sinta que seu desempenho é suficiente. É por isso que ‘pular etapas’ pode trazer riscos de sobrecarga emocional, autocobrança exagerada, baixa autoestima, além de problemas de comportamento e sintomas depressivos e ansiosos”, alerta ela.
A adultização precoce também desconsidera marcos importantes no processo de crescimento.
“O cérebro da criança, assim como o seu corpo, está em constante evolução. Com a imposição de responsabilidades antecipadas, existirão tarefas e deveres com as quais ela não conseguirá lidar por exatamente não ter maturidade suficiente para compreendê-los. Portanto, é muito importante dar o tempo necessário para que elas amadureçam seu nível de capacidade e compreensão”, aconselha a psicóloga infantojuvenil e orientadora parental Jaqueline Maia.
Papel dos pais
Especialistas concordam que os pais devem ter um papel decisivo na hora de separar o mundo adulto do infantil. Para isso, é preciso que se resguardem de seus próprios desejos e vontades e se concentrem nas verdadeiras necessidades dos filhos.
“O olhar e a expectativa do adulto marcam a forma como as crianças serão cuidadas, escutadas, criticadas e até mesmo corrigidas. Sendo assim, é imprescindível um movimento de autorresponsabilização do adulto, pois muitas crianças que sofrem com essas pressões acabam em consultórios médicos e com diagnósticos equivocados feitos na pressa”, adverte Cecília Antipoff.
Já Jaqueline Maia sugere que os pais respeitem a individualidade dos filhos e evitem rótulos que possam “engessar” as crianças dentro de padrões de comportamento.
“Palavras como ‘meu neném’ ou ‘princesa’, que podem parecer elogios, quando muito reforçadas, passam a limitar a criança dentro de um padrão. Isso pode prejudicar seu desenvolvimento saudável e livre de estereótipos”, argumenta.
“O importante é evitar transferir ou até mesmo impor suas crenças, aspirações e desejos pessoais para seus filhos. No fim das contas, eles vão se interessar pelas coisas dos pais quando não se sentirem forçados. O amor, como sempre, é o que vence”, conclui.