O mundo nunca foi tão barulhento e nenhuma vez na história as pessoas se refugiaram tanto em estímulos sonoros particulares, por meio dos cada vez mais populares fones de ouvido. Basta uma passada de olho na rua, no ponto de ônibus, em praças e avenidas para flagrar indivíduos de diferentes idades, estilos e histórias de vida com aparelhos conectados nas orelhas para a audição de músicas, notícias e podcasts. 

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 1 milhão de jovens em todo o mundo correm risco de perda auditiva devido ao uso inseguro de dispositivos de áudio. Já a Pesquisa Nacional de Saúde divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou que cerca de 10,7 milhões de pessoas já possuem algum grau de deficiência auditiva. 

Diante deste cenário, o otorrinolaringologista Eduardo Rossi, doutor em cirurgia auditiva pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), soa o alarme. “Não existe cuidado auditivo na nossa sociedade. Mesmo no campo profissional, passou-se a ter esse olhar mais apurado há muito pouco tempo, em razão de empresas que trabalham com uma taxa de ruído muito alta, como as mineradoras. Eu diria que, da década de 2000 para cá e que se começou a ter programas voltados para a saúde auditiva”, avalia Rossi. 

Individualismo

A constatação é ainda mais grave em termos da população em geral, sobretudo entre os mais jovens. Segundo o especialista, existe uma cultura disseminada de que esses problemas atingiriam apenas pessoas idosas, o que está longe de corresponder à verdade. Sem “evitar sons intensos, ficando ao lado de caixas de som”, as perdas auditivas acabam se alastrando na sociedade. Por obrigação profissional, Rossi não se coloca entre aqueles que normalizam o uso dos fones de ouvido, pelo contrário. 

“Muitos mães e pais de adolescentes chegam ao consultório perguntando se é normal usar o fone de ouvido em um volume alto, e eu respondo que não, que é sempre bom evitar o uso do fone em um volume muito intenso”, ressalta. Ele coloca na conta do individualismo crescente parte dessa cultura. “Você nota que, quando vai a uma academia, está todo mundo com seu fone de ouvido. Não acontece mais aquela interação entre as pessoas, aquele som que ficava na caixa da academia”, observa. 

Rossi acredita que essas interações se deslocaram para o universo das redes sociais. “Fica todo mundo imerso no celular utilizando o fone de ouvido”, pontua. Uma altura ideal, segundo o especialista, seria “aquela em que a pessoa que usa o fone consegue escutar, mas que não chega aos ouvidos de quem está em volta”. Uma dica importante é investir em fones de ouvido que trazem a opção de “atenuador de ruído externo”, o que possibilitaria diminuir o volume do som, e, ainda assim, ter uma boa experiência com o aparelho. 

Perigos

Entre as consequências graves de não se prestar a devida atenção à saúde auditiva residiria justamente numa subestimação das perdas auditivas. “Hoje, a cultura que se tem é de tratamento da perda auditiva, e não de uma prevenção. Por mais que a gente saiba que todas as pessoas, com o evoluir da idade, irão apresentar uma perda auditiva, é importante a gente ter alguns cuidados para não agravar essa perda ou evitar que ela aconteça de maneira precoce”, orienta Rossi. 

O médico enumera diversos sinais de comprometimento da audição, que “podem começar como um zumbido leve”. “Se a pessoa tem alguma dificuldade de compreensão das palavras em um ambiente com ruído competitivo, como bares e restaurantes, também é um sinal para se prestar atenção”, salienta. Queixas que venham de parentes e familiares que dizem que a pessoa é constantemente chamada mas não responde também devem ser levadas em consideração para esse diagnóstico. 

“É fundamental que se atente para estes sinais no início, porque com o passar do tempo e o consequente evoluir dessa perda de audição, outros problemas podem acontecer, como o isolamento social e, a longo prazo, uma demência numa idade mais precoce”, alerta o otorrinolaringologista. 

Tratamentos

Entre os inúmeros tipos de perdas auditivas, a mais grave é aquela em que ocorre uma lesão neural do nervo da audição ou dos nervos que existem na cóclea, estrutura em forma de espiral localizada no ouvido interno, responsável pela audição. Nesse caso, “infelizmente, hoje em dia não há como reverter o dano causado por essa perda”, declara Rossi. A possibilidade seria a de realizar um implante coclear. “Mas não há como reverter uma perda já instalada”, reforça. 

Ressaltando o papel da prevenção, Rossi sustenta que o uso de EPI (Equipamento de Proteção Individual) em ambientes onde há ruído intenso como indústrias, empresas e mineradoras, é um dos principais aliados nessa batalha. Para o público em geral, segue a orientação de evitar se expor a ruídos intensos e também estar atento ao uso de medicamentos que podem causar perda auditiva, mas que na maioria dos casos são usados para tratamentos de cânceres. 

Imersos em cidades cada vez mais barulhentas, o especialista não tem dúvidas que isso tem afetado nosso bem-estar social. “Parece que não, mas o ato de ouvir requer um esforço auditivo, um esforço físico e mental, que leva a pessoa a se cansar ao longo do dia. Por isso que as pessoas relatam cansaço em ambientes barulhentos, em que elas precisam se concentrar e prestar muita atenção para conseguir ouvir”, afirma. 

Cuidados para o dia a dia

Não é incomum que pessoas expostas a ambientes barulhentos, “mesmo que não tenham caminhado, jogado futebol ou ido à academia apresentem um quadro de cansaço mental”, destaca o otorrinolaringologista Eduardo Rossi. Cuidados que preservam a nossa saúde e bem-estar como um todo também atendem à nossa saúde auditiva, afiança o especialista. 

“Atividade física, alimentação adequada, hidratação e, especificamente para a audição, evitar a exposição a sons intensos”, confirma. Em ônibus e caminhões é necessário se atentar para o impacto da vibração do som nesses locais, o que também prejudica nossa saúde auditiva. “O mundo de hoje é um mundo barulhento, em que há inúmeros sons, e esses sons vão sempre competir entre si”, analisa Rossi, que percebe a dificuldade em “se concentrar em um som enquanto há inúmeros outros ao redor”. 

“Por conta disso, as pessoas são levadas a acreditar que o som delas tem que ser o mais alto, o mais intenso, para que elas consigam prestar atenção. É, com isso, acabam aumentando muito o volume do que ouvem”, observa. Por fim, o “imediatismo de um mundo em que não há que se pesquisar como antigamente, indo ao índice remissivo dos livros, à biblioteca, mas em que tudo está na palma da mão” também afeta nossa saúde auditiva. “Tudo é o agora e, quando a gente só enxerga o imediato, não enxerga o futuro, e isso impede uma cultura de prevenção”, arremata Rossi.