Longe dos holofotes que envolvem a preparação para a Copa do Mundo de Futebol no Brasil, há cerca de 30 dias mais nove tatus-bola foram mortos por um caçador preso em uma estação ecológica do Rio Grande do Norte. O episódio, comum na Caatinga, marcou um grupo de biólogos que fazia uma expedição no local, já impressionados com a devastação do bioma e suas espécies.
 

Na volta da viagem, eles bolaram um plano para chamar a atenção do mundo ao abandono do bichinho que virou mascote da Copa. O objetivo, diz o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Enrico Bernard, é provocar as autoridades brasileiras que segundo ele pouco fazem por sua preservação.

Os pesquisadores lançaram um desafio à Federação Internacional de Futebol (Fifa) e ao governo federal: a cada gol marcado na Copa, 1.000 hectares da Caatinga deverão ser protegidos como parques e reservas.

“A média das últimas quatro Copas foi de 140 gols. Então teríamos aí uma reserva de 140 mil hectares. Não é muito levando-se em conta que há 80 áreas já mapeadas pelo Ministério do Meio Ambiente para se tornarem reserva, mas que não saem do papel”, disse Bernard. A Caatinga – do tupi: ka'a (mata) + tinga (branca), ou mata branca – é o único bioma totalmente brasileiro e engloba nove Estados do semi-árido, incluindo o Norte de Minas. Já teve 845 mil quilômetros quadrados. Hoje tem 447 mil.

“A Caatinga é o patinho feio dos ecossistemas brasileiros. Mas, na verdade, de todas as florestas secas, é a mais rica do planeta, número de espécies únicas. E está perdendo o que resta dela rapidamente por causa do desmatamento, caça e pastoreio excessivos”, afirma Enrico Bernard.

Fuleco, como foi batizado mascote da Copa, figura há mais de dez anos na lista vermelha de animais ameaçados de extinção. Seu nome científico é Tolypeutes tricinctus. O Ministério do Ambiente estima que 30% dos remanescentes da espécie foram destruídos na última década. Seu habitat principal é a Caatinga e o Cerrado. Fuleco é frágil. Ao perceber o perigo, se enrosca e fica paralisado, tornando-se presa fácil para caçadores. Ele não entra na terra como seus parentes.

“Estamos desafiando a Fifa e o governo brasileiro a incorporarem três ações conservacionistas concretas ao legado ambiental da Copa no Brasil: expandir o sistema de parques e reservas na Caatinga; honrar os investimentos prometidos para os Parques da Copa; e acelerar a publicação do plano de ação para a conservação do tatu-bola” diz Felipe Pimentel Lopes de Melo, professor de biologia da UFPE.

“Colocamos a bola na marca do pênalti”

À Fifa caberia ajudar com recursos e, ao Brasil, delimitar as reservas. Assim Enrico Bernard, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), define a proposta feita aos organizadores da Copa, que teve um artigo publicado na revista científica norte-americana “Biotropica”.

“O que nós fizemos foi colocar a bola na marca do pênalti para o governo chutar. Oferecemos a oportunidade para que, junto com a Fifa, um evento tão desgastado tenha uma contribuição real”, afirma Felipe Melo, também professor da UFPE

O Ministério do Meio Ambiente foi procurado para comentar a proposta dos biólogos, mas não retornou até o fechamento desta edição.