Desejo

O que é ‘cuckold’ e por que esse fetiche é cada vez mais popular

Estudo realizado com membros de site dedicado ao sexo e ao swing indicou que 9 em 10 homens admitem ter o chamado “fetiche do corno

Por Da Redação
Publicado em 05 de maio de 2023 | 06:45
 
 
Plataforma Sexlog registra crescimento do interesse de seus usuários pela prática do cuckold Foto: Pixabay

Último filme dirigido por Stanley Kubrick (1928-1999), “De Olhos Bem Fechados” foi recebido, em 1999, com certo mal-estar pela crítica e pelo público. Na história, a personagem Alice, vivida por Nicole Kidman, esposa do protagonista Dr. Bill Harford, interpretado por Tom Cruise, confessa ter tido fantasias sexuais com outro homem e desperta a curiosidade e o ciúme de seu marido, que passa a explorar o submundo sexual da cidade em busca de uma aventura que o liberte de seus sentimentos reprimidos. Na produção, o tema do “cuckold”, prática em que um homem sente prazer ao ver sua parceira ter relações sexuais com outro homem, é explorado na cena de uma orgia, na qual as mulheres são “cegasfolded” (com os olhos vendados) e os homens usam máscaras para garantir o anonimato. O trecho sugere que o desejo de ser controlado e humilhado é uma fantasia comum entre os participantes.

Quase 25 anos após o lançamento da produção, uma nova pesquisa, divulgada no Dia do Corno, causou ao indicar que esse fetiche não está restrito ao soturno universo kubrickiano. Segundo levantamento feito pelo site Sexlog – que reúne 19 milhões de inscritos, sendo considerado a maior rede social de sexo e swing do Brasil –, expressivos 90% dos usuários do sexo masculino da plataforma reconheceram já ter desejado ver a parceira tendo relações sexuais com outra pessoa. No ano passado, respondendo à mesma questão, apenas 30% dos homens admitiram ter essa fantasia, que, além de cuckold, também é chamada de “fetiche do corno”, sendo caracterizada pelo ato de ver a esposa ou namorada tendo relações sexuais com outra pessoa, ou mesmo saber que isso está acontecendo em outro lugar.

A pesquisa do Sexlog ainda indica que mulheres também são adeptas do fetiche, sentindo prazer ao ver o parceiro fazendo sexo com outra mulher. Nesse caso, a prática é conhecida como “cuckquean” (a mulher que gosta de ser traída) e “hothusband” (homem que é visto traindo). Segundo a plataforma, em 50% dos casos, o interesse primário partiu delas, e não de seus maridos.

Consentimento

Apesar de comumente se empregar o termo “traição” para se definir o fetiche, na prática, ninguém está traindo ninguém, já que uma das principais regras do cuckold é o consentimento mútuo. A depender do contexto combinado e das preferências de cada casal, a “traição” pode acontecer de várias formas, como a distância, com os detalhes contados posteriormente, ou mesmo com um dos participantes fazendo a vez de voyeur, ou seja, assistindo à cena de longe ou de perto – até mesmo filmando ou interagindo de outra maneira.

Um dos aspectos que muitas vezes envolvem o cuckold e o cuckquean é a busca por ser humilhado e sentir prazer e excitação com essa experiência. Mas essa não é uma condição sine qua non entre os adeptos desse fetiche.

Para entender o comportamento, o psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres acredita ser importante compreender, primeiro, que os fetiches são parafilias, mas não necessariamente transtornos parafílicos. Ele detalha que parafilia é o comportamento sexual tido como fora do comum, que se desvia do padrão, como o golden shower e o próprio cuckold. Já o transtorno acontece quando o comportamento é a única forma de a pessoa se excitar ou quando há sofrimento para os envolvidos. “O que os estudos mostram é que a maioria dos seres humanos possui alguma parafilia. Todos nós temos algum desejo sexual fora do comum”, afirma Rodrigo Torres, psicólogo e especialista em terapia sexual.

Popularização

Além de estar presente no imaginário de 9 de 10 usuários da plataforma Sexlog, há outros indicativos de um crescente interesse pela prática. Nos últimos 15 anos, por exemplo, a procura pelo termo “cuckold” cresceu cerca de 800% no Google. No XVideos, popular site de pornografia, há uma grande proliferação de vídeos que performam esse comportamento sexual.

Mesmo com essa crescente popularização da prática, quando se fala em cuckold, a primeira reação de muitas pessoas é de espanto, repulsa e deboche. Mas a psicóloga e psicoterapeuta sexual Théa Murta adverte ser fundamental não tratar fetiches e temas relacionados à sexualidade, por mais fora dos padrões que sejam, como algo nojento e doentio – “para não trazer sofrimento para as pessoas que têm práticas como essas”. Segundo ela, a dinâmica associada a essa modalidade sexual coloca em debate questões do papel do homem nos relacionamentos, na posição de poder, masculinidade e virilidade. “Pensar no homem como ‘corno’ é perceber um lugar de vulnerabilidade, fragilidade e fraqueza. O que vai na contramão desse lugar de machão”, avalia.

Théa reforça que o cuckold deve ser prazeroso e agradável para todos os envolvidos. “A gente entende como um problema quando passa a causar sofrimento para a pessoa, para terceiros, quando infringe consentimentos e passa a atrapalhar diretamente a vida pessoal, profissional e social da pessoa. Podemos pensar em certo e errado quando há desrespeito e sofrimento. Fora isso, fetiches podem ser um mundo de possibilidades saudáveis, gostosas e prazerosas”, salienta.

Para a psicóloga sistêmica, sexóloga e educadora Sueli da Paz, a associação do cuckold à traição evidencia como as relações afetivas são pautadas por uma ideia de posse: “As pessoas não são objetos, estão para ter trocas, para dividir. A traição só acontece se no contrato verbal de monogamia não cabe a relação ou o contato íntimo com outra pessoa”, diz. Ela vê com naturalidade o aumento da procura pela prática na internet, que abriu novas portas para a nossa sexualidade. “Saímos das revistas e dos vídeos eróticos nas locadoras para um universo muito mais amplo”, pontua.

Sobre a representação do cuckold na pornografia, a educadora faz algumas ressalvas e alerta sobre a coisificação dos corpos e a reprodução do que não é real: “O excesso de vídeos em que há uma humilhação faz com que as pessoas que assistem vão normalizando, achando que isso é uma regra, o que não é real. É negativo se a pornografia é a única fonte de instrução e troca”.

Origem do termo. A expressão cuckold vem da ave cuco, cuja fêmea busca outros ninhos para colocar os ovos, sem que o macho saiba disso.