Um escape para a ansiedade, um simples passatempo para fins de semana inteiros em recomendável confinamento ou uma mudança geracional: nos últimos dias, mostras e de competições de fotos com teor de nudez, as populares nudes, ganharam as redes sociais em um movimento que, enquanto parte do mundo se recolhe em quarentena, parece consolidar a internet como meio para a expressão da sexualidade.
Antes, é verdade, o comportamento de alguns grupos sociais nas mídias digitais e o sucesso de aplicativos de relacionamentos já demarcavam uma vocação do espaço virtual para a satisfação da necessidade e do desejo sexual próprio e do outro. Agora, quando uma pandemia faz mais de 20 mil vítimas fatais em todo o mundo, causando apreensão e modificando radicalmente as dinâmicas sociais e da vida cotidiana no meio urbano, interações afins ganham novas proporções.
Nesta quarta-feira (25), por exemplo, o Twitter voltou a ser palco de uma disputa que, invariavelmente, escala aos assuntos mais comentados do país e até do mundo com um quê de irreverente: a Pinto Awards. Sim, um sem número de usuários da rede social tem se dedicado a participar de um concurso de pênis. A história é antiga, começou em 2016, impulsionada pelo sucesso do Snapchat, primeiro aplicativo em que fotos se autodestroem depois de determinado tempo.
De lá para cá, muitas edições aconteceram - tanto que o idealizador do projeto, o estudante Luiz, 28, já perdeu as contas. Ele conta que, no início, usava seu perfil pessoal para promover a competição. Em 2017, criou uma conta especialmente para a causa e estabeleceu regras - como a comprovação de que o dono da foto tem mais de 18 anos. Foi naquele ano que o tema alcançou os Trending Topics pela primeira vez.
Na última quinta-feira, quando anunciou o evento, programado especialmente para o período em que a recomendação das autoridades sanitárias é que as pessoas evitem sair de casa, Luiz precisou encerrar as inscrições dos competidores sem muita demora.
"Em menos de 24 horas, havia recebido mais de 400 fotos. O dobro do que recebia nas primeiras", comenta. Volume tão grande que a disputa foi dividida em etapas: no primeiro dia, na segunda-feira, o tema ficou entre os mais citados do Twitter no Brasil e no mundo. Na terça, em uma espécie de ressaca da competição, outros vários "awards" se insurgiram na rede social - como o #peitosawards e o #rabaawards, em que predominantemente mulheres publicaram fotos suas.
Mostra de nudes ganha o Instagram
A DJ e percussionista Sandra Leão, 32, se surpreendeu com a repercussão do que começou como uma brincadeira despretensiosa. "No sábado, eu acordei, fui escovar os dentes, me vi no espelho e tirei uma foto. Decidi postar (no Stories, ferramenta de compartilhamento do Instagram em que imagens permanecem disponíveis por até 24 horas), era uma semi-nude e, daí, falei para as pessoas mandarem fotos delas também que eu ia repostar", lembra.
Então, fotos começaram a chegar. "Gente do mundo inteiro apareceu, da Finlândia, da Colômbia, do Canadá", comenta. A situação, sensivelmente, saiu do controle. No domingo, ela dedicou nada menos que sete horas à brincadeira. Tarefa hercúlea, as mensagens não paravam de chegar. "Foi algo que mexeu comigo, decidi que não ia mais postar. Mas, começaram a chegar umas fotografias lindas e, daí, voltei, mas em menos quantidade", ri. Em três dias, ela calcula ter recebido cerca de 1.800 registros.
Com efeito, Sandra ganhou mais de 700 seguidores. O alcance de seus posts também se multiplicou: "Antes, quando muito, um stories meu tinha 600 visualizações. Agora, mais de 2.300". Por outro lado, ela recebeu notificações da rede social. "O Instagram estava quase me banindo. Então criei uma conta específica para o que virou essa mostra, o Nude Casa", explica.
A coisa ficou tão séria que, agora, ela passou a angariar prêmios para distribuir entre aqueles cujos registros fizeram mais sucesso. "Mas o principal é que todo mundo ganha. Ganha novos contatinhos, novos crushes, joga a autoestima para cima", defende.
Para ela, aliás, o sucesso da iniciativa se explica, em parte, por um "fazer as pazes com o próprio corpo". "Recebi muitas fotos de pessoas que fogem ao padrão de beleza, de pessoas que nunca tinham tirado uma nude e que até pediu dicas de como fazer", ressalta.
Sexo virtual como alternativa
Da despretensiosa brincadeira de Sandra, alguns encontros à distância aconteceram. "Algumas pessoas me escreveram falando que tinham tido encontros virtuais a partir das fotos", revela a artista, que defende a prática: "Não deixa de ser uma troca, certo? E é algo que pode estimular uma troca física depois que tudo isso passar. Então, acho que é importante, sim, que distrai a gente dessa tensão. Ter orgasmo ajuda a distensionar".
Curiosamente, aliás, as inspirações que levaram Sandra a iniciar a maratona de nudes não estão na internet. "Duas referências foram importantes: a festa Geleia Geral, de BH, que já fez uma competição do tipo em uma edição. E a Masterplano, que fez uma versão de uma festa em que todos discotecavam nus", cita.
A fluidez da sexualidade
"Estas mostras e competições se colam a um fenômeno interessante em que podemos observar como a sexualidade é algo fluido, que se adapta a contextos adversos", opina o sexólogo e educador Drubsky. Para ele, "a grande novidade é o reconhecimento institucional do sexo virtual enquanto modalidade sexual", diz, lembrando que a prefeitura de Nova York, nos Estados Unidos, recomendou o método como alternativa aos moradores da megalópole.
Na equação dessa mudança de paradigma, ele elenca a situação de privação de relacionamentos físicos e em uma crescente ansiedade.
"Inicialmente, quando a internet surge, a pornografia torna-se uma opção por ser algo de fácil acesso e porque poderia ser consumida anonimamente. Com o advento dos smartphones, surgiu o sexting (troca de fotos íntimas de nudez e sexo, mensagens de textos insinuantes e eróticas por meio de redes sociais e aplicativos). Hoje, já existem modalidades de sexo virtual funcionando - que, agora, ganham ainda mais projeção pelo contexto em que estamos vivendo", analisa Drubsky.
"O que presenciamos é uma mudança do que se entende como privacidade e intimidade. É uma mudança na forma como as pessoas estão se expondo. Estes conceitos, hoje, são muitos diferentes de anos atrás e muito disso em decorrência de como operam as redes sociais", acrescenta Theo Lerner, sexólogo da divisão de clínicas ginecológicas do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
"Há uma virtualização das relações, em que o contato ao vivo fica mais difícil e menos valorizado. Se isso é bom ou é ruim é algo que vamos ver no futuro", pondera Lerner, que também considera natural que que "as pessoas, quando em um momento de recolhimento e conectadas como estão, busquem explorar sua sexualidade".
A psicóloga e sexóloga Enylda Motta, por outro lado, aponta para possíveis efeitos colaterais dessa virtualização. "As implicações da prática na internet, quando excessiva, é que, ao se isolarem, as pessoas não irão se descobrir e nem se permitir viver um relacionamento, seja sexual ou não. A internet é a zona de conforto, mas, ao mesmo tempo, é perigosa - e pode provocar ansiedade, medo, insegurança, tristeza, depressão, melancolia, isolamento e compulsões", diz.
"Podemos perceber que quanto mais isolamento mais delicada o cenário se torna. Assim, se não houver uma orientação, pode acontecer de a pessoa não perceber se o que está fazendo é algo saudável e prazeroso ou se é algo impulsivo e prejudicial", completa Enylda.
Cuidados
"Quando falamos do sexo presencial, precisamos dizer também das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e da gravidez não planejada. Da mesma maneira, é preciso falar sobre os riscos inerentes ao sexo virtual", pontua Drubsky.
Uma dessas práticas que é a sextorção: "ameaçar divulgar fotos íntimas como forma de chantagear outro", como define a SaferNet, uma associação que defende os direitos humanos na internet no Brasil. A entidade lembra que o sexo virtual pode fazer com que o que estava protegido pela intimidade seja divulgado a qualquer momento, acarretando estresse, bullying e, em casos extremos, levamos até ao suicídio.
Em sua página na web, o diretor de educação da SaferNet, Rodrigo Nejm, aconselha: "É muito importante não culpabilizar quem produz o nude, mas sim lembrar que é crime expor esse nude sem autorização. E é papel de todos nós ajudar quem está sofrendo algum tipo de ameaça ou exposição”.
A entidade disponibiliza um guia informando o que diz a lei em casos de sextorsão, registro de atividade sexual não autorizada e outros temas afins. Para acessar, basta clicar neste link.