DIPLOMACIA

Guerra entre Rússia e Ucrânia expõe fragilidade de lideranças políticas mundiais

Especialistas apontam preocupações com eleições e desconhecimento da política interna russa para atuação diplomática no conflito

Por Simon Nascimento
Publicado em 03 de março de 2022 | 03:00
 
 
Joe Biden Foto: ROBERTO SCHMIDT / AFP

O mundo está com atenções voltadas entre à guerra entre Rússia e Ucrânia há oito dias, quando Vladimir Putin ordenou a invasão de tropas russas à região separatista ucraniana de Donbass. Desde então, muito se fala sobre sanções econômicas contra o Kremlin e de negociações para cessar os ataques contra os ucranianos.

No entanto, as lideranças políticas presentes no cenário internacional atualmente não demonstram, pelo menos até a atual fase do conflito, capacidade de negociar ou barrar o ímpeto de Putin. Alvo dos ataques, a Ucrânia é considerada vulnerável por alguns especialistas, em comparação à Rússia, não só em inferioridade bélica, mas devido ao histórico artístico do presidente Volodymyr Zelensky.

O chefe do Executivo é conhecido no país pela atuação em atrativos televisivos locais e por baixa bagagem política, fato que já resultou em comentários sarcásticos inclusive partindo do presidente Jair Bolsonaro. Por outro lado, Putin acumula duas décadas no comando de Moscou. 

Neste período, o ex-agente do serviço secreto russo demonstra capacidade de sobrevivência política, mesmo que para isso precise lançar mão de medidas autoritárias no país. “Qualquer um, no lugar de Putin, adotaria um comportamento parecido, porque senão seria engolido pelas elites russas. Mas Zelensky demonstrou certa inocência ao acreditar que teria um grande apoio ocidental, da Otan, dos Estados Unidos. Parece que ele não tinha a exata noção do que poderia acontecer”, analisa o professor do curso de Relações Internacionais da PUC-MG, Leonardo Ramos. 

Para o estudioso, faltou traquejo ao presidente ucraniano para entender as tensões históricas da região e buscar uma resolução pacífica junto aos interesses russos e de expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Ramos avalia que, no cenário internacional, uma personalidade que poderia contribuir para o avançar das negociações entre russos e ucranianos seria o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

No entanto, as eleições de meio mandato em novembro, para renovar o parlamento norte americano, interferem na atuação frente à guerra. “O Biden tem um histórico apelo conciliatório, mas até para dar uma satisfação aos republicanos (rivais eleitorais) ele não vai ceder”, diz. Leonardo acredita que na Europa, atualmente, nenhum líder político conseguirá auxiliar em uma solução diplomática para o conflito.

“Talvez com Angela Merkel (ex-chanceler da Alemanha) poderia ser diferente. É uma figura chave e que segurou a expansão da Otan, porque sabia que se deixasse expandir poderia ter problemas”, analisa. No posto de chanceler alemão desde 8 de dezembro de 2021, o substituto de Merkel, Olaf Scholz, atuou de maneira surpreendente, na opinião do professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Kai Enno Lehmann. 

“Mostrou uma liderança inesperada e alterou a política externa alemã de não se envolver em conflitos de 60 anos em dois dias”, citou o professor ao lembrar o envio de armas e as negociações do gasoduto Nord Stream 2, gasoduto estruturado para levar gás da Rússia à Alemanha e outros estados. 

Lehmann diz que a postura do país seria outra com Angela Merkel, mantendo as tradições estabelecidas em Berlim principalmente após a 2ª Guerra Mundial. “O problema é que Olaf é muito novo no cargo, apesar da experiência política. É difícil saber qual influência ele tem internacionalmente”, acrescenta. 

Sistema russo dificulta atuação 

De acordo com o professor Kai Enno Lehmann, a falta de informações que outros países possuem sobre a política interna russa também é um grande dificultador para a construção de boas relações diplomáticas com o país, em busca de um cessar-fogo.

“Temos que dizer que mesmo se os Estados Unidos e União Europeia tivessem melhores condições possíveis em termos de lideranças, as influências que esses países têm em relação à Rússia são limitadíssimas”, assinala. 

Na visão do docente, o presidente francês, Emmanuel Macron, que poderia ser importante para amenizar a tensão no leste europeu, tem ações limitadas pela aproximação das eleições presidenciais.

Com oponentes de partidos da extrema direita tendendo a apoiar Vladimir Putin, Macron adota discursos moderados sobre o conflito, que devem ser levados às vésperas da votação. “À medida que a campanha vai aquecendo, ele vai se utilizar muito disso”, acrescentou. 

Solução chinesa 

País que se movimentou no início da semana para oferecer solidariedade à Ucrânia, mas sem condenar abertamente os russos, a China pode ocupar um lugar de protagonismo nos próximos dias de guerra. “O objetivo do governo de Xi Jinping é dizer que ‘somos moderadores’. A China depende de mercados americanos e europeus para suas exportações e uma crise política seria muito prejudicial”, analisa Kai Enno. 

E o Brasil?

Em postura neutra na avaliação da guerra entre Rússia e Ucrânia, a política internacional brasileira fica ainda mais prejudicada. Na avaliação do professor Evandro Menezes, o país acertou a votar no conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a invasão russa à Ucrânia.

“A postura do presidente (Jair Bolsonaro) é claramente vacilante. Putin está consciente da violação de direitos e o Brasil vai se esquivar disso? A situação evidencia que o Brasil está se atrapalhando. É um movimento que depõe contra a boa tradição da diplomacia brasileira. A imagem do país internacional está sendo destruída muito rapidamente”. Evandro Menezes de Carvalho, professor de Direito Internacional da Fundação Getúlio Vargas.