embate com a igreja

Polícia da Nicarágua detém bispo crítico do presidente Daniel Ortega

Agentes da polícia invadiram a cúria de Matagalpa e levaram o religioso, que estava cercado há duas semanas

Por Agências
Publicado em 19 de agosto de 2022 | 16:35
 
 
Frame de transmissão pelo Facebook feita pelo bispo Rolando Alvarez Foto: @DIOCESISDEMATAGALPA / AFP

O bispo de Matagalpa, Rolando Álvarez, crítico do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, foi detido na madrugada desta sexta-feira (19), no mais recente episódio do enfrentamento entre a Igreja Católica e o governo.

Os agentes invadiram a cúria da cidade no norte do país, onde ele permanecia cercado há duas semanas, e o transferiram para Manágua. "O bispo está em uma residência na capital", anunciou a polícia em comunicado, embora não tenha especificado de quem era a residência.

"Ele pôde se encontrar com seus parentes esta manhã", assim como com o cardeal e arcebispo de Manágua, Leopoldo Brenes, acrescentou. 

A entidade explicou que ele foi transferido da cúria de Matagalpa (norte) para Manágua "com respeito e observância de seus direitos". No entanto, Vilma Núñez, presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), afirmou à AFP que a intervenção policial na cúria ocorreu "com violência". 

A polícia especificou que tomou a decisão de transferir Álvarez da cúria de Matagalpa porque o bispo persistiu em suas atividades "desestabilizadoras e provocativas".

Oito padres, seminaristas e um laico que estavam com Álvarez na cúria também foram levados para Manágua. Estão todos sob investigação. 

O secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou preocupação com os ataques contra a democracia e a Igreja Católica na Nicarágua, segundo um de seus porta-vozes.

Guterres "está muito preocupado com o grave fechamento do espaço civil e democrático na Nicarágua e com as recentes ações contra organizações da sociedade civil, incluindo da Igreja Católica", disse o porta-voz Farhan Haq a repórteres na sede das Nações Unidas.

A própria diocese de Matagalpa alertou na madrugada desta sexta-feira sobre a entrada da polícia na residência do bispo. "SOS. Urgente. Neste momento, a Polícia Nacional entrou na Cúria Episcopal de nossa Diocese de Matagalpa", publicou no Facebook.

"A Polícia Nacional entrou na Cúria Episcopal de nossa Diocese de Matagalpa e levou o Monsenhor Álvarez junto com outras oito pessoas", acrescentou.

A Conferência Episcopal da Nicaragua (CEN) chamou a uma oração pelo bispo. O arcebispado do Peru expressou solidariedade e disse que acompanha "com sua oração aqueles que foram privados de liberdade".

O arcebispo do Panamá, José Domingo Ulloa Mendieta, considerou as a detenção como uma "aberração" e pediu a libertação de Álvarez.

Álvarez estava confinado em sua cúria junto com uma dezena de pessoas desde 4 de agosto, enquanto era investigado por "organizar grupos violentos" e incitar ao "ódio" para "desestabilizar o Estado da Nicarágua".

A reclusão do bispo ocorreu dias depois que ele denunciou o fechamento por parte das autoridades de cinco emissoras católicas e exigiu respeito pela "liberdade" religiosa do governo de Daniel Ortega.

Tensão entre governo e Igreja

A retenção do bispo ocorreu em meio ao atrito que a Igreja tem com o governo de Ortega, ex-guerrilheiro de 76 anos que está no poder desde 2007, amparado por três reeleições sucessivas. A última aconteceu em novembro de 2021, com seus adversários presos ou exilados e em meio a questões internacionais. 

O presidente acusa os bispos de "golpistas" por apoiarem os protestos da oposição que pediram sua renúncia em 2018. 

Em meio à crise, a Igreja tentou em 2018 e 2019 mediar um diálogo entre o governo e a oposição.

O presidente censurou os bispos por terem aceitado uma proposta da oposição que buscava resolver a crise adiantando as eleições de 2021 para encurtar seu mandato presidencial. 

Desde então, as relações se deterioraram. Este ano aconteceu o fechamento de meios de comunicação católicos, incluindo o canal da Conferência Episcopal, e a recente prisão do padre Oscar Benavídez, por razões desconhecidas. 

A Associação Missionárias da Caridade, da ordem de Madre Teresa de Calcutá, que deixou o país em julho, também foi proibida. Em março, o núncio apostólico Waldemar Sommertag, que participou em 2019 das negociações entre governo e oposição, já havia sido expulso.

(AFP)