Mineiros proferem palavrões. Mas muito menos do que em qualquer parte do país.
Eles ofendem rezando.
Pedem ajuda divina mais do que insultam o próximo.
Diante de um susto, de uma tristeza, de uma dor, invocam os santos.
É “Nossa Senhora” para cá, “ai meu Deus” para lá.
Preferem abreviações como “Nu”. Não perdem tempo xingando. Economizam o inferno. Pensam demoradamente antes de sujar a boca. Como se os pais estivessem sempre por perto, fiscalizando.
Não são reprimidos, e sim controlados. É um dom diplomático para evitar confrontos passionais. Acreditam na negociação a partir do uso equilibrado de sinônimos. Protegem os argumentos não se rebaixando a grosserias evidentes e óbvias.
Querem dar o recado sem perder o respeito, sem sacrificar a educação.
São tímidos para ferir, pacientes para solucionar divergências.
É impossível, por exemplo, um carioca, de pavio curto, ganhar alguma querela com eles: ficam em silêncio, olhando, ciscando, esperando que se enforque sozinho com as próprias palavras.
Partilham da crença de que quem tem razão não se desespera.
Apostam na conversão do agressor, jamais repetindo os péssimos modos dele. Fundamentam, pelas ideias, que ele está errado. Isolam a falha para consertá-la.
O Instituto Rio Branco deveria ter a sua sede em Belo Horizonte, não em Brasília.
Em vez de falar o “vá à m.”, adotam o bonitinho “vá se catar”. Ou o pitoresco “vá plantar mandioca”.
Ou seja, acreditam que o xingamento é fruto de mente preguiçosa, vazia, que o trabalho cura a maldade.
Nem a “m.” recebe destaque, mas a “bosta”. “A vida está uma bosta” é mais ouvido do que “A vida está uma m.”.
É comum trocar o “vá tomar no c.” pelo higiênico, perfumado e inofensivo “vá tomar banho”. Ainda se confia aqui na força terapêutica da ducha gelada para o sangue quente.
Com exceção do universal “f.”, aplicado em diferentes faixas etárias, não prolongam conflitos. Não empregam golpes baixos invocando os pais na ordem da violência. Procuram resolver um impasse com o timbre sussurrado.
Mineiro come a sua raiva fria, como se fosse angu. Mineiro gritando só no estádio de futebol.
Quando a situação foge do controle, arremessa neologismos para o outro se lembrar de suas raízes.
O malandro pode ganhar um “fingi di égua”. Um idiota pode ser presenteado com um “jacu”. Um chato pode ser qualificado de “entojado”. Coisa ruim ou tragédia tem a caracterização de “bagaça”.
Eu sofro ao discutir com a minha esposa, belo-horizontina. Nunca sei quando ela está brava. Não apresenta o glossário comum da irritação. Ela, feliz ou nervosa, mantém a mesma elegância. Não me manda aos lugares inomináveis, à “p. que pariu”, não me desqualifica rasteiramente, não puxa o tapete dos meus traumas. Emprega um jogo psicológico, lento e astuto, para me educar com indiretas.
Sou um selvagem perto dela. Um barril de pólvora. Um analfabeto funcional.
A impressão é que ela está na igreja, jamais em nossa própria casa.
Ou chama atenção para o meu comportamento acima do tom.
– Por que está assim? Calma. Anda estressado demais com o trabalho.
Ou cria culpa em relação à família presente nos demais aposentos.
– Os filhos vão ouvir, fala baixo.
A realidade é que, durante todo o meu casamento, ando brigando sozinho.