Tudo começa aceitando um copo d’água.

Quando você se adentra na casa de um mineiro e diz “sim” à inofensiva oferta de aguinha para matar a sede, não reparou que deu carta branca ao banquete. É uma senha para ser servido, descerrando as comportas do acolhimento.

Depois da água, virão o café, o biscoito de polvilho, o bolo, a broa, o pãozinho de queijo, a tábua de frios, o torresmo, o almoço, o jantar.

A visita é serviço completo de fidalguia. Você se senta discretamente na cadeira da cozinha e é abduzido para o sofá, para a sala dos grandes acontecimentos da alma.

Não importa a sua missão. Ou se o seu papel se resume a um recado.

Não importa se está ali para realizar um trabalho. Não importa se é da Cemig ou da operadora de celular.

Atravessou o capacho, sairá alimentado. É inconcebível se despedir com as mãos abanando.

O mineiro é o mais preocupado e compenetrado anfitrião. Odeia contrariar a tradição dos seus antepassados. Morre de medo de que os fantasmas puxem seus pés à noite. Não suporta a ideia de ser mal falado. A maior afronta, para ele, é que alardeiem que não tem nada em sua casa. É uma fofoca que o deserda culturalmente dos méritos da fartura da geladeira, da despensa e do fogão.

Aparição é exclusiva dos santos. Se você é de carne e osso, aprenda a ficar. Aprenda a conversar. Aprenda a ouvir. Aprenda a gastar tempo.

Ao recusar o copo d’água, é natural o fim de qualquer insistência. Não pronunciou as palavras mágicas, não acertou o código. Entende-se a pressa, respeita-se a funcionalidade do momento, que se mostra absolutamente 'garrado'. Mas, ao acatar, não há mais como fugir dos quitutes e da quietude. Você abriu o portão do quintal.

Escutará a trinca existencial do interrogatório afetuoso:
— Cê é fi de quem?
— Cê é de que canto?
— Cê se formou onde mesmo?

Seu parentesco, sua cidade natal, sua escola constituem as questões iniciais para estabelecer uma cumplicidade. Até localizar um conhecido em comum. Até cavar uma intimidade remota. Algo vai surgir: os parentes estão espalhados de propósito pelo interior, para garantir uma ligação universal com todas as pessoas do mundo. Não existe lugar que não facilite amizades.

Não tem ninguém melhor do que o mineiro para assuntar. Ele vai alcançando aperitivos e fazendo perguntas, ele vai trazendo iguarias e criando igualdades no modo de sentir e de pensar. Você perde a noção das horas e dos compromissos.

Irá anoitecer sem que você perceba a lua subindo como pipa, as estrelas se esparramando como tarrafa no céu.

É bem provável que deixe o encontro impactado com a descoberta de que é primo de terceiro grau. Entrou lá como um estranho e saiu como um familiar.

Visitas rápidas são demoradas; visitas demoradas são verdadeiras hospedagens.

Com duas visitas, você comeu de graça o dia inteiro.

No fim, não conterá a exclamação das raízes dentro de si:

— Vida besta, mió que a minha não há.