Mineiro caracteriza-se pelas suas oferendas ao médico ou dentista. Ele se sente agradecido e vai além do pagamento do convênio.  

Quando acredita que foi bem tratado, bem recebido, bem acolhido, ele se sente em dívida afetuosa e inspirado a dar um presente, um mimo, uma proteção.  

E não adianta o agraciado dizer que não precisa, que somente realizou sua obrigação. Que ele leve a cestinha para casa e comente o que achou na consulta de retorno.  

Marco Túlio, meu amigo médico, no início da carreira, quando estava solteiro, recebia uísque, cachaça, vinho. O povo achava que ele era das festas. Depois de casado, a natureza das doações mudou: começou a ganhar queijo, salame, mel, compotas de banha de porco, um arsenal completo para engordar com a família.  

Casado é reverenciado pela comida. Solteiro é lembrado pela bebida.  

Se o paciente tem horta, leva verduras frescas. Se tem galinhas, carrega ovos caipiras. Se tem uma chácara, alcança leite tirado da vaca. Isso quando não vai com doces como goiabada cascão ou coco com leite condensado, preparados especialmente para a ocasião.  

O consultório vira uma banquinha de hortigranjeiro, com doações ilimitadas de produtos artesanais. 

Meu dentista Róbson, por sua vez, tem um altar em sua escrivaninha. Não foi ele que levantou o santuário, mas seus clientes.  

Ele não entende muito bem o motivo, não sabe se as pessoas pensam que ele está precisando de oração, mas vive recebendo artigos religiosos.  

Sua sala já se transformou em um museu de arte sacra, uma filial do Vaticano. 

Sempre que salva os dentes de alguém, obtém como contrapartida o apoio de uma entidade divina. Seus pacientes aparecem com uma réplica de santo pela graça alcançada, pela alegria refeita. 

Poderia abrir a Igreja do Sorriso.  

Santo Antônio, São Francisco, Nossa Senhora são suas sentinelas da cadeira ortodôntica. Você esquece o desconforto da broca nas cáries analisando as feições dos guardiões do lugar. Não deixa de ser uma sagrada distração.  

Afora a coleção de medalhinhas e escapulários que ele conserva na gaveta, formando um tesouro católico, com as imagens dos anjos São Miguel, São Rafael e São Gabriel.  

Todo mineiro tem um santo de estimação. Seu aliado surge no batizado, indicado pelos pais, para preservar o seu destino. Ele costuma emprestar seu santo de devoção para os profissionais de saúde, estendendo os benefícios da cura adiante.  

Róbson não lembra a origem da procissão em seu endereço comercial. Pode ser que um paciente tenha comentado com outro que ele gostava desse tipo de lembrança.  

O dízimo gratuito se consolidou como regra de cortesia. No Natal, então, nem tem onde colocar as estátuas e correntinhas de pescoço. Não se deve passá-las adiante, por uma questão de respeito pela prece personalizada. 

É próprio de quem mora em Minas fazer dois pagamentos, no plano material e no espiritual. Há as moedas da fé circulando de alma a alma. Ao ter a sua saúde devolvida, a gratidão torna-se também do céu.  

É um jeito de mostrar que o doutor ou o dentista jamais serão esquecidos.