O Dia da Consciência Negra está chegando, e eu quero te fazer uma pergunta simples e direta: você é racista? Claro que a maior parte das pessoas tende a reagir a esse questionamento com um “óbvio que não” imediato, seguido de uma cara de ofendida. Calma, o que proponho aqui é um papo sem estresse. Pode baixar a guarda, porque não estou contra você nem quero te atacar. Nas próximas linhas, se você as seguir, vai encontrar uma reflexão, e não uma crítica direta.
Dito isso, quero compartilhar uma situação recente. Em um Uber, o motorista me perguntou qual era a minha profissão. Respondi que era jornalista, e ele comentou: “Deve ser muito difícil se formar em uma área e não conseguir emprego”. Até então, eu tinha entendido que era uma conversa aleatória sobre desemprego, um fantasma que tem rondado nosso país nos últimos tempos. Mas, não satisfeito, ele disse: “Talvez um dia você consiga um emprego”. Uma fala que, até esse ponto, pode ser vista como uma tentativa de solidariedade, uma intenção muito louvável, diga-se de passagem. Seria mesmo se ele tivesse deixado o assunto morrer quando eu respondi que trabalhava na área para a qual me qualifiquei. Mas ele preferiu seguir e lançou um: “Desculpa, é porque você não tem cara de jornalista”.
Nesse momento, passou pela minha cabeça aquele perfil de jornalista televisivo de um passado recente com direito a fixador de cabelo (o famoso laquê) para nenhum fio sair do lugar. Pensei naquela voz grave de “boa noite” nos telejornais, praticamente um relógio com o recado de que era hora de criança estar na cama. E, sim, eu não tenho essa “cara”. Mas, por isso, não posso ser jornalista? Ou o que eu quiser? E quando foi decidido que esse era o perfil ideal de jornalista ou qualquer outra coisa?
Não, este texto não é sobre mim, e eu nem acho que esse motorista tinha o intuito de me ofender. Naquele momento eu poderia ter levado o debate adiante e explicado a ele que aquele era um pensamento preconceituoso. Só que eu estava cansada demais para entrar em qualquer conversa que pudesse me chatear. Então, só disse um “eu entendo, é difícil saber a profissão da pessoa só de olhar mesmo”. A pergunta óbvia que eu não fiz a ele ficou ecoando na minha cabeça depois: “O que exatamente é uma cara de jornalista?”.
Será a mesma que esperavam que eu tivesse em alguns eventos em que não fui tão bem tratada? Ou a que esperavam que eu usasse ao entrar em determinadas lojas? Talvez a que eu deveria ter para poder dizer que sou mãe da minha filha, de cor mais clara. Como eu não vou mudar de perfil, tento aqui, neste texto, desmistificar essa história de usar a aparência como crachá.
Sei que você chegou até aqui para ter a resposta se é ou não racista. Vamos a um teste rápido. Em algum momento você questionou se uma pessoa tem o perfil para estar em alguma posição? Já viu uma pessoa branca ser presa e soltou um comentário próximo de “nossa, ele não tem cara de criminoso”. Se sim, é com muito pesar (e muito mesmo) que eu te informo: sim, você flerta com o racismo! Mas calma! Não estou dizendo que você é uma pessoa péssima e não pode mudar. Apenas que você tem um pensamento péssimo e precisa rever seus conceitos.
Você, assim como eu, é fruto de uma sociedade ainda cheia de preconceitos. Ao longo da vida, você recebe sinais diretos e indiretos de que negros não se encaixam em determinados lugares e acaba comprando essa ideia. Mas com leitura, informação, boa vontade e uma dose de crítica dá para lutar contra esse e qualquer outro preconceito. Bora tentar?