O TEMPO

Hirudos

Instituído pela ONU, o Dia Internacional de Combate à Corrupção será celebrado amanhã

Por Vittorio Medioli
Publicado em 08 de dezembro de 2019 | 04:00
 
 

Instituído pela ONU, o Dia Internacional de Combate à Corrupção será celebrado amanhã. Por incrível que pareça, ainda não está clara a nocividade dessa prática criminosa, que corrói a saúde de uma nação inteira.

A corrupção remete aos primórdios da raça humana, àquela serpente que corrompeu Eva com uma maçã e fez Adão e sua estirpe perderem o paraíso terrestre.

A primeira maldade, até então desconhecida dentro do “Éden”, inoculou na raça a semente dos conflitos, das desgraças, da exploração, da escravidão física e moral. Tirou os humanos da paradisíaca condição de inocentes para jogá-los na luta pelo ouro e pela vaidade.

Instalaram-se as guerras pela supremacia quase sempre voltada ao supérfluo, ao luxo inútil, mais que ao mero alimento. A fome determina migrações silenciosas, os esfomeados não têm força para levantar espadas.

A corrupção (aqui entendemos a praticada por agentes públicos) é uma subtração, uma privação gerada diretamente aos seus semelhantes. É mais grave que assaltar um banco, uma loja, uma residência, pois o efeito desse ato escolhe como vítima não aquele que possui bens, mas o mais desprovido, o necessitado, o último elo da cadeia social, aquele que depende de ajuda externa.

O fluxo (injusto) das aplicações dos recursos públicos reserva o último lugar à assistência social, à saúde básica, à educação pré-escolar. Exatamente onde o Brasil está uma lástima e abaixo da média.

Como ocorre nestes dias, sem qualquer pudor, o Congresso quer se dar o privilégio de R$ 3,8 bilhões dos fundos Eleitoral e Partidário, retirando R$ 500 milhões da conta da saúde. Quer dizer que com um Senado cujo Orçamento de 2019, R$ 4,5 bilhões, custa à nação “apenas” R$ 55,6 milhões por ano por senador, ou R$ 152 mil por dia corrido por membro da Casa mais alta, o corte de R$ 500 milhões vai deixar mais 330 mil pacientes na fila de cirurgias.

O Fundo Eleitoral, que beneficia o submundo partidário, é um exemplo de como a subtração de recursos ao erário se reflete em uma nação. Os R$ 3,8 bilhões que foram propostos por parlamentares de todos os partidos, para abastecer suas campanhas, seriam apenas uma atitude debochada e sem pudor se não custassem à população mais sofrimentos e mortes nas filas de atendimento. Um Congresso Nacional poderia colocar com urgência em votação a redução de um terço de seus membros e de todos os gastos do Legislativo. Isso, sim, daria uma economia de R$ 20 bilhões ao país, solucionando necessidades inadiáveis.

Os romanos atribuíam a corrupção ao “hirudo aerarii”, sanguessuga do erário, ou aproveitador do caixa do tesouro da nação. A terminologia é incomparavelmente lúcida e correta.

O caixa único abastece inúmeras torneiras, mas os seus recursos não chegarão aos pontos mais distantes do poder centralizado. A discussão no Congresso Nacional comprova isso. Não se verte para as dificuldades da população silenciosa e afastada, dos desempregados, dos esfomeados, dos indigentes, dos 12 milhões de desempregados e dos mais de 50 milhões de indivíduos que vivem na miséria num país “rico por natureza”.

Na China, na Indonésia e em outros países que não conseguiam crescer e distribuir oportunidades pelos vícios da corrupção, o combate se deu no paredão, e com requinte de crueldade, executando no paredão ou durante o intervalo de um jogo de futebol.

Isso não faz parte de nossa cultura, nem o defendo, entretanto países com um combate arrasador à corrupção aceleraram seu desenvolvimento tirando da faixa da pobreza centenas de milhões de indigentes. A corrupção é o maior obstáculo aos méritos dos indivíduos, o pior entrave ao crescimento sustentável.

O Brasil encontra-se, cultural e moralmente, tão distante do enfrentamento da corrupção a ponto de ostentar ferrenhas resistências à operação Lava Jato, o único e corajoso movimento para punir quem roubou trilhões do Estado. O Brasil banalizou a corrupção como um desvio de pouca gravidade, sem reconhecer a este a demolição da moralidade e da justiça social.

A relação entre a sangria dos recursos públicos e o atraso social é incontestável, embora os acordos de leniência fechados com as organizações criminosas sejam irrisórios e ofensivos ao interesse nacional. Deixaram estendido o tapete para a corrupção retornar. Parece uma declaração de que “o crime compensa”. Desproporcionais àquilo que sofre um contribuinte que deixa de pagar um imposto e é cobrado em dobro mais juros e correção.

Uma empreiteira que desviou dezenas de bilhões pagará em 20 anos um valor menor que 3% de quanto furtou, ou o contribuinte, 150% a mais do que deixou de recolher.

Sem considerar os gastos da União com apuração, e o vexame moral pelo mundo afora, a perda de credibilidade, de investimentos, de empregos e receitas públicas. Quer dizer mais sofrimentos e perdas de vidas.

Pior ainda é aturar a presença perturbadora e deletéria de “hirudos”, que vampirizam uma nação, que a condenam ao atraso e que voltarão em breve.