Perfil

A trajetória de um ‘bon vivant’

Um dos delatores da JBS, Ricardo Saud iniciou a carreira de empresário e político no Triângulo Mineiro

Dom, 17/09/17 - 03h00

A festa de inauguração de uma concessionária de motos uberabense, em 1984, foi um sucesso. Entre artistas locais e personalidades da região, estavam presentes, ali, os recém-namorados Ricardo Saud, dono da revendedora, e Suzana Maria Rodrigues da Cunha. Ele, de família humilde, pai lanterninha e mãe dona de casa, e ela, filha do respeitado médico e principal liderança política de Uberaba na época, o doutor João Gilberto Rodrigues da Cunha. Não demorou que se casassem, pouco tempo depois da festa, mas o que renderia uma história digna de um romance clichê acabou servindo como roteiro para o envolvimento de Saud no esquema de pagamento de propinas a políticos através da empresa J&F.

Bem apessoado, de boa fala e bajulador, Ricardo Saud, hoje com 55 anos, tinha facilidade na hora de se enturmar com os poderosos do Triângulo Mineiro. Com a ajuda do sogro, dono de hospitais e clínicas privadas na cidade, o empresário conseguiu o título de cônsul do Paraguai em Uberaba. A história é inusitada: o sogro de Saud, João Gilberto Rodrigues da Cunha, era, além de médico, empresário no ramo agropecuário. O sucesso no setor lhe rendeu amizade valorosa com o então ditador do Paraguai, Alfredo Stroessner, entusiasta de zebus e proprietário de terras na região. Daí para o título de cônsul para o genro foi um pulo.

“Ele sempre teve essa facilidade de dizer o que a outra pessoa quer ouvir. Rendia um papo bom, você se tornava amigo rápido. Para agradar, era impecável”, conta um político uberabense que, hoje, se declara ex-aliado de Saud. “Quando era cônsul, fazia promessas absurdas a todos. Que ia trazer produtos baratos, ia arranjar emprego no Paraguai para familiares da pessoa. Ele sempre foi assim”, completa.

Não demorou para, dali, iniciar ele próprio uma carreira na política. Começou com um convite do ex-prefeito de Uberaba Wagner do Nascimento. Atuando no gabinete como assessor de Nascimento, Ricardo Saud auxiliava no relacionamento do Executivo com a Câmara Municipal e empresários da região.

Entre um contato e outro, se tornou íntimo de Marcelo Palmério, dono de empresas de mineração e reflorestamento, além de reitor da Universidade de Uberaba (Uniube). “Aos poucos ele se tornou o homem de confiança do Palmério, que na época já era uma liderança forte por ser rico e sempre financiar políticos. Então, o ‘Ricardinho’, como o chamávamos, cresceu como nunca, com a influência do Palmério”, conta um parlamentar oriundo do Triângulo. “Uberaba é terra de donos”, conclui o político.

Nomeado diretor da Uniube, Saud passou a ser mais poderoso do que nunca. Por indicação de Palmério, foi levado por Raul Belém para atuar no governo estadual de Itamar Franco. Seus inimigos o acusam de ter falsificado um diploma de graduação para assumir o cargo. Saud se formou no ensino superior apenas em 2007, quando concluiu um curso de administração agrária na Uniube.

Segundo Henrique Hargreaves, ex-braço direito de Itamar, quando Saud foi chefe de gabinete de Belém, não era exigido nenhum tipo de graduação para o cargo. “O chefe de gabinete era indicado pelo secretário e o salário era por cargo. Todos que exerciam esse papel recebiam o mesmo salário”, explica Hargreaves.

Depois do governo Itamar, Saud retornou, em 2001, à Uberaba para chefiar e coordenar a campanha de Anderson Adauto à prefeitura. Vitorioso nas urnas, Saud se tornou secretário de Desenvolvimento Econômico. O cargo lhe propiciava o que fazia de melhor: se relacionar com empresários e políticos poderosos.

Aos poucos, Saud se construía politicamente. Controlando vereadores e indicando doações eleitorais, acabou colocado como presidente do PP municipal de Uberaba. O poder político lhe subiu tão alto que, em 2008, às vésperas da eleição municipal, rompeu com o antigo aliado Anderson Adauto. “Ele queria ter mais participação na prefeitura, inclusive tentou ensaiar uma candidatura própria, mas logo foi descartado. Ele sempre se mostrou ambicioso”, conta um político da região.

Após o rompimento, Saud se aliou e coordenou a campanha do tucano Fahim Sawan. Perdeu para o ex-chefe Adauto no primeiro turno. Mas, das relações feitas na secretaria municipal, surgiu nova oportunidade no mundo privado: uma sociedade no agronegócio com a empresa Ourofino, especializada em fertilizantes.

Com ligações importantes no ramo, não demorou para Saud voltar a se destacar. Mantinha boa relação com a bancada ruralista do Congresso e, em especial, com o então presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Wagner Rossi.

Casório

Visto. Saud se casou novamente, em maio deste ano, com a paulista Eloá Jacinto. O casamento foi “acelerado” pelo empresário com o intuito de facilitar a obtenção de um visto de entrada nos Estados Unidos.

Vitória petista foi salto na carreira

A vitória de Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República em 2010 foi a turbinada final na carreira do “bon vivant” uberabense. Com Wagner Rossi nomeado ministro da Agricultura, Saud foi alçado aos posto de um dos mais próximos assessores do chefe da pasta. Influente e recheado de contatos, se tornou o alvo número um de lobistas do setor agropecuário.

Nestas investidas, ainda durante a campanha de Dilma, conheceu o empresário Joesley Batista, dono do grupo J&F e um dos “campeões nacionais” do governo petista. Saud, logo após a vitória do PT nas urnas, foi convidado a integrar a J&F para, mais uma vez, fazer o que sabe: se relacionar e convencer.

Em 2012, após costurar aliança junto ao atual vice-governador Antônio Andrade (PMDB), Saud retornou a Uberaba para participar da coordenação de campanha de Paulo Piau (PMDB), vitorioso nas urnas e atual prefeito.

Piau e Saud, no entanto, romperam no ano passado. O motivo da separação política foi um suposto atraso em repasses da administração municipal a aliados de Saud. Apesar disso, Piau manteve indicados por Saud em seu secretariado. Piau foi procurado pela reportagem na sexta-feira. Ele não atendeu as ligações para seu celular nem foi encontrado na prefeitura.

 

Operação Patmos foi o começo do fim

Ricardo Saud foi preso pela primeira vez no dia 18 de maio deste ano, durante deflagração da operação Patmos, da Polícia Federal. Ele foi flagrado pela corporação se encontrando com assessores políticos para entregar repasses de propina do grupo J&F.

Depois de um mês preso, foi enviado à prisão domiciliar até a semana retrasada, quando novas gravações envolvendo ele e Joesley Batista, proprietário da J&F, foram entregues à Procuradoria Geral da República (PGR).

Atualmente, está preso por determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Ele é suspeito, junto a Joesley Batista, de ter mentido e omitido informações no acordo de delação premiada firmado por ambos com a PGR, que já pediu a rescisão do compromisso.

Inicialmente, a prisão era temporária, mas, na última quinta-feira, a pedido da PGR, Fachin autorizou a conversão da prisão para preventiva por tempo indeterminado.

Pagamento irregular custou cargo na diretoria da Casemg

Em 1999, quando ocupava cargo de Diretor Operacional da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais (Casemg) – por influência do reitor da Universidade de Uberaba (Uniube) Marcelo Palmério –, Ricardo Saud acabou se envolvendo em sua primeira polêmica no mundo público.

Ele, junto a toda a diretoria da estatal mineira, foi demitido por conta de pagamentos irregulares antecipados a funcionários do órgão. Uma espécie de 14º salário estava sendo pago a quase 300 funcionários da empresa.

A denúncia custou não apenas o emprego de Saud na companhia, como também complicou as relações entre o então governador Itamar Franco e o secretário de Estado de Agricultura, Raul Belém, outro nome vinculado a Palmério.

Ramificações

Família. A irmã de Ricardo Saud, Vanessa, ocupava cargo na Prefeitura de Uberaba até outubro de 2016, quando foi exonerada. Hoje, ela é presidente do PRB de Uberaba e atua, desde janeiro, como assessora do vereador Alan Carlos (PEN). A reportagem tentou contato com Vanessa no PRB mas, no telefone que consta no site do partido, a pessoa que atendeu disse que não se tratava da agremiação política.

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