Investigação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) revela que as empresas de ônibus que circulam em Belo Horizonte teriam fraudado tanto a última licitação realizada para prestação do serviço na capital, em 2008, quanto a composição dos preços das tarifas para que pudessem ter vantagens econômicas por meio dos reajustes praticados anualmente. 

Em uma ação civil pública com 130 páginas, a qual O TEMPO teve acesso, o MPMG pede nulidade dessa licitação e do contrato de concessão do transporte público bem como o cancelamento de todos os termos aditivos firmados desde então – a ação foi impetrada na Justiça nesta semana. 

No documento, o MPMG aponta, por exemplo, que foram identificadas compras de combustíveis com notas fiscais lançadas como despesas do setor de transporte coletivo de Belo Horizonte, mas com entregas para outras cidades do Estado. 

Em uma das provas anexadas, foram comprados 30 mil litros de óleo diesel, sendo entregues em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. “Outro exemplo é a nota fiscal 507198, emitida em 18.2.15 pela distribuidora Raízen Combustíveis S/A, que registra a venda de 30 mil litros de óleo diesel tendo como destinatária novamente a empresa Turilessa Ltda., integrante do Consórcio Pampulha. No campo ‘Dados Adicionais’ dessa NF percebe-se que o combustível foi entregue na cidade de Montes Claros (Norte do Estado)”, relata trecho da ação civil pública. 

A mesma tática utilizada para justificar os custos com combustíveis é usada, segundo o MPMG, nos demais fatores que compõem a tarifa. Empresas do consórcio colocavam nas garagens alugadas para abrigar os ônibus do transporte coletivo outros veículos de propriedade de empresas dos concessionários, mas que não eram utilizados no contrato com a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans). “Agindo dessa forma, as empresas concessionárias aumentam artificialmente o custo pela operação em Belo Horizonte”, informa o MPMG.

Pelo contrato em vigor desde 2008, que soma R$ 16,3 bilhões, as tarifas do transporte coletivo de Belo Horizonte são definidas levando-se em consideração dois fatores: a inflação e os custos operacionais, como combustíveis, mão de obra, aluguel de garagens e pagamentos do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). 

Conforme os investigadores, os usuários eram as vítimas do esquema. “Como o custo apropriado pelas empresas é maior pela simples utilização da estrutura (garagens, oficinas etc.) por empresas alheias aos consórcios, quem utiliza o sistema de transporte público da capital é penalizado duplamente. Primeiro por arcar com despesas de empresas alheias ao sistema, que não trazem benefício algum para os usuários. Segundo, por induzir a falsa necessidade de aumentos tarifários, bem como diminuir ou até mesmo anular o ganho de produtividade que poderia justificar uma eventual redução tarifária”, sinaliza.

Os consórcios, segundo o MPMG, também informaram um número maior de veículos do que o que realmente tinham para declarar mais despesas com IPVA.

Para MPMG, todos os consórcios estavam em conluio

As fraudes nos contratos de prestação de serviço do transporte coletivo em Belo Horizonte começaram já na licitação, em 2008, conforme o Ministério Público de Minas. 

De acordo com a ação civil pública, todos os consórcios que participaram da licitação estavam em conluio. Prova disso, conforme os investigadores, é que uma mesma pessoa redigiu as peças que foram entregues pelas empresas para participar da licitação. “Os trabalhos investigativos levados a efeito pelo Ministério Público do Estado e pelo Ministério Público de Contas apuraram que a documentação dos consórcios/empresas interessadas, assim como a formulação de todas as propostas, inclusive dos licitantes perdedores, foi organizada e elaborada por um mesmo agente, tudo para criar a impressão de que, de fato, houve disputa para a adjudicação do objeto licitatório”, argumenta o MPMG.

Um mesmo padrão de texto, com pequenas alterações, foi detectado em várias das peças que compuseram o processo licitatório. Até mesmo quando um documento era alterado, constatava-se que as mesmas modificações eram feitas pelos demais consórcios. “Ora, não é crível que todos os licitantes conseguissem, por pura coincidência, apresentar propostas com textos idênticos, certidões emitidas em sequência, arquivos de computador gravados nas mesmas datas e em horários também sequenciais pela mesma pessoa e com o mesmo padrão de nomenclatura”, ressalta a promotora Luciana da Fonseca, que é quem assina a ação civil pública. 

Conforme consta no documento, o Ministério Público chegou a abrir procedimento investigatório para apurar os fatos na época. Passados mais de dez anos, as provas coletadas fazem parte da atual ação.

Promotora pede providências da prefeitura

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) quer que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) abra processos administrativos, cancele os contratos e faça nova licitação do transporte coletivo na capital. A ação civil pública é movida contra a PBH, a BHTrans e os consórcios Pampulha, BH Leste, Dez e Dom Pedro II.

Conforme a promotora Luciana da Fonseca, o poder público não tinha controle sobre as ações das empresas e permaneceu inerte. “Os trabalhos realizados expuseram a total falta de controle dos custos efetivos do sistema pelo poder concedente e a contundente manipulação dos dados, pelas concessionárias, para aumentar seus ganhos”, diz a ação. “Diante de tantas ofensas à lei e da relevância social do serviço de transporte coletivo não é lícito que o poder concedente – município de Belo Horizonte – permaneça inerte”, completa.

Em 2017, a PBH contratou uma auditoria para analisar a tarifa. A empresa sugeriu o preço de R$ 6,35. O valor estava em R$ 4,05, e o Executivo autorizou o reajuste, chegando a R$ 4,50.

Outro lado

O Executivo municipal e a BHTrans foram procurados pela reportagem e informaram que ainda não foram intimados. Os consórcios de ônibus foram demandados, por meio do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra). Em nota, a Setra alega que não foi citada para “apresentação de defesa”.

 

(Com Lucas Henrique Gomes)