Faltando menos de duas semanas para acontecer, a Parada do Orgulho LGBT de Belo Horizonte foi questionada na justiça por dois vereadores da capital mineira. Uner Augusto e Pablo Almeida, ambos da bancada do PL no Legislativo municipal, deram início a uma Ação Popular na qual questionam a ausência de licitação para a parceria entre a prefeitura e o Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero de Minas Gerais (Cellos/MG) para realização do evento, marcado para 20 de julho. Eles pedem a devolução de valores que já teriam sido pagos.

"Numa rápida pesquisa no portal oficial do Governo Federal, PNCP, destacam-se outras entidades com expertise igual. Ou seja, trata-se de objeto cuja competição é ampla e possível, havendo vício de motivo (ausência de justificativa) ou mesmo vício de objeto", diz a acusação levada pelos parlamentares à justiça. 

A prefeitura argumenta, que ela não é a realizadora do evento e apenas uma apoiadora. "A Parada LGBT não se configura como um "grande evento" do município, mas uma ação realizada pela Organização da Sociedade Civil, que responde nos parâmetros da Lei 13.019/2024, e que tem a PBH como co-realizadora", diz nota da administração municipal.

O Cellos nasceu do grupo que deu origem à Parada LGBT em Belo Horizonte e está à frente do evento desde então, motivado pelo desejo e pela necessidade de responder de forma organizada e estratégica às diversas demandas da população LGBTQIA+ na cidade e no estado, conforme informações da entidade. Contudo, para os vereadores, haveria outras entidades capacitadas e legitimamente envolvidas na causa que poderiam receber os recursos públicos para realizar o evento e por isso seria necessário um processo de chamamento público.

Neste ano, a 26ª Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ de Belo Horizonte deve receber um aporte de aproximadamente R$ 450 mil da prefeitura da capital como forma de combater o preconceito contra o público alvo do evento. A publicação da inexigibilidade da licitação foi feita em 9 de maio no diário oficial, sem que houvesse questionamento no prazo estabelecido.

De acordo com os vereadores, a contestação não seria por motivos ideológicos, mas por uma questão administrativa. “A ação popular que propusemos não tem como objeto a pauta LGBTQIA+, tampouco a realização da Parada do Orgulho LGBT em si. O que está em questão é a forma de contratação utilizada pelo Executivo Municipal, que, ao nosso ver, violou os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência”, disse o vereador Uner.

O parlamentar faz parte da Frente Cristã no Legislativo da cidade, mas afirma que a decisão não tem motivação ideológica ou religiosa. "Não se trata de questionamento moral, religioso ou ideológico, mas sim de defesa do interesse público", diz.

“Há diversas entidades com atuação no mesmo campo em Belo Horizonte e no Brasil, inclusive com expertise comprovada em eventos similares, como demonstramos na petição inicial. Trata-se, portanto, de um ato administrativo que fere a isonomia e a competitividade, e que pode representar lesão ao erário público, conforme já alertado inclusive por acórdãos do Tribunal de Contas da União”, conclui.

De acordo com o vereador Pablo, a justiça já determinou que a prefeitura e o Ministério Público se manifestem sobre o caso. “Ressalto que não se trata de ação contra a parada ou contra qualquer movimento, mas sim contra a contratação de entidade com dispensa de licitação”, avalia.

A prefeitura informou que a parceria da PBH com o Cellos teve início em 2017, com apoio logístico. A partir de 2022, o Executivo informa que passou a fomentar a atividade com recurso financeiro, "reforçando o compromisso de promover e garantir a defesa dos direitos humanos e de cidadania, inclusive por meio do apoio a Organizações da Sociedade Civil". O evento conta também recursos de emendas parlamentares da Câmara Municipal e Assembleia Legislativa.

Assim como nos anos anteriores, a formalização da parceria entre a Prefeitura e a Organização se deu por inexigibilidade que está devidamente justificada no Termo de Fomento, que é público, conforme informa a prefeitura.

Movimento de orgulho

Para o Cellos, a justificativa dos vereadores apenas esconde a razão principal para tentarem impedir o evento de acontecer. "É mais uma tentativa da extrema-direita de reduzir ou eliminar os direitos conquistados pelos movimentos sociais. Todos os anos, o Cellos-MG é alvo de ataques de vereadores alinhados a essa ala conservadora da Câmara Municipal de BH, especialmente perto da data da Parada LGBTQIA+. Essa ação, para nós, evidencia que nós, pessoas LGBTQIA+, viramos escada para esse jogo sujo que discute no campo moral o que nós discutimos no campo social, democrático e de direitos. A discussão é tão rasa e tão panfletária que desconhece a história, descredibiliza a luta e não reconhece processos com o intuito de manter esse poder hegemônico cisheteronormativo, machista e branco", diz nota da entidade.

O objetivo do Cellos-MG, segundo eles, é trabalhar ações de conscientização da população LGBTQIA+ a respeito da defesa de seus direitos fundamentais, das estratégias de cuidado de si e da comunidade e das formas de incidência participativa que buscasse a igualdade e a justiça social, por meio da formação de militantes, organização de eventos e ações sociais, contexto no qual realizam  a Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Belo Horizonte, junto de outras organizações e grupos de mesmo segmento.

A instituição ainda defende o investimento público no projeto, que segundo eles, não é a realização de um grupo, mas de uma população. "O investimento de recurso público ocorre porque ela é positiva para a cidade de Belo Horizonte em vários níveis: ela mostra a diversidade, sinaliza o ensejo e o sonho democrático presente em nossa carta cidadã. Além disso, ela devolve, em um único dia, cerca de 20 milhões de reais à cidade, mobiliza a rede hoteleira e mobiliza a capacidade turística", conclui.