Com produção do ex-marqueteiro de campanhas petistas João Santana, o PDT de Ciro Gomes vem lançando nas plataformas digitais uma série de vídeos – com grafismos e linguagem eleitoral – que o colocam, claramente, em pré-campanha presidencial visando ao pleito de 2022.
Além do conteúdo audiovisual, Ciro intensificou a participação em eventos, o partido criou uma web-rádio e vem fazendo acenos a partidos e aliados mais ao centro e à centro-direita.
Em um horizonte polarizado entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro (sem partido), o tom adotado por Ciro nas produções é crítico aos dois candidatos.
Essa estratégia, segundo especialistas, é uma tentativa do cearense de se firmar como terceira via e abarcar o eleitorado do “nem um, nem outro”. Porém, na avaliação deles, o pedetista terá muitas dificuldades na busca por um lugar no segundo turno das eleições de 2022.
“Fazendo uma analogia com o esporte, o sarrafo está alto para a passagem ao segundo turno com a presença de Lula e Bolsonaro na disputa, e isso traz dificuldades para o crescimento de uma terceira via. As chances, hoje, são mínimas, mas ele (Ciro) precisa mesmo adotar uma campanha do: ‘nem um, nem outro’ e diminuir esse sarrafo”, avalia Malco Camargos, professor da PUC Minas de ciências políticas e diretor do Instituto Ver Pesquisa e Estratégia.
O professor afirma que a estratégia de Ciro lembra a que Lula adotou na campanha de 2002. “Ele busca a construção de um perfil mais moderado. A diferença entre os dois é que Lula, em 2002, já vinha obtendo a maioria das preferências às vésperas do início da campanha, enquanto Ciro precisa entrar no jogo eleitoral”, pontua.
Para o professor da UFMG e diretor do Instituto de Pesquisa Qaest, Felipe Nunes, a eficácia da estratégia cirista vai depender de alguns fatores.
“Se o centro vier fragmentado, essa estratégia do Ciro tende a não funcionar. Porque, em uma eleição de dois turnos, Ciro precisaria somar um percentual de votos superior ao de Lula ou de Bolsonaro. Disputando esse voto de centro com outros candidatos, com os dados que temos hoje, avalio que dificilmente ele consiga”, afirma Nunes, que chama atenção também para o nível de acesso do eleitorado ao material produzido por João Santana. “Hoje eu penso que esse material circula mais na bolha política do que entre o eleitorado propriamente dito”, destaca.
Aval
O presidente do PDT em Minas, deputado Mário Heringer, defende a estratégia adotada pelo partido.
“O Bolsonaro é a primeira pessoa que precisa sair da posição que está, então as mazelas provocadas pelo governo dele sempre serão exteriorizadas nos nossos programas partidários e do próprio candidato (Ciro Gomes). Em relação ao Lula, não existe possibilidade de em um primeiro turno se pensar em estar junto”, pontua Heringer.
Também há barreiras em caminho pelo centro
O também professor de ciências políticas da UFMG Leonardo Avritzer destaca as movimentações de Ciro – que sempre disputou no campo da centro-esquerda – para o centro e a centro-direita. “O ex-presidente Lula, com os apoios que está conseguindo no PSB e mais algumas negociações, parece que vai ocupar o campo da centro-esquerda”, ressalta.
Segundo Mário Heringer, o PDT já trabalha em torno de alianças com partidos ligados à centro-esquerda e à centro-direita. “Temos uma conversa muito próxima com PSB, PV e Rede que todos sabem, mas temos também conversas com outros partidos mais ao centro, mas isso não é hora para divulgar. Nossa proposta é compor o centro dentro de uma razoabilidade de propostas”, afirma.
O próprio Ciro Gomes, em debate nas redes sociais, já acenou para aliança com legendas como DEM e PSD.
“A partir daí vamos conversar com o DEM, que não está no centrão e que está numa confusão interna, dividido em três correntes. Uma parte quer o Bolsonaro, outra quer filiar o Huck, e outra quer votar no Doria. Estou querendo que eles venham comigo. Então, são quatro partes, na prática. Vamos ver o que consigo”, disse no programa “Política e Patuscada”, do Clubhouse, em 15 de abril.
Avritzer avalia, no entanto, que essa movimentação pode ser uma “dificuldade adicional” à campanha de Ciro. “Não é muito claro que exista um espaço para um terceiro candidato, e também não sei se o perfil do Ciro é o mais viável para isso, uma vez que no campo da centro-direita ele terá que concorrer com alguém talvez do PSDB ou do PSD”, completa.
Vídeos do pedetista desagradam à militância do PT
O tom adotado por Ciro Gomes nos vídeos não agradou aos simpatizantes do ex-presidente Lula. Em uma das publicações, com o título “Uma verdade sobre Lula”, o pedetista direcionou críticas ao governo dele, do qual até foi ministro.
“Não estou aqui para fazer quem gosta de mim gostar ainda mais. Nem para tentar convencer quem não gosta de mim a passar a gostar”, explicou no início da gravação, completando depois que o governo de Lula deu “pouco para os pobres” e “muito para os ricos”. O vídeo já contabilizou milhares de visualizações desde que foi postado.
O perfil oficial do PT de São Paulo ironizou o fato de Ciro ter feito parte da equipe de Lula no primeiro mandato, como ministro da Integração Nacional. “Pra quê isso, Ciro? Você fez parte do governo, foi ministro”, escreveu o perfil.
Em outro vídeo, com o título “A Verdade sobre o Bolsopetismo”, Ciro respondeu aos críticos da publicação anterior.
“É uma cegueira não ver que Bolsonaro é pavorosamente inadequado. Como também não ver que Lula está completamente antiquado. Só o ‘Bolsopetismo’ insiste em não enxergar isso”, diz a legenda do vídeo postado no Twitter.
Mais uma vez, o pedetista foi criticado por petistas que o acusaram de fazer “falsa simetria entre Lula e Bolsonaro”. No entanto, no próprio vídeo, Ciro deixa claro que não os está comparando.
“Eu sei, como qualquer pessoa sensata, que Lula e Bolsonaro são pessoas profundamente diferentes. Aliás, pouquíssimos políticos no Brasil e no mundo podem ser comparados ao bandido e genocida Bolsonaro”, disse.
O ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu (PT) afirmou que o partido não vai se contrapor a esse tom crítico. A declaração ocorreu em uma conversa via rede social.
“Ciro tem legitimidade e todo o direito de ser candidato, mas quer ser um candidato com discurso anti-PT e anti-Lula. Nós não vamos contrapor, não vamos responder. Nosso problema é o Bolsonaro”, declarou o principal articulador do partido integrado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.