O general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, chefe do Comando Militar do Planalto durante o movimento bolsonarista que resultou nos atos criminosos de 8 de janeiro, disse nesta quinta-feira (18) que foi contra prender extremistas no Quartel General do Exército naquele dia por temer "morte" e "tragédia".
“No dia 8, as pessoas fizeram os atos e voltaram para a Praça [dos Cristais, no Setor Militar Urbano, onde fica o QG]. O coronel Fábio Augusto [da Polícia Militar do DF] me liga e diz que a ordem do doutor Ricardo Cappelli [nomeado horas antes como interventor da Segurança do DF] era prender todo mundo na praça. Eu disse que era uma operação complexa, que teria que coordenar. Encontrei o Ricardo Cappelli no estacionamento da Rainha da Paz, foi uma conversa extremamente civilizada. Falei que era operação complexa, que tinha risco de morrer gente”, relatou o militar, em depoimento na CPI dos Atos Antidemocráticos, na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), na manhã desta quinta.
Segundo o general Dutra, nesse diálogo, Cappelli perguntou se os bolsonaristas, que haviam buscado abrigo no QG após a tentativa de derrubar o governo de Luiz Inácio da Silva (PT) fracassar, estavam armados no acampamento. “Eu falei: ‘Não senhor, não tem iluminação adequada, tem pedras portuguesas, lago, degrau, espeto de churrasco, faca de churrasco. Se a gente entrar sem planejar, vai ter gente que pode morrer até afogada no lago [que fica na Praça dos Cristais]’”, comentou.
Diante da resposta, ainda de acordo com Dutra, Cappelli se afastou para telefonar para o ministro da Justiça, Flávio Dino. Com isso, disse o militar, ele decidiu falar, também ao telefone, com o general Gonçalves Dias, então recém-nomeado por Lula – que tomara na Presidência posse sete dias antes – para o comando do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
“Cappelli se afastou para ligar para o ministro Dino e eu liguei para o general Gonçalves Dias. Eu pedi para ele ligar para o Lula, mas o Lula estava na frente dele. Ele desligou e ligou novamente em menos de dois minutos: ‘O presidente está muito irritado e disse que vai entrar [no QG]. Fala com ele’. Passou o telefone”, contou Dutra ao microfone do plenário da CLDF.
“Ele [Lula] disse: ‘São criminosos, têm que ser presos’. Eu disse que ninguém tinha dúvida, que estávamos todos indignados iguais. Mas, até aquele momento, só estávamos lamentando dano ao patrimônio. Se entrasse sem planejamento, poderíamos terminar a noite com sangue”, completou Dutra.
Ainda segundo ele, Lula deu ordem de isolar a Praça dos Cristais e prender todo mundo na manhã do dia seguinte – o que acabou ocorrendo, com ordem judicial do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cumprida em ação coordenada pela Secretaria de Segurança Pública, então sob comando de Cappelli.
“O pessoal [do acampamento] achava que estava sendo protegido pelo isolamento e foi dormir. No dia seguinte, chegaram os policiais do Bope (Batalhão de Operações Espaciais] conduzindo negociação de forma profissional. […] Tem o relatório do Cappelli que mostra que prenderam mais de mil pessoas na praça sem ferir ninguém. A ordem judicial determinava em 24 horas a prisão e foi efetivada em prazo bastante inferior. Em nenhum momento houve obstrução. É insanidade falar que o Exército entraria em confronto com a polícia”, alegou o general.
General disse que Exército fez de tudo para “desmotivar” acampamento
Antes de ser questionado sobre o que aconteceu em 8 e 9 de janeiro, Dutra garantiu que o comando do Exército sempre fez de tudo para desmobilizar o acampamento montado ao redor no QG e que chegou a reunir milhares de bolsonaristas no fins de semana, em atos que pediam a anulação da eleição que deu vitória à Lula, intervenção militar e até destituição do Congresso e prisão de ministros do STF.
“Nós tentamos o tempo todo, desde o início, desmotivar o acampamento. O Exército é uma instituição preocupada com a dignidade humana, a preservação da vida, o cumprimento legal das atividades”, afirmou o ex-comandante do Comando Militar do Planalto.
Por dois meses, apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) permaneceram ao redor do QG, uma área de segurança nacional, sem de fato nunca serem incomodados por qualquer ação do Exército. A corporação acionou a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal apenas para pedir a limpeza do acampamento e um melhor controle no fluxo de pedestres e veículos nas vias de acesso ao QG.
Com o tempo, o acampamento se transformou em uma cidade, com dezenas de banheiros químicos, tendas com equipes para primeiros-socorros, atendimento psicológico, aulas de ioga, massagem, venda de artigos militares, camisetas e bonés com apoio a Bolsonaro e contra Lula, além de dezenas de ambulantes e até restaurantes – onde era servida comida de graça. Ônibus e até tratores iam, vinham e ficavam estacionados nas pistas e em canteiros, sem qualquer repressão.
O general Dutra alegou que nunca houve uma operação para desmontar o acampamento porque não havia ordem judicial para tal.
“Nenhuma instituição disse: ‘Esse acampamento é ilegal’. E estabelecemos uma estratégia indireta para desmobilizar. Limitamos acesso, logística. […] Em Belém [capital do Pará], quando houve ordem judicial, imediatamente o acampamento foi desmontado. Aqui, nunca trataram o acampamento como ilegal, trataram ilegalidades que por ventura acontecessem no acampamento”, ponderou.
Oficiais da PM e até o governador disseram o contrário do general
No entanto, a versão dele já foi desmentida por diversos integrantes da Polícia Militar do Distrito Federal, da cúpula da Secretaria de Segurança e lideranças políticas, incluindo aliados de Bolsonaro, como o governador Ibaneis Rocha (MDB).
Todos, em depoimentos na CPI e à PF, disseram que, mais de uma vez, o Comando Militar do Planalto impediu a remoção do acampamento bolsonarista antes da posse de Lula e não permitiu a ação de policiais militares no QG logo após a fracassada tentativa de derrubar o recém-empossado presidente petista – imagens das TVs e de diversas pessoas mostraram blindados e homens do Exército postados na entrada do QG para impedir o acesso de PMs na noite de 8 de janeiro.
O general Dutra chefiava as unidades do Exército em Brasília e região durante os ataques de bolsonaristas radicais às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Entre outros, era responsável pelo QG, onde apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro (PL) montaram acampamento logo após as urnas darem vitória a Lula Silva no segundo turno da eleição de 2022.
Foi do QG do Exército que saíram os autores dos atos violentos registrados na capital do país em dezembro e janeiro: a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal e a consequente quebradeira ao redor do prédio; a tentativa de explodir uma bomba sob um caminhão de combustível perto do aeroporto; e a invasão e depredação do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e STF.
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