Drama

Coronavírus pode levar governo de Minas a adiar leilão do nióbio

Membros da equipe do governador Romeu Zema demonstraram preocupação com doença antes ser declarada epidemia

Por Franscin Alves e Heitor Mazzoco
Publicado em 27 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 
CIDADE ADMINISTRATIVA Foto: CRISTIANO TRAD / OTEMPO 25/03/10

Quando, nas primeiras semanas de janeiro, os casos de coronavírus começaram a se multiplicar de forma assustadora em Wuhan, na China, uma fonte do primeiro escalão do governo de Minas confidenciou aos colegas: “Acho que nesta gestão não vamos ter um momento de paz. É um inferno astral sem fim. Que isso não vire epidemia”. 

Ali, o pressentimento era que a doença poderia atrapalhar a solução do Estado para o pagamento do 13º do funcionalismo e o fim dos parcelamentos de salários: o leilão dos recebíveis de nióbio na Bolsa de Valores. Dias depois, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência de saúde pública global, e a equipe econômica do governador Romeu Zema (Novo) começou a se preocupar com um problema que pensavam já ter resolvido.

Em outubro, a administração estadual encaminhou à Assembleia Legislativa (ALMG) proposta para privatizar a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig). A estatal é a dona de parte dos direitos da mina responsável pela maior produção de nióbio do mundo, em Araxá, no Alto Paranaíba.

A outra parte fica sob a gestão da empresa privada Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). A ideia do Estado com o texto era antecipar os valores dos recebíveis do mineral até 2032, estimados entre R$ 4,5 bilhões e R$ 6 bilhões, e utilizá-los como garantia para tomar empréstimo junto aos bancos. 

Com mudanças feitas pela ALMG, a proposição foi aprovada no início de dezembro pelos deputados estaduais. Contudo, o Ministério Público de Contas do Estado (MPC-MG) entrou na jogada e atrapalhou, segundo a equipe econômica, os planos de Zema de concluir a operação ainda em 2019. 

O órgão sustentava que, com as informações prestadas pelo governo, não era possível definir a natureza jurídica do negócio - se é uma venda ou uma operação de crédito. A Constituição Federal proíbe a realização de operações de crédito em valores superiores a despesas de capital (investimentos). Além disso, a parceria entre Codemig e CBMM foi colocada em xeque pelo MPC-MG.

Por conta da ação do Ministério Público, o Estado disse que isso causou temor nos investidores e, para preservar os valores dos ativos, preferiu deixar o leilão para o primeiro trimestre de 2020. O que a administração não contava era que uma epidemia iniciada na China pudesse atrapalhar os negócios. A Ásia é quem mais demanda nióbio de Minas – China e Japão –, e o coronavírus afastou ainda mais o mercado.

“É impressionante o que está acontecendo. Quando se pensa que se resolveu um problema, aparecem outros. As chances de o governo resolver a questão salarial do funcionalismo passa agora por qual caminho? Reforma da Previdência? Regime de Recuperação Fiscal, que corre o risco de nem ocorrer por causa do reajuste dado aos servidores? É um beco quase sem saída. Ninguém dorme nas equipes de Fazenda e de Planejamento”, confessou um dos principais articuladores da equipe econômica do Estado. 

Percepção

Na Assembleia, a avaliação de líderes e base não é diferente. O entendimento é que o futuro econômico do Estado caminha para um lugar ainda mais incerto e com soluções cada vez mais distantes.

Bolsa de Valores

O momento não é apropriado para realizar o leilão na Bolsa de Valores, garante um economista que atua no setor privado, sob condição de anonimato. Na última semana, o especialista conversou com a reportagem e disse que a situação da China – com o coronavírus – abalou o sistema financeiro em todo o mundo.

Isso porque, claro, a China tem papel importantíssimo no mercado. “As empresas estão fechadas na China por causa do coronavírus. As pessoas estão trabalhando de casa, fazem ‘home office’. Tem efeito na produção. Não é momento para vendas”, disse.

Ele cita que, se estivesse, por exemplo, negociando uma empresa, esperaria: “Consequentemente, o ativo está em um valor menor”. Ativo é o valor comercial do bem em questão. Economistas, inclusive, apontam que as mudanças na metodologia de contagem de vítimas – por parte do governo da China – estão atreladas à queda na economia mundial.

Mas as previsões já não são boas para o governo de Minas. Para o economista ouvido pela reportagem, uma melhora significativa deve ocorrer em até seis meses. Isso em uma análise positiva. Ontem, o Bolsa brasileira fechou em queda de 7%. A reportagem de O TEMPO questionou a Bolsa de Valores se há estimativa de quando o leilão deve ocorrer, mas a assessoria de imprensa informou que o processo ainda não é público.

A situação crítica fez, inclusive, a Coreia do Sul emitir um alerta econômico. O governo daquele país já afirmou oficialmente que vai disponibilizar mais de US$ 350 milhões para incentivar economia local. No Japão, há receio de recessão.

Contas

Com integrantes do mercado financeiro apontando para um risco alto para realizar o leilão dos royalties do nióbio nas próximas semanas, o governo de Minas terá de “aguentar pressão” dos servidores, revela um especialista ouvido pela reportagem.

Isso porque o leilão serviria para colocar o pagamento dos servidores em dia – quitação no quinto dia útil – e o pagamento do 13º salário do ano passado, que não foi depositado para parte do funcionalismo. “O servidor vai pressionar, claro. E é direito dele receber em dia. Mas, o momento para uma operação na Bolsa de Valores não é bom”, disse.

A reportagem conversou com o secretário de Estado de Fazenda, Gustavo Barbosa. Ele, no entanto, preferiu não entrar em detalhes sobre o andamento da operação.